O repórter André Felipe de Lima, da Revista Apólice, uma das principais publicações da área de seguros, enviou-me uma entrevista por e-mail sobre os rumos da nossa economia diante da pandemia da covid-19 e a atuação do governo para responder ao cenário socioeconômico alarmante no qual nos encontramos.
- No Brasil, há expectativa do mercado de que o PIB deste ano será de -6,5%, que representaria uma queda inédita no país. Há quem diga que este viés de queda tende a se intensificar até o final do ano. O senhor poderia discorrer mais detalhadamente sobre esse cenário do PIB?
Não há base científica para, atualmente, fazer previsão de cenário futuro. Como a pandemia se trata de um evento extraordinário global com quebra de oferta e demanda agregada, não há regularidade do passado ao presente para se extrapolar para o futuro. Além disso, decisões cruciais poderão ser tomadas por governos, alterando o contexto de maneira irreversível. Falar em V, U, W ou WM, são respostas de economistas simplesmente porque foram perguntados, não por saberem a resposta…
- A política liberal da equipe econômica do governo vem sofrendo críticas, inclusive de economistas francamente liberais. Onde erram os técnicos comandados pelo ministro Paulo Guedes no combate à crise?
Liberal é quem conjuga os valores básicos dos direitos e liberdades individuais com tolerância e respeito às minorias. Enfatiza a igualdade de oportunidades para a avaliação de méritos de cada indivíduo.
Defende o Éthos da comunidade. Embora critique o conluio com corporações no Capitalismo de Compadrio, rejeita a estatofobia do liberismo. Frente à dicotomia Estado ou Mercado, apoia o terceiro pilar da sociedade democrática: a Comunidade.
O princípio do planejamento econômico contraria a ideologia do liberalismo restrita ao “liberismo”, isto é, à defesa da liberdade econômica de mercado acima de todas as demais liberdades. Sempre houve participação de Estados capitalistas na economia de mercado, notadamente, para atuação anticíclica.
Um bom governo é avaliado por resultados econômicos, sociais e políticos. Não é cobrado pela execução de um plano consistente com a ideologia apregoada por neoliberais, sequer debatida na campanha eleitoral, ou seja, deixar o Estado mínimo.
Pragmatismo é uma doutrina filosófica oposta ao excesso de ideologização da atual equipe econômica governamental. Considera o valor prático como o critério de decisões. Ser pragmático é a atitude exigida em um governo republicano. Os atos governamentais devem servir para a solução imediata de problemas sociais.
- Países europeus zeraram suas taxas de juros para frear o impacto da pandemia na economia. Por que o governo não segue essa mesma linha radical e prefere optar por uma redução da Selic para 2,25% ao ano? Qual, efetivamente, o desdobramento dessa política econômica? Paralelamente, o país estaria cada vez mais distante de uma sustentabilidade fiscal?
Os economistas heterodoxos ou vanguardistas se fundamentam na MMT (Teoria Moderna da Moeda). Ela é analiticamente correta, mas, como todas as teorias, tem suas limitações. Não é tão genérica a ponto de ser classificada como uma “Teoria Geral”, válida em todos os tempos, isto é, fases distintas dos ciclos, e os lugares.
A prática dedutível da MMT não é sempre válida. Por exemplo, não cabe aplicá-la – e não se sabe logo – quando se está se aproximando muito do “pleno emprego” – ou da “inflação verdadeira”.
Se provocar inflação, surge o risco de eutanásia do rentista. A fuga dos investidores pode provocar uma extrema depreciação da moeda nacional.
Os adeptos da MMT não devem esquecer o crédito ser dirigido pela demanda. Sem demanda efetiva, sustentada em longo prazo por um projeto nacional de retomada do crescimento econômico, a liquidez é represada em bancos pelos investidores.
A combinação da falta de investimentos públicos com o excesso de liquidez no mercado financeiro leva à Grande Depressão deflacionária. Com a taxa de juro quase zerada e consequente inflação dos preços de ativos, os consumidores adiam gastos, ou seja, poupam para recomposição patrimonial da reserva financeira, destinada à aposentadoria.
