Kadhim Shubber e Lauren Fedor (Financial Times, de Washington 23/09/2020) informam: o presidente Donald Trump deseja preencher logo a vaga na Suprema Corte dos EUA aberta com a morte de Ruth Bader Ginsburg. Se conseguir, dará à direita americana a oportunidade de rever questões como aborto, controle de armas e ação afirmativa.
A morte de Ginsburg, em meados de setembro, aos 87 anos, pode significar uma guinada ideológica. A ala democrata da Suprema Corte ficou reduzida a só três membros (dos nove juízes), o que limita sua influência drasticamente e dá à ala republicana maior liberdade para pender ainda mais para a direita.
A guinada para uma sólida maioria conservadora de 6 a 3 pode significar mudanças constitucionais dramáticas e vitórias legais duradouras para os republicanos.
“Os conservadores esperaram a vida inteira por este dia”, disse Mike Davis, ex- assessor republicano da Comissão de Justiça do Senado, que ajudou a aprovar Brett Kavanaugh, o último juiz nomeado por Trump para a Suprema Corte.
No curto prazo, a virada tem implicações para o processo sobre o Affordable Care Act, a reforma do sistema de saúde do governo Barack Obama, que está previsto para ser analisado pelo tribunal em meados de novembro. Também pode afetar quaisquer disputas judiciais entre Trump e seu adversário democrata, Joe Biden, sobre a própria eleição presidencial.
Para além disso, um tribunal controlado por conservadores nas próximas décadas terá profundas implicações para o direito constitucional americano. Antes, a ala conservadora não podia perder nenhum voto, mas uma maioria com três nomeados por Trump teria mais espaço de manobra.
“Quando se tem seis juízes conservadores, isso muda os cálculos. Se um dos seis passar para o outro lado, ainda há uma maioria de 5 a 4”, disse John Malcolm, do conservadora Heritage Foundation.
“Este seria provavelmente o maior bloco de juízes não esquerdistas desde os anos 1930”, acrescentou Ilya Somin, professor de Direito da Universidade George Mason. Ele advertiu, porém, que tais comparações não são exatas, dada a evolução das noções de “esquerda” e “direita” desde então.
Uma das principais áreas em foco será a do direito ao aborto. Os conservadores há muito detestam o caso Roe x Wade, que resultou na decisão histórica de 1973 que consagrou o direito ao aborto. Trump já prometera que só escolheria juízes que se opusessem à decisão.
“No mínimo… o tribunal estaria mais propenso que antes a apoiar várias restrições ao aborto, e há a possibilidade real de que a sentença do caso Roe x Wade seja simplesmente anulada”, disse Somin.
Ainda que não chegue à medida dramática de anular essa decisão, um tribunal dominado pelos conservadores poderia alterar fundamentalmente o acesso ao aborto nos EUA, tornando-o mais difícil.
Na sua sessão mais recente, a Suprema Corte derrubou uma lei da Louisiana que impunha restrições às clínicas de aborto, numa votação apertada, em que o presidente da corte, John Roberts, juntou-se aos esquerdistas. Ele votou com o argumento de que defendia o precedente de um caso sobre aborto de 2016, embora discordasse dele.
Esse tipo de vitória não estaria mais ao alcance dos democratas. “Uma vez que se perca o voto de Ginsburg e ele seja substituído por um voto para derrubar Roe x Wade, não importa mais como o presidente do tribunal vote”, disse Kimberly Mutcherson, co-reitora da Rutgers Law School.
Ela previu que parlamentares estaduais e ativistas conservadores intensificarão esforços para impor restrições mais severas ao aborto. Tais leis podem não ser apresentadas apenas a uma Suprema Corte com maioria de 6 a 3, mas também ser julgadas por juízes nomeados por Trump nos tribunais inferiores – um quarto de todos os juízes de tribunais de apelação federais foram indicados por Trump.
Em outra questão, a Suprema Corte poderia avançar mais para derrubar os controles de armas e consolidar a visão conservadora da 2a emenda da Constituição como proteção ao direito de um indivíduo de possuir armas de fogo.
Na sua última sessão, a Suprema Corte rejeitou vários casos de direitos relativos a armas. A CNN relatou que a ala conservadora não queria se arriscar a julgar um caso e ter o voto de Roberts alinhado aos democratas. Essas preocupações seriam menos prementes em um tribunal com maioria de 6 a 3.
As leis sobre ação afirmativa (que favorecem os negros) ficariam sob pressão, assim como o poder do governo de conter as empresas. A Corte, que relaxou drasticamente a lei de financiamento de campanhas eleitorais em 2010, poderia frustrar o esforço democrata de voltar a impor restrições a doações para campanha política.
“Não é que os esquerdistas vão perder todas as batalhas no tribunal, mas haverá algumas áreas da lei em que começaremos a ver algumas mudanças fundamentais”, disse Lee Epstein, professor da Universidade de Washington.
Para os democratas, essa realidade os obrigaria a uma reavaliação total do cenário político dos EUA. Antes os eleitores republicanos eram mais propensos a ver a Suprema Corte como uma questão eleitoral importante, mas agora são os eleitores esquerdistas que podem sentir-se motivados a expressar suas preocupações.
“O que está em debate é se os direitos e proteções que os americanos conquistaram ao longo dos anos serão desfeitos por um tribunal mais conservador”, afirmou Dianne Feinstein, a democrata mais importante na Comissão d Justiça do Senado, em um comunicado na segunda-feira.
Para os republicanos, este é um momento de grande oportunidade. O mandato de Trump já lhes deu dois juízes na Suprema Corte, Neil Gorsuch e Kavanaugh. E agora pode dar um terceiro.
“Muito mais do que a nomeação de Gorsuch ou mesmo a de Kavanaugh, esta [a próxima] tem o potencial de mudar o tribunal”, disse Ilya Shapiro, diretor do conservador Instituto Cato.
Guinada Ideológica na Suprema Corte dos Estados Unidos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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