domingo, 23 de agosto de 2020

Automóvel: Espécie de Culto em Extinção

Renan Sousa e Rodrigo Ribeiro (Autoesporte 21/08/2020) avaliam: as pessoas se sujeitam a pagar caro porque elas estão acostumadas. O carro sempre foi caro no Brasil. A cultura do veículo próprio reforça a ideia de pertencimento a uma classe social”.

Se você for como eu e tem um escorpião no bolso, já deve ter se perguntado por que algumas coisas são tão caras no Brasil. Do combustível ao seguro, o automóvel está entre uma das coisas que faz a conta bancária se contorcer em desespero. O fato faz com que muito cliente se pergunte neste momento: por que os carros são tão caros no Brasil?

São três principais pontos que fazem o veículo particular ser um item tão inacessível para a maioria dos brasileiros:

  1. alta carga tributárias,
  2. alto custo de produção e
  3. o “gosto do freguês”.

A mentora em finanças pessoais e doutora em Finanças Comportamentais, Rosi Donadio explica: o “gosto” por pagar mais caro vem, na verdade, de uma falta de referência de um preço justo. Como o Brasil nem sempre teve estabilidade econômica por longos períodos, o consumidor acaba não sabendo o que é barato e o que é caro.

“As pessoas se sujeitam a pagar caro por um carro porque elas estão acostumados que o carro sempre foi caro aqui no Brasil”, afirma ela. “Também se vê um comportamento de muita conformidade social. Em outras palavras, um efeito manada, em que as pessoas querem pertencer a um determinado grupo e, se ter carro é uma condição para pertencer a esse determinado grupo, é o que elas vão fazer”.

A cultura do veículo próprio reforça essa ideia de pertencimento a uma classe social, em especial no Brasil. Na Europa, por exemplo, é comum encontrar figuras públicas, como políticos e artistas, no transporte público.

É muito difícil o brasileiro dizer assim ‘ah, eu não vou mais andar de carro, não vou comprar carro, porque nos Estados Unidos o carro custa sei lá quanto e é muitas vezes mais barato que aqui no Brasil’, porque o grupo a que ele pertence está aqui no Brasil.

Os impostos que incidem em um veículo são basicamente o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Os importados ainda pagam o Imposto de Importação (II).

Assim, um veículo saindo da fábrica pode ficar de 33% a 47% mais caro por causa desses impostos, como mostra um estudo de 2019 da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

“Basicamente” porque são cobrados diversos impostos na cadeia produtiva, como na matéria- prima, mão de obra, equipamentos, espaço etc. Isso encarece o custo da produção, gerando “imposto sobre imposto”, como explica o professor Antônio Jorge Martins, coordenador do MBA em Cadeia Automotiva da FGV.

Ele estuda a cadeia produtiva de diversas empresas nos mais diferentes países, coletando dados ao logo dos anos, e afirma: “Não existem dados formais dessas empresas que possibilite uma análise mais pormenorizada de causas específicas que levam a isso [o alto custo dos carros no Brasil]. De uma forma geral, são mais caros por causa dos impostos. O quanto essa carga contribui na elaboração do preço, ninguém sabe exatamente.”

Para se ter uma ideia, no Brasil, pessoas com deficiência (PCD) são isentas de impostos para comprar carros zero km. Ao todo, as isenções dos tributos podem deixar o veículo até 30% mais barato.

Para garantir todas as isenções fiscais (IPI, ICMS e IPVA), os veículos precisam custar até R$ 70 mil. Se ultrapassar esse valor, o comprador tem direito ao desconto apenas do IPI.

Mas na hora de comprar, um Jeep Renegade 1.8 Flex AT6, que tem preço normal de R$ 69.999, por exemplo, com as isenções ainda sai por R$ 54.662

Entre os estudos que mais incluem o Brasil em relação ao mercado mundial, um deles aponta que um veículo no Brasil chega a custar de 5% a 8% mais do que em qualquer outro país.

“Isso se deve, do ponto de vista da empresa, a uma não estabilidade do mercado brasileiro”, afirma o professor. De uma forma geral, a lógica utilizada pela montadora é de manter os preços altos nos momentos de aquecimento da economia para suportar os períodos em baixa e não ter perdas significativas.

Além disso, o custo operacional no país é muito elevado. Em um país continental como o Brasil, 70% do transporte ser feito por estradas encarece muito o frete rodoviário.

