terça-feira, 20 de outubro de 2020

Elevação do Grau de Endividamento Mundial e Retrocesso da Economia Brasileira

Comércio BR-EUA 2008-jan-set2020

Sérgio Tauhata (Valor, 14/10/2020) informa: as medidas monetárias e fiscais que forneceram suporte às economias no mundo ajudaram a conter riscos de curto prazo, mas algumas vulnerabilidades financeiras se intensificaram como consequência não intencional dessas ações, aponta o Relatório de Estabilidade Financeira Global do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado no dia 13/10/2020. O documento aponta como principal efeito colateral das injeções maciças de liquidez o alto nível de endividamento. Ele pode levar a uma crise de solvência.

Segundo o diretor do departamento monetário e de mercado de capitais do fundo, Tobias Adrian, um dos responsáveis pelo estudo, uma piora do ambiente de liquidez impactaria empresas e governos com maior grau de endividamento. “Uma nova crise de liquidez pode facilmente se transformar em insolvências, especialmente se a recuperação econômica demorar”, aponta.

As “medidas extraordinárias de afrouxamento de políticas monetárias e um suporte fiscal maciço” foram essenciais conter os riscos da crise derivada da pandemia. O diretor do FMI afirma que os principais bancos centrais expandiram seus balanços em mais de US$ 7,5 trilhões até o momento. Essa atuação das autoridades “estabilizou os mercados financeiros, impulsionou o sentimento do investidor e manteve o fluxo de crédito”.

A injeção de recursos e liquidez, por meio de estímulos monetário e fiscais, porém, trouxe efeitos indesejados ainda que não intencionais. Há, por exemplo, uma persistente desconexão entre os mercados financeiros, com a alta de preços dos chamados ativos de risco, e a economia real, que mostra fraqueza em várias regiões do mundo.

Caso as expectativas de retomada da atividade sejam frustradas, isso poderia levar a um movimento de reprecificação de ativos. “Se a recuperação econômica for mais lenta que o esperado, por exemplo, o otimismo dos investidores pode sumir”, pondera.

Nesse cenário, uma maior aversão ao risco pode levar a um aperto das condições financeiras e impactar, sobretudo, países emergentes e aqueles com nível de renda mais baixa.

Conforme o diretor do FMI, as políticas de emergência ajudaram a evitar uma onda de falências no início da crise, mas também levaram a uma forte elevação do peso da dívida corporativa. Em um cenário de crise de liquidez, trazida, por exemplo, por uma frustração com a velocidade da retomada ou ainda devido a eventos geopolíticos, esse endividamento que atingiu novas máximas em alguns setores “pode se tornar uma crise de solvência no futuro”.

De acordo com o relatório do FMI, 6 de 29 países sistemicamente importantes tiveram grande elevação de vulnerabilidades nos setores corporativo, bancário e soberano. “Os governos tiveram de aumentar os déficits fiscais para prover suporte a empresas e famílias. Ao mesmo tempo, bancos e outras instituições financeiras tiveram de comprar mais papéis dos governos. Olhando para a frente, a capacidade fiscal para oferecer mais suporte pode se tornar limitada”, apontou o documento.

Na avaliação do diretor-assistente do departamento monetário e de mercado de capitais do FMI, Fabio Natalucci, há ainda uma outra consequência não intencional relacionada às instituições financeiras não bancárias. “Instituições não bancárias, como gestoras de ativos e seguradoras, agora têm um papel mai importante nos mercados de crédito, incluindo os segmentos de maior risco”, disse.

O diretor-assistente do FMI acrescentou, contudo, que “fragilidades, como o descasamento na gestão de liquidez das carteiras e maior exposição ao risco de crédito, permanecem”. As vulnerabilidades indicam que, “se houver um choque, o problema se propagaria com mais velocidade pelo segmento não bancário e se espalharia por todo o sistema financeiro”.

O FMI tem realizado testes de estresse para avaliar os sistemas financeiros de países e regiões. Segundo Adrian, as avaliações mostram que o sistema global no geral está seguro e preparado para absorver futuros choques.

Há, porém, diferenças entre os países. “Alguns emergentes, por exemplo, podem enfrentar uma descapitalização de bancos em cenários adversos”, apontou o diretor. “As maiores instituições globais são mais estáveis, mas os bancos europeus, embora estejam preparados para choques, estão mais vulneráveis do que nos EUA.”