Além disso, a política monetária deduzida da MMT pode ter grave consequência política. Se considerar como prescrição lógica dela “ser possível gastar à vontade”, inclusive para “comprar votos” dos assistidos mais pobres, os populistas de extrema-direita podem ser reeleitos. Desequilibra a competição democrática mais ainda. Por razão de haver reeleição, os demais poderes da República (Legislativo e Judiciário) têm de controlar e fiscalizar a emissão monetária e o uso populista do dinheiro pelo Poder Executivo.
A dúvida de economistas neoliberais é se a nova realidade da Selic com rendimento real negativo, combinada a um risco fiscal de grandes proporções, levará os detentores de dívida pública a preferirem aplicações em dólar e ativos reais. Esse risco cambial é a costumeira ameaça referente à sustentabilidade da dívida pública.
- Há uma eloquente abertura comercial unilateral que pega a contramão do que o resto do mundo vem fazendo para se proteger na crise. O governo quer, por exemplo, manter sua agenda de privatizações e esvaziar seu principal banco, o BNDES, ferramenta indispensável para a recuperação econômica, como ocorreu em crises anteriores. O que o senhor acha dessa manobra da equipe econômica? A quem, afinal, ela favorece?
O ministro da Economia é um ex-banqueiro de negócios. Pretende, em seu mandato, favorecer bons negócios aos seus ex-parceiros com a privatização de tudo possível do patrimônio público. Centralizou toda a área econômica sob ele com esse propósito.
Ele se guia por um excesso de ideologia, cuja finalidade é deixar o Estado mínimo. O atual presidente do BNDES, nomeado na base do favoritismo ou familismo, coloca o Banco inerte. Com sua inação atua contra os reais interesses da Nação.
- O Planalto, via Banco Central, liberou R$ 1,2 trilhão aos bancos para salvar a economia na crise sanitária. A redução do compulsório dos bancos, por sua vez, não gerou crédito para os cidadãos nem para as empresas. Qual sua leitura desse desdobramento?
O crédito é dirigido pela demanda – e não pelo ofertante. Quando há demanda, este tem de fazer avaliação de risco do cliente, porque ele lastreia os empréstimos com recursos de terceiros – seus clientes – e não os pode perder, sob pena de bancarrota, imposta pela supervisão bancária do Banco Central do Brasil.
Quem procura crédito está sob risco de ter contas a pagar sem ter contas a receber. Os bancos evitam a seleção adversa e o risco moral dos clientes. Por isso, racionam o crédito.
- Há muitas queixas de especialistas, executivos e empresários, sobretudo os pequenos e médios, de que os bancos públicos estão muito retraídos na operação de socorro ao mercado e ao país. Há também a queixa, e isso é notório, de que o dinheiro está demorando muito para chegar à ponta, e já estamos há cinco meses vivenciando a crise. O BNDES até agora não investiu nem 30% do que poderia para combater a crise. Os outros bancos públicos, como Caixa e BB, reforçam os analistas, também estão subutilizados na crise. Como o senhor avalia esse posicionamento do governo em relação a estes bancos públicos que, historicamente, sempre foram decisivos no combate a crises passadas justamente por oferecerem créditos de longo prazo, especialmente o BNDES?
O governo cortou a expectativa de ajuda financeira às empresas não-financeiras, por meio do BNDES, sob o argumento de os bancos privados e o mercado de capitais já terem resolvido grande parte dos problemas. A fonte da equipe econômica diz: “as grandes companhias tiveram acesso a crédito com soluções privadas”. Revela, mais uma vez, sua inapetência ideológica para agir, dada sua incompetência técnica.
“O mal vem para o bem” se esses empresários reverem seu apoio ao neoliberalismo, aliado ao autoritarismo militar. Quando surge uma crise sistêmica percebem a necessidade de atuação anticíclica dos bancos públicos federais.