Dois países em desenvolvimento despontam entre os dez grandes produtores de automóveis do mundo: Brasil (8o) e México (6o). Com características demográficas parecidas, o México ganha vantagem por uma série de fatores.

Em primeiro lugar, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) faz o México dispor de um grande mercado consumidor dos Estados Unidos. Além disso, o único imposto incidente na produção mexicana é o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de 16%. Um carro saindo da linha de montagem acaba sendo 18% mais barato do que um feito no Braisil.

Levando em consideração custos de produção, impostos e logística, um veículo produzido no México acaba sendo 12% mais vantajoso em relação a outro produzido no Brasil. Se o carro brasileiro for vendido no mercado mexicano, a diferença sobe para 24%.

As empresas, por uma questão estratégica, não divulgam suas margens de lucro. Esse número varia constantemente, levando em conta o momento da produção, consumo, alta ou baixa do dólar, taxa de juros etc. Às vezes, as empresas chegam a fazer operações com lucro muito baixo, por razões estratégicas.

A tributação é feita em cima de um preço já baseado em uma margem de lucro. A lógica da empresa é: formo um preço, estabeleço minha margem de lucro e aí joga a carga tributária em cima.

Thiago Tanji (Autoesporte 21/08/2020) avalia: você não precisa mais ir a uma loja e comprar centenas de DVDs para ter acesso a uma extensa coletânea de filmes e séries e nem tampouco ser um colecionador de CDs e discos para aproveitar dezenas de milhares de músicas. E se essas mudanças no conceito de propriedade que surgiram graças aos serviços digitais se estendessem para bens maiores e (muito) mais caros?

Essa é a ideia dos aplicativos de compartilhamento de veículos (ou em inglês, carsharing), que recebeu um novo fôlego por conta das discussões que se abrem sobre o futuro pós-pandemia.

Vale a pena gastar dezenas de milhares de reais para ter um carro que ficará a maior parte do tempo na garagem?

Assim como algumas cidades na Europa já debatem alterações permanentes para a mobilidade, com maior oferta de ciclovias e espaços de circulação para os pedestres, as mudanças no trabalho (com o “home office” integral ou em maior parte do tempo) também implicam em consequências para a maneira como nos relacionamos com os carros.

Afinal, valerá a pena gastar dezenas de milhares de reais para possuir um veículo que ficará a maior parte do tempo na garagem? É a partir desse questionamento que empresas de compartilhamento de veículos por aplicativos planejam ganhar espaço nas cidades do Brasil e do mundo.

Um dos principais serviços atualmente em operação no país é a Turbi, criada em 2017. Para se diferenciar das grandes companhias que oferecem aluguel de veículos, a startup aposta em tecnologia para diminuir as burocracias e garantir a segurança do usuário.

Com 1 mil carros disponíveis em dezenas de pontos nas cidades de São Paulo, Guarulhos e Barueri (na região de Alphaville), a Turbi oferece modelos de diferentes fabricantes, como Chevrolet Onix, Hyundai HB20, Mitsubishi ASX e Mini Cooper S.

Para realizar o cadastro, basta incluir informações básicas (como nome e e-mail) e tirar uma foto da CNH. É aí que começa a inovação: graças à inteligência artificial, que consegue “ler” e processar todas as informações presentes na carteira de habilitação, o sistema de segurança da Turbi realiza um cruzamento dos dados do usuário com diferentes bancos de dados.

“Há o reconhecimento multifacial, em que comparamos a foto do usuário com o documento, consulta pública de processos, protestos, antecedentes criminais, análise de crédito. E tudo isso demora cerca de três minutos, com aprovação praticamente em tempo real”, diz Diego Lira, um dos sócio-fundadores da Turbi.

Para desbloquear o carro, basta entrar no aplicativo e enviar uma “selfie”, para comprovar que o usuário é o mesmo dono da CNH. O veículo é automaticamente destravado e está apto para ser utilizado.

A Turbi não é a única startup a investir no serviço de “carsharing” no Brasil. Aliás, uma das pioneiras começou a operar no mercado nacional em 2009, anos antes da chegada de aplicativos de mobilidade como Uber e Cabify. Após oferecer aluguel de veículos pela internet, a Zascar lançou em aplicativo de compartilhamento de veículos em 2016, oferecendo uma frota de 130 carros na cidade de São Paulo.

Em 2019, entretanto, a statup decidiu encerrar suas atividades ao consumidor final, focando suas operações a partir de parcerias com empresas.