Conforme o economista, as políticas de suporte devem ser mantidas para assegurar a sustentabilidade da recuperação e afastar os riscos financeiros. Os governos precisam também aprimorar regulações prudenciais para evitar o avanço das vulnerabilidades.

As novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que o PIB per capita brasileiro vai crescer em um ritmo que é menos da metade da média dos emergentes no ano que vem, além de afundar mais que o dos seus pares neste ano.

Segundo o FMI, o PIB per capita do Brasil vai encolher 6,4% neste ano e crescer 2,2% no ano que vem, enquanto que a média dos emergentes é de retração de 4,7% em 2020 e alta de 4,8% em 2021. Para a média global, a estimativa do Fundo é de queda de 5,6% neste ano e expansão de 4% no ano que vem. Os cálculos da entidade levam a paridade do poder de compra (PPC), que é uma forma de refletir melhor o custo de vida dos países.

A vantagem que o brasileiro tinha de renda em relação à média dos países emergentes e em desenvolvimento vai encolher não só neste ano como também no próximo.

De acordo com os dados divulgados pelo FMI também em PPC, o PIB per capita do Brasil no ano que vem será de US$ 15,2 mil, ante US$ 11,3 mil dos emergentes e em desenvolvimento, uma vantagem de 35%. Em 2014, o PIB per capita brasileiro era de US$ 15,8 mil, o que representava 62% mais que seus pares. Para 2025, o Fundo projeto que a folga brasileira será de 34%.

Não só o cenário para a economia brasileira não se confirmou, com a forte recessão iniciada ainda em 2015 e a fraca recuperação que veio a seguir (uma das 10% mais lentas vistas no mundo nos últimos 50 anos, segundo o próprio FMI), como também o cenário para os próximos anos não é pleno de otimismo.

Para este ano, o Fundo estima que o PIB do país vai encolher 5,8%, seguido por uma recuperação de 2,8% no ano que vem. A previsão anterior, de junho, apontava retração de 9,1% em 2020 e alta de 3,6% em 2020. Segundo a entidade, a economia nacional vai seguir em ritmo fraco até pelo menos 2025, quando a projeção é de crescimento de 2,2%, menos da metade da prevista para os emergentes: 4,7%.

A economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, ressaltou que o país enfrenta uma “dura recessão” neste ano, mas que o cenário melhor que o previsto em junho reflete a recuperação melhor que a esperada então, com a abertura da economia e as medidas fiscais adotadas pelo governo – e que a redução desses estímulos no ano que vem explica a projeção menor de crescimento para 2021.

A retração de 5,8% do PIB brasileiro neste ano, se confirmada, vai ratificar mais uma década perdida para a economia nacional e que encontra poucos paralelos entre seus pares globais. No período 2011-2020, o PIB brasileiro teria um crescimento médio anual de 0,01%, ficando no 164o lugar entre 192 países, acima de economias que enfrentaram a crise europeia (Portugal, Espanha e Itália), desastres naturais (Porto Rico) e guerras (Líbia e Iêmen), além de Argentina e Venezuela.

Não é só no PIB que o Brasil vai ficar para trás. O mesmo vai acontecer no emprego, de acordo com as projeções do FMI. O organismo prevê que a taxa de desemprego vai fechar 2020 em 13,4% (ante 11,9%) e vai subir para 14,1% no ano que vem. Dos países das América, só Venezuela e México verão o desemprego aumentar em 2021 pelas previsões da entidade.

O Brasil deverá atingir em 2020 o segundo maior nível de dívida pública de um grupo de 40 países emergentes e de renda média, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nas projeções do FMI, o endividamento bruto brasileiro alcançará a marca de 101,4% do PIB, atrás apenas dos 120,3% do PIB previstos para Angola, e muito acima dos 62,2% do PIB esperados para a média desse grupo de economias. O número deve ficar em 61,7% do PIB na China, em 89,3% do PIB na Índia e em 65,5% do PIB no México. Nas projeções do Fundo, o Brasil terá déficits primários até 2025.

