Segundo Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), Bannon é, de certo modo, o Trotsky da revolução populista, misto de ideólogo e homem de ação. Ele ambiciona, com seu “Movimento”, levar as massas europeias à revolta contra o chamado por ele de “o partido de Davos”.
Se lhe perguntamos qual é seu papel nesse movimento, Bannon faz beicinho: “Sou só um estudante global do movimento populista. Estou aqui para aprender”.
Steve Bannon é um produto da classe trabalhadora americana. Ele, graças a seu talento e sua avidez, passou por todos os locais simbólicos do poder americano – o exército, Virginia Tech, Georgetown, Harvard Business School, Goldman Sachs, Hollywood e, enfim, Washington – sem jamais abrir mão de sua raiva original.
Ao contrário, Bannon acumulou, por onde passasse, munição nova para incendiar e sangrar o mundo dessas elites esnobes em relação a gente como ele. Considera-a como uma casta blindada formada pelos traidores do povo.
Seguindo os passos de seu mestre Andrew Breitbart, fundador do site homônimo de contrainformação, Bannon foi um dos primeiros entre os novos populistas a entender: “a política deriva da cultura”. Desde o começo, ele luta para arrancar da “intelligentsia liberal o espectro de hegemonia cultural.”
“Dedica-se à produção de documentários superkitsch, versando sobre o espírito americano, o choque de civilizações e a alternância de gerações conservadoras das tradições e costumes nacionalistas. Elas, assim, modelam a História e determinam o curso dos acontecimentos.
O Breitbart News se tornou o ponto de convergência para a direita alternativa americana – uma tropa heterogênea de nacionalistas, conspiradores contra o establishment, militaristas ou, simplesmente, indivíduos raivosos – todos decididos a impor um ponto de vista diferente sobre as principais questões no centro do debate: a imigração, o livre-comércio, o papel das minorias e os direitos civis.
Abrindo uma redação no Texas para seguir de perto o fenômeno da imigração clandestina, Bannon financiou think tanks, grupos de pesquisa destinados a estudar os malefícios do establishment em geral e da família Clinton em particular. Mobilizou blogueiros e trolls para dominar o debate nas redes sociais, participando do lançamento de uma sociedade de Big Data aplicada à política – a Cambridge Analytica. Esta mais adiante estará no centro de um escândalo global de manipulação eleitoral.
Assim Bannon converteu-se em “banda de um homem só” do populismo americano. Portanto, quando o furacão Trump devastou as primárias republicanas em 2016, ele estava lá, a poucos passos de virar o inspirador oculto, depois o estrategista oficial, da campanha mais transgressora da história política dos Estados Unidos.
Claro, após as eleições, Steve perdeu um pouco a cabeça. Instalado no gabinete do conselheiro político do presidente, não resistiu à tentação de exibir-se à luz dos holofotes.
É sempre uma péssima jogada, para um estrategista, sair revelando suas próprias ideias aos principais jornais em vez de sussurrá-las nos ouvidos do príncipe, ainda mais quando se trabalha para o símbolo vivo da Era do Narcisismo. Não à toa, ao fim de um ano Bannon foi expulso da Casa Branca.
Entre os frequentadores do circuito dos populistas soberanistas, poucos têm o cérebro, a experiência e as relações de Bannon. Assim, no espaço de alguns meses, uma perspectiva ainda mais ambiciosa se apresentou: “O que eu quero é construir uma infraestrutura global para o movimento populista mundial.” A V Internacional será de direita!
George Soros, o culto bilionário húngaro financiador de movimentos democratas no mundo inteiro com sua Open Society, é, ao mesmo tempo, a besta do Apocalipse e o sonho proibido dos novos populistas globais. Bannon queria criar uma fundação inspirada no modelo de Soros, com o mesmo impacto, mas a serviço de uma agenda completamente diferente: fechar as fronteiras, interromper o processo de globalização e de integração europeia e voltar aos Estados-Nações de outrora.
