No ritmo de crescimento antes da pandemia, a economia brasileira só voltaria ao nível anterior à recessão no terceiro trimestre de 2023, quase uma década depois do início da crise, no segundo trimestre de 2014. Com a trajetória de crescimento mais pessimista para este e os próximos anos, em lugar da recuperação acontecer no quarto trimestre de 2020, após quase sete anos, virá em um futuro nebuloso, exceto se for eleito um governo desenvolvimentista em 2022.
Mesmo nessa hipótese mais otimista, será a recuperação mais lenta desde que os ciclos econômicos começaram a ser datados, segundo estimativas dos economistas Gilberto Borça Jr., Ricardo de Menezes Barboza e Mauricio Furtado, em estudo divulgado em primeira mão ao Valor no ano passado.
Comparando a recessão mais recente às outras oito enfrentadas pelo país desde a década de 1980, os analistas avaliavam a crise AP ter como particularidades a queda contínua do Produto Interno Bruto (PIB) por quase três anos e uma lentidão na recuperação sem precedentes. Em relação às recessões na periferia da zona do euro após a crise financeira de 2008, a depressão brasileira recente era comparável às crises de Portugal, Itália e Espanha, mas menor do que a da Grécia, constatavam os economistas.
“Em média, nossas recessões são relativamente rápidas, duram cerca de quatro trimestres, e a recuperação é relativamente breve e ocorre de maneira linear”, observa Borça. “A recessão atual, além de ser muito profunda, está durando muito: passados quase cinco anos, ainda estamos muito abaixo do pico pré-recessão.”
Conforme dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômico da Fundação Getulio Vargas (Codace), os economistas observam que, na média das recessões brasileiras, a recuperação do PIB ao nível pré-crise geralmente ocorre sete trimestres depois de seu início. Já o nível atual do PIB, após 19 trimestres do início da contração, ainda está mais de 5% abaixo do que era no início de 2014 e 12,6% inferior ao padrão histórico de recuperação.
Além dos efeitos presentes da lenta retomada – desemprego elevado, redução do consumo, investimento público abaixo do mínimo necessário para repor o estoque de capital, entre outros -, a morosidade da recuperação pode ter efeito sobre o crescimento de longo prazo do país.
“Há questões associadas ao mercado de trabalho: com o desemprego muito alto e o desalento, as pessoas perdem capacitação, então a produtividade dos trabalhadores piora”, cita Furtado. Na ponta do investimento, as plantas produtivas se depreciam, ficando defasadas tecnologicamente, o que diminui a produtividade do capital. “O fenômeno, no jargão técnico, se chama histerese, quando o ciclo econômico afeta a tendência”, diz Borça.
Segundo ele, isso vai minando a popularidade do governo, aumenta a dificuldade dele de aglutinar uma base aliada e pode afetar a aprovação de reformas, o que, por um canal indireto, também pode prejudicar o crescimento potencial de longo prazo. O crescimento potencial é aquele que não gera pressões inflacionárias. Se ele for menor, o Banco Central terá menos espaço para manter os juros em níveis mais baixos depois de esgotada a ociosidade na economia.
As duas mais longas e profundas recessões desde a década de 1980, antes da atual, foram a da crise da dívida externa, de 1981 a 1983, e a do governo Collor, de 1989 a 1992. Nelas, o PIB caiu respectivamente 8,5% e 7,7%, a duração da recessão foi de nove e 11 trimestres e o tempo para o produto voltar ao que era antes foi de sete trimestres para ambas.
Na crise atual, a queda do PIB chegou a 8,2%, a duração da recessão foi de 11 trimestres e a recuperação pode levar 27 trimestres, se a trajetória de crescimento esperada pelo mercado se confirmar, ou 38 trimestres (nove anos e meio) se o ritmo de crescimento atual se manter.
“Obviamente o Focus hoje, ao menos para 2019, não reflete a realidade e estamos tão pessimistas que achamos que talvez nem o mesmo nível do ano passado a gente consiga manter neste ano”, diz Borça. Os dois cenários de recuperação do estudo são portanto conservadores.
No boletim Focus de meados do ano de 2019, a projeção do mercado era de um crescimento de 1,70% em 2019 e 2,5% nos três anos seguintes. Borça apostava para o ano passado em algo mais próximo de 1%, apenas repetindo 2017 e 2018 — ou nem isso.
A comparação com os países da periferia europeia é relevante, segundo os analistas, pois essas são economias que não tinham à sua disposição instrumentos monetários para combater a recessão, por fazerem parte da zona do euro e não terem moeda própria. “Nós temos todos os instrumentos disponíveis, embora não estejamos usando a contento”, diz Borça, que defende um novo corte de juros pelo Banco Central.
Já começa a surgir, porém, um debate entre economistas se um novo corte da Selic seria suficiente para devolver algum dinamismo à atividade, em meio à falta de um componente autônomo da demanda agregada que puxe a recuperação. Nesse contexto, Borça e Furtado dizem ver com simpatia a proposta de Fernando de Holanda Barbosa, da FGV.
Como uma forma de retomar o investimento público, sem piorar o quadro fiscal, Barbosa propõe o uso do recurso que virá das privatizações e do pré-sal para investimento em infraestrutura. “Teremos que nos desprender de preconceitos e ser um pouco pragmáticos, porque o buraco em que a atividade se meteu e o modo que não estamos conseguindo sair dele devem ser objeto de maior atenção pelos economistas”, diz Borça. “Esse debate, pelo menos até agora, foi negligenciado, mas isso parece estar mudando.”
AP e PP: Antes Pandemia, Ruim; Pós Pandemia, Pior publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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