terça-feira, 25 de agosto de 2020

Os Engenheiros do Caos

Os Engenheiros do Caos”, livro de autoria de Giuliano Da Empoli (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019) é um livro contemporâneo importante para ser lido por toda gente culta com vontade de conhecimento sobre o ressurgimento do populismo de direita no mundo.

“Nenhum poder jamais conseguiu se libertar completamente do Carnaval e de seu espírito subversivo. Ao longo de séculos, esse espí rito percorreu infatigavelmente as ruas para se estampar nos panfletos e nas caricaturas dos jornais populares. Até reaparecer, mais recentemente, nas sátiras dos shows de TV e nos ataques dos trolls na internet. Mas só muito recentemente o Carnaval deixou, por fim, sua praça preferida, às margens da consciência do homem moderno, para adquirir uma centralidade inédita, posicionando-se como o novo paradigma da vida política global.”

Populistas de direita, eleitos com base nos ressentimentos de pessoas incultas, desde quando assumiram a função, dão vida ao espetáculo de um presidente da República ou ministro a tuítar, diariamente, para espalhar o medo e incitar o ódio racial. A partir do início de seu mandato, muitas dezenas de vídeos virais postados referem-se a delitos cometidos por negros ou clandestinos, de casos mais graves a acontecimentos os mais triviais.

Mesmo ocupando uma função institucional, “o Capitão”, como o chamam os partidários, não se importa muito com a veracidade dos fatos a serem disseminados. Ele não hesita em difundir uma falsa informação. No país do populismo real, deve ser possível mover um processo contra qualquer pessoa a qualquer momento.

Os propagadores de raiva ou ódio contra “a elite” são afiados em matéria de teorias da conspiração. Onde quer que seja, na Europa ou em outros continentes, o crescimento dos populismos atropela e vira ao avesso todas as regras estabelecidas. Os defeitos e vícios dos líderes populistas se transformam, aos olhos dos eleitores, em qualidades.

Sua inexperiência é a prova de eles não pertencerem ao “círculo corrompido das elites”. E sua incompetência é vista como garantia de autenticidade. As tensões produzidas por eles em nível internacional ilustram sua independência. As fake news balizadoras de sua propaganda são a marca de sua liberdade de espírito.

No mundo de Donald Trump, de Boris Johnson e de Jair Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo. Mal se está comentando um evento, e esse já é eclipsado por um outro, em uma espiral infinita a catalisar a atenção e saturar a cena midiática.

No entanto, por trás das aparências extremadas do Carnaval populista, esconde-se o trabalho feroz de dezenas de spin doctors, ideólogos e, cada vez mais, cientistas especializados em Big Data, sem os quais os líderes do novo populismo jamais teriam chegado ao poder. Este livro conta a história deles.

Entre outras, é a história de um especialista em marketing italiano. Ele, no início dos anos 2000, compreendeu a internet revolucionar a política, mesmo sabendo não ser chegada ainda a hora de formar um partido puramente digital.

Assim, Gianroberto Casaleggio contratará um comediante, Beppe Grillo, para o papel de primeiro avatar de carne e osso de um partido-algoritmo. É o Movimento 5 Estrelas, inteiramente fundado na coleta de dados de eleitores sobre a satisfação de suas demandas, independentemente de qualquer base ideológica.

Mais ou menos como se, em vez de ser recrutada por Donald Trump, uma empresa de Big Data como a Cambridge Analytica tivesse tomado o poder diretamente e escolhesse seu próprio candidato.

É a história de Dominic Cummings, diretor da campanha do Brexit. Ele afirma: “Se você quer fazer progressos em política, não contrate experts ou comunicadores. É melhor utilizar os físicos”. Graças ao trabalho de uma equipe de cientistas de dados, Cummings pô de atingir milhões de eleitores indecisos, de cuja existência os adversários sequer supunham, e dirigir a eles exatamente as mensagens esperadas emocionalmente a receber, no momento certo, a fim de fazê-los pender a balança para o lado do Brexit.

É a história de Steve Bannon, o homem-orquestra do populismo americano. Ele, depois de conduzir Donald Trump à vitória, sonha, hoje, fundar uma Internacional Populista para combater aquilo chamado por ele de “o partido de Davos das elites globais”.

É a história de Milo Yiannopoulos, o blogueiro inglês graças ao qual a transgressão mudou de campo. Se, nos anos 1960, os gestos de provocação dos manifestantes visavam sobretudo atingir a moral comum e quebrar os tabus de uma sociedade conservadora, hoje, os nacional-populistas adotam um estilo transgressor em sentido oposto: quebrar os códigos das esquerdas e do politicamente correto tornou-se a regra número 1 de sua comunicação.

É a história de Arthur Finkelstein, um judeu homossexual de Nova York. Ele se tornou o mais eficaz conselheiro de Viktor Orban, o porta-estandarte da Europa reacionária, engajado em um combate impiedoso em defesa dos valores tradicionais na Hungria.

Juntos, esses engenheiros do caos estão em vias de reinventar uma propaganda adaptada à era dos selfies e das redes sociais, e, como consequência, transformar a própria natureza do jogo democrático. Sua ação é a tradução política do Facebook e do Google.

É naturalmente populista, pois, como as redes sociais, não suporta nenhum tipo de intermediação e situa todo mundo no mesmo plano, com um só parâmetro de avaliação: os likes, ou curtidas. É uma ação indiferente aos conteúdos porque, como as redes sociais, só tem um objetivo: aquilo chamados pelos pequenos gênios do Vale do Silício de “engajamento”. Em política, significa adesão imediata.

Se o algoritmo das redes sociais é programado para oferecer ao usuário qualquer conteúdo capaz de atraí-lo com maior frequência e por mais tempo à plataforma, o algoritmo dos engenheiros do caos os força a sustentar não importa qual posição, razoável ou absurda, realista ou intergaláctica, desde dela interceptar as aspirações e os medos – principalmente os medos – dos eleitores.

 

 

Os Engenheiros do Caos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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