segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Física Social: Análise dos Dados Políticos

Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), narra: o diretor da campanha em favor do Brexit, Dominic Cummings, declarou “se você quer fazer progresso em política, meu conselho é contratar físicos, e não experts ou comunicadores.”

De fato, em vez de recorrer aos habituais consultores políticos, Cummings organizou a campanha com a ajuda de uma equipe de cientistas originários das melhores universidades da Califórnia e de uma empresa canadense de Big Data ligada à Cambridge Analytica, chamada AggregateIQ.

O pedido feito por Cummings a esses dois grupos era bem simples: ajudem-me a mirar certo. Digam-me:

  1. para onde devo enviar meus voluntários,
  2. em quais portas devo bater,
  3. a quem devo mandar e-mails e mensagens nas redes sociais e
  4. com quais conteúdos.

Segundo declarações do estrategista do Brexit, os resultados ultrapassaram todas as suas expectativas. Ao ponto de ele mesmo tirar uma conclusão perturbadora: “Se você é jovem, inteligente e se interessa por Política, pense bem antes de estudar Ciências Políticas na universidade. Você deveria se interessar, em vez disso, em estudar Matemática ou Física. Em um segundo momento você poderá entrar na Política e terá conhecimentos mais úteis, com aplicações infinitas […] Pode-se sempre ler livros de História mais tarde, mas não é possível aprender Matemática na hora que se quer.”

No fundo, a tecnologia na política muitas vezes tem a tendência de se revelar uma bolha. Após cada eleição, há sempre alguém alegando o vencedor não ter sido eleito por razões políticas, porque tinha as melhores ideias ou uma personalidade mais sedutora, mas sobretudo graças a uma nova ciência conhecida só do eleito, desenvolvida em segredo em um subsolo qualquer.

Após o Brexit e a eleição de Trump, essa tendência atingiu seu paroxismo quando as mídias do mundo inteiro se engajaram em uma caça brutal contra os manipuladores ocultos, do Facebook à Cambridge Analytica, passando pelos blogueiros macedônios e as fazendas de trolls russos – todos pessoalmente acusados de tornar possível a concretização daqueles resultados inesperados.

Diferentes atores têm interesse em amplificar o papel exercido pelas tecnologias no processo eleitoral.

  1. As mídias têm a partir daí uma história nova e fascinante para contar, no lugar das análises habituais dos politólogos.
  2. Os perdedores podem dizer a eles mesmos e a seus partidários: não foram derrotados por causa de sua má performance, mas por forças obscuras.
  3. Os estrategistas, como os tecnólogos, os consultores e as plataformas podem se gabar de ter mudado o curso da história.

Quando Christopher Wylie, o “arrependido” da Cambridge Analytica, admite sua culpa ao vivo diante do mundo inteiro, ao confessar “eu elegi Trump com meus algoritmos”, ele faz, sobretudo, publicidade de si próprio (e da sociedade criticada por fingimento) em lugar de propor um combate pela liberdade e a democracia.

Algumas eleições são decididas por margens tão ínfimas que a capacidade de influenciar ainda sendo alguns votos, de forma direcionada, pode fazer a diferença. Trump ganhou na Pensilvânia com 44.000 votos de dianteira em 6 milhões; com 22.000 em Wisconsin; e com apenas 11.000 em Michigan.

Em um panorama global, é difícil negar: desde então, alguma coisa fundamental mudou na relação entre a tecnologia e a política.

Os cientistas sempre sonharam reduzir o governo da sociedade a uma equação matemática de modo a suprimir as margens de irracionalidade e de incerteza inerentes ao comportamento humano. Há dois séculos, Auguste Comte já definia a Física Social como “ciência cujo objeto é o estudo de fenômenos sociais considerados similares aos fenômenos astronômicos, físicos, químicos e psicológicos, ou seja, como sujeitos às leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o ponto de chegada das pesquisas”.

Desde então, muitos propuseram suas visões da “Ciência da Política”, sem jamais atingir o objetivo de tornar mais previsível a evolução da sociedade.

Mas, nos últimos anos, um fenômeno decisivo se produziu. Pela primeira vez, os comportamentos humanos – antes considerados fins em si mesmos – começaram a produzir um fluxo maciço de dados.

Graças à internet e às redes sociais, nossos hábitos, nossas preferências, opiniões e mesmo emoções passaram a ser mensuráveis. Hoje, cada um de nós se desloca voluntariamente com sua própria “gaiola de bolso”, um instrumento capaz de nos tornar rastreáveis e mobilizáveis a todo momento.

No futuro, com a “internet das coisas”, cada gesto irá gerar um fluxo de dados não mais exclusivamente ligado aos atos de comunicação e de consumo, mas também a fatos como escovar os dentes ou adormecer no sofá da sala. Éric Sadin, no livro La Vie Algorithmique : Critique de la Raison Numérique, fala, a propósito, de uma “indústria da vida”, o setor mais promissor da nova economia, destinado a canibalizar todos os outros.

Essa profusão inédita de dados – e os poderosos interesses econômicos representados por ela – está na raiz do novo papel dos físicos na política. Para melhor compreender de o que se trata, Giuliano da Empoli volta-se aos fundamentos dos Big Data aplicados à Política.

Física Social: Análise dos Dados Políticos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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