Segundo Bannon, “na Itália, os populistas de direita, e os de esquerda, aceitaram deixar de lado suas diferenças e se uniram para devolver aos italianos o poder usurpado pelo partido de Davos. É como se Bernie Sanders e Donald Trump entrassem num acordo. Nos Estados Unidos nós não conseguimos, mas vocês, vocês realizaram isso. O que está em jogo na Itália é a própria natureza da soberania: do resultado dessa experiência depende o destino da revolta dos povos. Eles querem recuperar o poder roubado pelas elites globais. Se dá certo na Itália, pode dar certo em qualquer lugar. Por isso, vocês representam o futuro da política mundial.”
O discurso de Bannon é lisonjeiro, mas na realidade não é a primeira vez de um observador anglo-saxônico enxergar as invenções políticas da península como um modelo a seguir. “Seu movimento prestou um grande serviço ao mundo”, proclamava Winston Churchill, dirigindo-se aos fascistas italianos no fim dos anos 1920. “A Itália demonstrou que existe uma maneira de combater as forças subversivas. Essa maneira consiste em chamar as massas a cooperar para defender a honra e a estabilidade da sociedade civilizada. Ela produziu o antídoto necessário contra o veneno soviético”.
O fascismo foi a primeira manifestação populista italiana contra o movimento trabalhista organizado por sindicatos e partidos. Ele trouxe consequências mais pesadas, mas após a queda do movimento, a Itália também deu à luz o maior partido comunista da Europa Ocidental, tornando-se, assim, o teatro privilegiado de todas as manobras e tensões da Guerra Fria.
Quando o Muro de Berlim caiu, a península se transformou no Vale do Silício do populismo. A política italiana antecipa em mais de vinte anos a grande revolta contra o establishment hoje agita como um todo o hemisfério Norte. E também o hemisfério Sul, como o mimetismo da Operação Mãos-Limpas pela Operação Lava-Jato no Brasil.
Diferentes magistrados protagonistas das devassas anticorrupção tenham em seguida entraram na política institucional, fundando partidos, fazendo-se eleger no parlamento e tornando-se ministros ou prefeitos de grandes cidades.
A partir desse momento, bastou aos italianos sair em busca de elites alternativas para governar o país no lugar dos políticos profissionais, desacreditados, corruptos e incompetentes. Pior, a esquerda começou esse movimento, sustentando com vigor as ações dos magistrados da operação “Mãos Limpas”, para, em seguida, dar vida, na primavera de 1993, ao primeiro governo “técnico” da história republicana: um Executivo presidido pelo ex-governante do Banco da Itália, Carlo Azeglio Ciampi, e composto exclusivamente de ministros não políticos, pinçados das fileiras do mundo acadêmico e da administração pública.
Durante esse período, começou a florescer, entre os progressistas, o mito de uma “sociedade civil” virtuosa e não corrompida da qual teria emergido a nova classe dirigente do país. Mas, imediatamente depois, Berlusconi chegou para explicar: o poder devia ser gerido pelos empresários e os managers, ou gestores, verdadeiros produtores da riqueza do país, contrariamente a uma classe política formada por inúteis.
Com essa casta dos mercadores, chegaram ao governo os regionalistas da Liga e os ex-fascistas da Aliança Nacional, um bloco heterogêneo unido pela rejeição à “Roma ladrona” ou “Roma ladra”. Aqui, o populismo vai contra a “Brasília corrupta”… onde o clã da casta dos militares era representado por quase 30 anos.
Berlusconi continuou a dominar a política italiana quase até o fim de 2011, quando foi obrigado a renunciar por causa de escândalos ligados à sua vida pessoal. A partir de então, sucederam-se a tentativa de instaurar um “governo de competentes” e a empreitada da centro-esquerda para recuperar o fôlego da política tradicional com uma liderança inovadora da casta dos sábios-intelectuais universitários.
