Segundo Giuliano da Empoli, em seu livro “Os Engenheiros do Caos” (tradução Arnaldo Bloch. 1ª. ed. São Paulo: Vestígio, 2019), continua sua narrativa importante para informar ao mundo como nasceu o populismo neofascista.
Em toda a Itália, duzentas outras praças são tomadas por apoiadores do movimento populista, onde direita e esquerda se confundem, tal como as “gloriosas jornadas de junho de 2013” no Brasil. Eles vieram celebrar o Vaffanculo [Vão se fuder, políticos!] colossal dirigido por Grillo à casta dos homens políticos corruptos. Ela, supostamente de maneira simplória, oprime os italianos.
Mais de trezentas mil assinaturas são recolhidas para a iniciativa “Parlamento limpo”. O moralismo prevê, entre outras providências necessária, mas simplórias, cada deputado não exercer mais de dois mandatos.
O choque para o establishment político é imenso. É preciso dizer: em 2007 a internet é ainda uma criatura mais ou menos desconhecida da maioria dos responsáveis políticos. Eles deixam seus assessores ou secretários cuidarem de suas caixas de e-mail.
A partir desse momento, as mídias começam a girar em torno do comediante Grillo, em um grande frenesi. Elas querem compreender o fenômeno.
A classe política também se agita e volta os olhos com interesse e medo para aquelas praças cheias de eleitores furiosos. À época, o comediante e Casaleggio ainda não imaginam poderem assumir um papel político direto. Eles ainda pensam ser preciso ainda investir nas forças políticas nas quais “aprendizes de feiticeiros” começaram a mobilizar na arena tradicional do jogo político.
Casaleggio, a essa altura, já cultivou uma relação privilegiada com Antonio Di Pietro, o juiz-símbolo da Operação Mãos Limpas, tal como o Sérgio de Moro de cá. Ele fundou seu próprio partido, aliado da centro-esquerda.
Desde então, os dois situam-se mais para as fileiras do Partido Democrata em gestação, uma formação destinada a misturar as principais correntes da centro-esquerda em um único recipiente político. De fato, nem Grillo nem Casaleggio podem ser considerados de esquerda, mas a maioria de seus discípulos, nessa primeira fase, vem de lá.
São, principalmente, jovens, sensíveis aos temas ambientais e trabalhistas, distantes da política tradicional e indignados com os desperdícios ligados à corrupção.
Mas a esquerda não se mostra nem um pouco receptiva aos progressos da dupla. Quando o comediante tenta se candidatar às primárias do novo partido democrata, é imediatamente descartado. “Se ele quer criar um partido, basta candidatar-se e ter votos”, declara, inconscientemente, um dos caciques da agremiação.
Então, Grillo e Casaleggio decidem partir para o voo solo. Aliás, o entusiasmo de seus partidários se torna irrefreável. Alguns são candidatos às eleições locais, integrando “listas Grillo” mais ou menos autônomas.
O risco de todo esse fervor escapar a seu demiurgo é bem real. Casaleggio é obcecado por controle. Estudou, durante muitos anos, os grandes conquistadores da História. Admira, em particular, Gengis Khan.
Ele governava um império erguido sobre um sistema de comunicação extremamente performático, capaz de fazer chegarem ordens a todos os grotões de seus domínios. Ele adora a maneira pela qual o imperador mongol selecionava seus comandados: uma fidelidade a toda prova, que transcendia critérios como berço e experiência.
Casaleggio cultiva a mesma vontade inflexível de punir toda forma de insubordinação. “À menor dúvida, nenhuma dúvida mais!”, repete, como um mantra. Quem der a impressão de não aderir 100% à visão do chefe é sumariamente expulso.
Com seu filho Davide, especialista apaixonado por internet e marketing viral, Casaleggio-pai põe em marcha o modelo de organização do Movimento 5 Estrelas. Uma arquitetura aparentemente aberta, fundada na participação das bases, mas na verdade completamente bloqueada e controlada pela cúpula.
Em um livro amplamente inspirado pelo pai, Davide Casaleggio compara as redes sociais aos sistemas complexos. Os componentes seguem uma série de regras aplicadas a cada indivíduo, por meio das quais se determina uma estrutura muito organizada, mas não centralizada. Cada qual reage ao contexto, ao espaço no qual se desloca em relação aos outros.
Mesmo auto-organizado, tal sistema não exclui o papel de um demiurgo. Ele observa o sistema complea com uma visão holista e determina sua evolução. As informações sobre as interações locais permitem compreender um sistema emergente e, se possível, modificá-lo. Por exemplo, saber se os membros componentes mudam de trabalho se encontram certo número de outros a exercerem as mesmas tarefas permite a algortimos compreender suas decisões.
Mas, para que isso ser possível, três condições de base devem ser respeitadas:
- os participantes serem numerosos,
- eles se encontrarem presencialmente somente por acaso e
- não terem consciência das características do sistema no seu todo.
Um membro do movimento não deve saber como funciona o todo, do contrário, todos eles desejariam ocupar os melhores postos e os menos cansativos. Criariam, assim, um problema de coordenação. Na Fábula das Abelhas, inspiradora de Adam Smith, O Mercado coordenaria livremente a todos. Estava ainda na época do Iluminismo contra o Absolutismo…
Apoiando-se nessas reflexões, os Casaleggio lançam as bases de seu movimento populista controlado pela cúpula da rede social. Uma organização complexa, com uma fachada descentralizada, no seio da qual nenhum membro deve conhecer o projeto geral, nem os papéis exercidos pelos outros.
Populismo Neofascista na Itália publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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