A dificuldade desses serviços ganharem força no Brasil já se refletiu em outros modelos de “aluguel por aplicativo”, como nas bicicletas e patinentes elétricos. Com a expectativa de se transformar em uma empresa com valor de US$ 1 bilhão, a Yellow teve de recuar de sua estratégia agressiva e recolheu seus patinetes em 14 municípios do país em janeiro deste ano.

Isso se explica na hora do usuário calcular o que é mais fácil e rentável no momento de se deslocar pela cidade. No caso da Turbi, por exemplo, os preços são cobrados por hora, com o acréscimo de R$ 0,50 por quilômetro rodado. O aluguel também varia conforme o modelo: utilizar um Chevrolet Onix 1.4 automático custa R$ 10 a hora, enquanto andar como um Mini Cooper Cabrio 2.0 custa R$ 40 pelo mesmo período de uso.

Ao calcular a comodidade e o preço final, os apps de “carsharing” ainda ficam no meio do caminho. Enquanto solicitar um aplicativo de transporte é mais cômodo para viagens curtas – o motorista vai até onde você está e não é necessário procurar o local onde o carro de aluguel está disponível – uma diária de uma locadora convencional também é mais barata. Na média, as grandes empresas do setor cobram cerca de R$ 100 reais por uma diária de um modelo automático na cidade de São Paulo – na Turbi, isso custaria R$ 240 reais, mais o preço dos quilômetros rodados (o combustível não é cobrado, entretanto).

Para se diferenciarem, os serviços de aluguel por aplicativo argumentam que, além de serem menos burocráticos, também proporcionam ao motorista escolher qual carro irá utilizar (enquanto isso não é sempre possível de ser realizado nas grandes locadoras).

Além disso, apostam no conforto e exclusividade. “Alguns motoristas de aplicativos não gostam de transportar animais de estimação, então colocamos kit pets com manta e cinto de segurança em todos os carros”, conta Diego Lira.

Especialistas em mobilidade urbana acreditam que os serviços de “carsharing” serão uma tendência crescente nos grandes centros urbanos do planeta. Uma análise publicada em abril deste ano indica o mercado global de “carsharing” foi de US$ 2,5 bilhões em 2019 e deverá alcançar US$ 9 bilhões até 2026.

Os principais entraves a serem superados incluem maior oferta de veículos à disposição nas cidades e condições mais acessíveis para o usuário – a maior parte das empresas ainda solicita que o motorista devolva o carro no mesmo local onde o alugou.

Por conta da pandemia, serviços de “carsharing” ao redor do mundo viram o seu faturamento crescer. Na Austrália, que voltou a observar um aumento de casos de covid-19, os números de usuários de transporte público caíram, enquanto aumentou o uso de aplicativos de aluguel de veículos. A Turbi afirma que seu faturamento cresceu dez vezes no período e está tomando as precauções sanitárias para higienizar os veículos antes de colocá-los à disposição de um novo cliente.

Após a crise, a expectativa é de que o uso dos aplicativos continue em alta. E se o desenvolvimento de carros autônomos ainda é uma realidade um pouco mais distante, algumas empresas já investem em veículos mais amigáveis ao meio ambiente, outra forte tendência apontada por analistas.

Desde o segundo semestre do ano passado a Beepbeep opera nas cidades de São Paulo e São José dos Campos com uma frota de Renault Zoe, 100% elétrico. Ainda com poucas estações de aluguel à disposição (em São Paulo, estão concentrados em shoppings, hotéis e algumas unidades da rede de mercados St. Marche), o custo inicial para dirigir o veículo custa R$ 7,90, sendo cobrado R$ 0,60 por minuto.

Mas enquanto aguardam os usuários finais, os serviços de compartilhamento de veículos apostam nas parcerias com as empresas, a exemplo da pioneira Zascar. Além de plataformas como a JoyCar, que possibilita abrir o carro com o crachá da empresa ou o celular e consegue gerir as informações de uso dos carros corporativos, a Turbi também já desenvolveu um sistema para oferecer veículos a parcerias.

“As empresas são muito mais pragmáticas e não faz sentido ter uma frota própria de veículos que ficará em um pátio. Ao entender o carro como um serviço, as empresas podem economizar até 70% no período de um ano com esses custos”, afirma Diego Lira. Uma conta final para deixar feliz até o mais austero executivo.

Automóvel: Espécie de Culto em Extinção publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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