As eleições de 4 de março de 2018, que levaram ao triunfo o Movimento 5 Estrelas e a Liga, marcaram a falência definitiva desses esforços, dando lugar à transformação da Itália em terra prometida do populismo real. Realizou-se também, pela primeira vez em um grande país ocidental, a convergência entre populismo de direita e de esquerda. Isso inflamou a imaginação – e a ambição – de Steve Bannon. Para ele, o que se está vivendo nada mais é que um choque de civilizações.
As consequências lógicas do projeto europeu, prevendo uma integração comercial suplementar e uma integração de mercados de capital suplementar, na prática, são os Estados Unidos da Europa, onde a Itália faz o papel de Carolina do Sul, enquanto a França é a Carolina do Norte, Ok?
Então, se você crê nesse projeto, se ele agrada você, isso quer dizer você acreditar no projeto de União Europeia. Salvini, Orban, Marine Le Pen e as outras vozes do movimento populista nacionalista, por sua vez, dizem ‘não’. A oposição reside entre:
- quem pensa os Estados nacionais serem um obstáculo a superar e
- quem considera os Estados nacionais serem uma tradição a ser preservada.
Na realidade, o projeto de Steve Bannon sofreu várias derrotas: a maioria dos partidos conservadores em vez de estar sob o comando da organização do ideólogo americano faltaram com suas promessas. O Estado italiano chegou mesmo a expulsá-lo, porque Bannon tinha a intenção de o transformar em uma escola de formação para seus “gladiadores do povo”. Mas sua ideia paradoxal de uma Internacional Nacionalista não parou de progredir mundo afora.
A internacional dos nacionalistas se desenvolve bem além das fronteiras da velha Europa. Em primeiro de janeiro de 2019, em Brasília, a cerimônia de posse do novo presidente Jair Bolsonaro foi celebrada com entusiasmo por seus dois principais aliados ideológicos na Europa e no Oriente Médio, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban e o israelense Benjamin Netanyahu, que estiveram presentes à capital brasileira.
Mesmo ausente, Donald Trump fez questão de participar da festa expressando sua alegria no Twitter: “Os Estados Unidos estão com você!”. Resposta de Bolsonaro: “Juntos, sob a proteção de Deus, nós traremos prosperidade e progresso a nossos povos!”.
Alguns dias depois, por ocasião da primeira visita oficial de Bolsonaro à Casa Branca, Steve Bannon organizou a projeção de um documentário sobre o ideólogo do presidente brasileiro, o filósofo/astrólogo Olavo de Carvalho, com quem ele partilha várias ideias e a quem considera, em suas próprias palavras, “um pensador seminal”.
O terceiro filho de Bolsonaro, Eduardo, encarregado das relações internacionais de seu pai, compareceu à projeção – que ocorreu, evidentemente, no hotel Trump Internacional – exibindo um boné com as palavras “Make Brazil Great Again”.
Bem longe de se resumir ao aspecto anedótico, essa colaboração tem consequências consideráveis no plano geopolítico, e já modificou os contornos do ciberespaço, pelo desenvolvimento de uma cadeia global de pessoas capazes de conduzir operações de desinformação de um canto a outro do planeta. Além do mais, gera relações e trocas de experiências. Elas permitem aos nacional-populistas replicar, por diversos países, os modelos de campanhas mais eficazes.
O que faz da Itália, mais uma vez, o Vale do Silício do populismo é lá, pela primeira vez, o poder foi conquistado por uma forma nova de tecnopopulismo pós-ideológico, fundado não em ideias, mas em algoritmos disponibilizados pelos engenheiros do caos. Não se trata, como em outros países, de homens políticos empregando técnicos, mas de técnicos tomando diretamente as rédeas do movimento, fundando partidos e escolhendo os candidatos mais aptos a encarnar sua visão, até assumir o controle do governo de toda a nação.
Essa história é pouco conhecida fora da Itália, mas merece ser contada para se começar a delimitar as fronteiras da terra incógnita na qual nossas democracias começaram a afundar. Giuliano da Empoli a conta no segundo capítulo de “Os Engenheiros do Caos”.
Steve Bannon, o Trotsky da Revolução Populista de Direita publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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