Pelas estimativas do Fundo, o Brasil terá a maior dívida bruta das economias emergentes e de renda média em 2022, quando o indicador deverá ficar em 103,5% do PIB, ao passo que a de Angola recuará para 93,8% do PIB. Os números fazem parte do Monitor Fiscal, divulgado ontem na íntegra. O documento indica que o endividamento bruto brasileiro crescerá até 2025 (data da última projeção que consta do texto), quando deverá bater em 104,4% do PIB. A dívida bruta é um dos principais indicadores de solvência fiscal acompanhado pelos analistas.

Em 2019, o endividamento bruto do Brasil ficou em 89,5% do PIB, de acordo com os número do Fundo, que adota uma metodologia diferente da usada pelas autoridades brasileiras para o cálculo do indicador. O FMI inclui na conta os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC), ao passo que, pelo critério brasileiro, esses papéis não são considerados. Em 2019, a dívida bruta do país ficou em 75,8% do PIB pela metodologia usada pelo BC. O FMI espera que, pelo critério brasileiro, o endividamento bruto fique em 99% do PIB neste ano.

A situação fiscal de países emergentes e desenvolvidos piorou de modo generalizado em 2020 devido ao impacto da covid-19, que levou ao aumento das despesas públicas e à queda das receitas. Nos países avançados, o endividamento bruto vai subir de 105,3% do PIB em 2019 para 125,5% do PIB em 2020, enquanto o dos emergentes deve crescer de 52,6% do PIB para 62,2% do PIB, estima o FMI.

O Monitor Fiscal também mostra uma forte piora do déficit público brasileiro neste ano. O rombo primário (que exclui gastos com juros) deve subir de 1% do PIB em 2019 para 12% do PIB em 2020, enquanto o da média dos emergentes ficará em 8,8% do PIB, prevê o Fundo. Para o ano que vem, o FMI espera um déficit primário de 3,1% do PIB. Nas contas do Fundo, o Brasil deve apresentar resultados primários no vermelho até 2025 – o limite do horizonte das projeções -, quando o buraco deverá ser de 0,1% do PIB. A expectativa é de deterioração expressiva também do déficit nominal, que considera despesas com juros. Nesse caso, o rombo deve pular de 6% do PIB em 2019 para 16,8% do PIB em 2020, bem acima da média dos emergentes, de 10,7% do PIB.

Em entrevista para comentar o Monitor Fiscal, o diretor do departamento de Assuntos Fiscais do Fundo, Vitor Gaspar, disse que o teto de gastos tem um papel importante a desempenhar para que o Brasil mantenha a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo. Ele elogiou a resposta fiscal dada pelo governo à crise provocada pela covid-19. Segundo o diretor do FMI, as medidas adotadas desde o início da pandemia permitiram que 23 milhões de brasileiros evitassem a pobreza.

No entanto, o país agora enfrentará um dilema sobre como manter esse apoio fiscal sem enfrentar riscos relacionados ao endividamento. Na avaliação de Gaspar, a saída é enfatizar políticas que garantam a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. “O teto de gastos tem um importante papel a desempenhar como âncora fiscal de longo prazo.”

Para o diretor do FMI, o Brasil também deve continuar a promover as reformas que já estavam sendo discutidas pelo Congresso antes mesmo da pandemia. “Essa é uma agenda poderosa que, de fato, deve ser perseguida”, afirmou Gaspar.

Com muitos trabalhadores ainda desempregados, pequenas empresas em dificuldades e a perspectiva de que 80 milhões a 90 milhões de pessoas caiam na extrema pobreza em 2020 por causa do impacto da covid-19, é muito cedo para os governos retirarem o “apoio excepcional” à economia, disse ainda ontem o FMI. “No entanto, muitos países terão que fazer mais com menos, devido a restrições orçamentárias crescentemente mais apertadas”, apontam Gaspar e os economistas Paulo Medas, John Ralyea e Elif Ture em texto a respeito do Monitor Fiscal.

Segundo eles, à medida que as economias começam a reabrir, mas a incerteza sobre a pandemia permanece, os governos devem garantir que o apoio fiscal não seja retirado rápido demais. “No entanto, ele deve se tornar mais seletivo e evitar ficar no caminho da realocação setorial necessária, uma vez que a atividade retome”, afirmam eles.

Elevação do Grau de Endividamento Mundial e Retrocesso da Economia Brasileira publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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