- Como o senhor avalia o Brasil no contexto da economia mundial antes e durante a pandemia e como deverá se posicionar o país no cenário internacional quando efetivamente ela cessar? A crise tem ou não data para acabar?
Obviamente, a crise não tem data para acabar, porque não se tem data para implementar uma vacinação da população mundial. Sem isso, as cadeias produtivas globais continuarão interrompidas, assim como as viagens internacionais. Espera-se a derrota do Trump, em sua tentativa de reeleição, para o mundo sair de uma unilateral “guerra comercial” – e, portanto, não entrar na Era da Desglobalização.
“Não importa a cor do gato, importante é ele caçar rato”. Esta sabedoria oriental é atribuída a pronunciamento de Deng Xiao-Ping, o líder reformista da China.
Importa saber se o regime econômico chinês é Capitalismo de Estado ou Socialismo de Mercado? O importante é ter obtido o maior crescimento no mundo, nas últimas três décadas, oferecer empregos, baratear os bens industriais, e expandir a demanda agregada mundial.
Como resultado da maior demanda da China, sua participação na pauta de exportações brasileira atingiu 34% no primeiro semestre de 2020. A política externa deveria se pautar por esse critério pragmático – e não a hostilizar ideologicamente.
- Teremos condições de receber investimentos estrangeiros? O investidor estrangeiro acredita em nossa economia? Até que ponto a política ambiental tocada pelo governo compromete a atração de recursos externos?
Após 2022, caso o populismo de extrema-direita não for reeleito, e se voltar um governo social-desenvolvimentista, ambientalista, em defesa das minorias, inclusive indígenas, a confiança dos investidores estrangeiros voltará a investir no País. Dependerá também da retomada do crescimento econômico com melhor distribuição da renda e da riqueza, para ampliar o mercado interno.
Com a política econômica e social correta, o Brasil terá condições de oferecer o quinto maior mercado interno para o resto do mundo investir. Será atraente para investimento direto estrangeiro.
- Há quem afirme que ao insistir na reforma trabalhista o governo estaria conduzindo o trabalhador formal à mesma equivalência do informal. O senhor concorda com essa projeção?
A nova geração de trabalhadores com Ensino Superior já está sendo “pejotizada” sem direitos trabalhistas. Terá de obter Educação Financeira e sobra de renda para conseguir acumulação de capital financeiro para sua aposentadoria com o mesmo padrão de vida.
A piora das condições de vida laboral provoca, inclusive, “fuga de cérebros” do país. A reforma trabalhista e da Previdência Social foi crime lesa-patria, cometido pelos golpistas contra os direitos dos trabalhadores.
- A crise provocada pelo coronavírus deixará como herança um elevado contingente de trabalhadores desempregados e empresas quebradas, o que vai minar a força do setor privado para ajudar na recuperação do país. É aí em que o estado, em tese, deveria entrar em cena. Mas isso não está acontecendo como deveria. O senhor acredita que a postura do governo mudará? Até que ponto se deve acreditar em uma recuperação em V, como defende o ministro Paulo Guedes?
Já disse: falar em V, U, W ou WM, são respostas de economistas simplesmente porque foram perguntados, não por saberem a resposta…
A postura do governo mudará, após 2022, quando for eleito um bom candidato presidencial. Quanto ao Guedes, é um embuste, ou seja, uma pessoa insuportável, chata, com comportamento arrogante, público e notório, de modo entediante e insuportável. Nunca enganou seus colegas economistas mais inteligentes.
- Como a revista é dirigida ao mercado de seguros, como o senhor avalia este setor no atual contexto de crise? Ele pode ser útil de que forma para ajudar a blindar a economia e, sobretudo, a população?
Em período quando o cálculo de probabilidade quanto a possíveis sinistros se tornou tão difícil, seja seguro de vida (e saúde), seja seguro contra calamidades naturais, tudo se tornou um imenso desafio para o setor de seguros. A população terá de retomar a confiança de o seguro valer perante calamidades públicas ou “acidentes naturais”.
Publicada originalmente em:
Entrevista à Revista Apólice n. 257 publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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