domingo, 18 de outubro de 2020

Administração de Recursos de Terceiros: “Big Five” Bancos ou Fundos Quantitativos Robóticos?

Adriana Cotias (Valor, 14/09/2020) avalia os Fundos de Investimentos brasileiros e deduz: apesar de novos participantes, a atividade de administração de fundos replica a concentração bancária.

Com novas gestoras de recursos independentes e a multiplicação de fundos no mercado como um todo, as nstituições atuantes na administração de recursos de terceiros, custódia e controladoria na indústria de gestão de dinheiro vislumbram diversas frentes de crescimento à medida que a regulação fique mais robusta. A base para um período virtuoso vem do ambiente de juros baixos. Ele motiva a busca do investidor por carteiras mais sofisticadas e pela revisão da regulação de fundos.

A instrução 555, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), deve passar por atualização para se adaptar à Lei de Liberdade Econômica. Ela trouxe, por exemplo, uma separação mais clara sobre as atribuições e responsabilidades de cada participante da cadeia de investimentos. Um novo texto está previsto para ser submetido pela autarquia à audiência pública ainda neste ano.

O gestor é a figura mais conhecida do ecossistema de fundos, mas suas atribuições concentram-se nas decisões sobre compra e venda de ativos. Já o administrador é o responsável por toda a estrutura. É quem coloca um fundo de pé, contrata prestadores de serviços, como gestor e custodiante, além de centralizar o relacionamento com órgãos reguladores e cotistas e atuar como responsável tributário.

Desde o início dos anos 2000, quando a gestão independente começava a emergir, o mercado brasileiro não experimentava uma proliferação de assets como se viu nos últimos três anos. Esse mercado aconteceu e um dos grandes fatores foi a indústria de investimentos vem sendo muito resiliente ao longo do tempo, mesmo com todas as crises por que o Brasil passou.

Há uma década, o setor de fundos tinha pouco mais de R$ 1 trilhão, hoje são mais de R$ 5,6 trilhões. A indústria cresceu a dois dígitos por dez anos e com a economia brasileira em estagdesigualdade.

Se no início, as assets fora dos bancões começavam pequenas para gerir dinheiro de poucos clientes, hoje já nascem estruturadas, com profissionais experientes que fizeram carreira em bancos. São iniciativas que se beneficiam do “enxame” de plataformas de investimentos que democratizaram a oferta de produtos mais sofisticados para o público de varejo.

Mas a atividade de administração de fundos no Brasil replica a concentração bancária que se vê em ativos, crédito ou gestão de recursos. Como os grandes bancos são donos da distribuição, a tendência é fazer tudo dentro de casa. No ranking de julho de 2020 da Anbima, as primeiras posições são ocupadas por BB DTVM (R$ 1,13 trilhão), Itaú (R$ 700,8 bilhões), Intrag (também do Itaú, com R$ 469,1 bilhões), Bradesco (R$ 456,7 bilhões), Caixa (R$ 450,7 bilhões), BEM (do Bradesco, com R$ 406,2 bi) e Santander (R$ 381,2 bilhões).

Com R$ 367,5 bilhões, o BNY Mellon é pequeno no Brasil se comparado aos US$ 34 trilhões que o grupo americano tem sob administração e custódia nos mercados onde atua, mas tem se beneficiado da expansão local da indústria de gestão de recursos. Uma das principais linhas de expansão adiante está nos fundos globais. Eles experimentam um rápido crescimento no país.

Há cerca de cinco anos, o BNY Mellon tomou a decisão estratégica de se concentrar em fundos líquidos, regidos pela 555. A escolha não está relacionada apenas ao litígio que o grupo enfrenta no Brasil no caso Postalis, mas também a uma legislação considerada frágil. Ex-dirigentes do fundo de pensão e do banco se tornaram réus na Justiça Federal, acusados de suposta gestão temerária que causou prejuízos milionários aos participantes do plano de previdência dos funcionários dos Correios.

Mesmo após a 555 passar pela revisão, a tendência é o banco esperar as novas regras serem testadas nos tribunais de Justiça antes de ter uma atuação mais forte em fundos estruturados. Um dos pontos da Lei 13.874, aprovada há um ano, é a definição das responsabilidades dos diversos atores: gestores, administradores, custodiantes e até mesmo o investidor. Assim como no caso Postalis, administradores foram acionados como responsáveis solidários, o que acabou tirando grandes instituições da prestação de serviço fundos de recebíveis (FIDC), imobiliários e até de private equity.

“Os [fundos líquidos] 555 são mais fáceis de controlar, há um apetite maior. Na parte de estruturados, a tendência é ser restritivo a produtos nessa linha, porque se eu não domino o processo, não tenho conforto com o risco”, diz Carlos Augusto Salamonde, diretor de securities services do Itaú. “E outro ponto é que não sou remunerado para esse risco. Se pudesse, seria uma conta que poderia ser feita.”

Enquanto em fundos líquidos multimercados, de ações e renda fixa há transparência sobre o preço dos ativos, nos estruturados, que contemplam alternativas ilíquidas, sem cotação em bolsa ou um secundário ativo, essa é uma questão mais sensível. Esse é um segmento em que o Itaú nunca foi muito ativo, diz Salamonde.

“Não quer dizer que não queira fazer. As novidades regulatórias podem ajudar, é um mercado interessante, vai continuar crescendo no cenário de juro baixo”, afirma. “Vai ter crescimento, não discuto, mas qual o risco? Se valer a pena, vamos fazer.” Por ora, em fundos estruturados, o Itaú privilegia a prestação de serviços para a Kinea, gestora do grupo focada em investimentos alternativos, e uma das grandes em fundos imobiliários.

Para Salamonde, há muito para avançar mesmo no segmento de fundos líquidos, seja pelo surgimento de novas assets independentes, seja pela criação de fundos na prateleira do próprio Itaú. Uma das pontas de lança têm sido os portfólios de crédito.

Também, o fato de ser um conglomerado permite ao Itaú uma oferta integrada, com administração fiduciária, custódia, serviços de corretagem e de clearing no mesmo pacote, prossegue o executivo. Uma das inovações recentes foi a assembleia on-line para cotistas de fundos, com convocação dos investidores e a formalização de uma pauta de votação.

Embora veja espaço para competidores menores, especialmente na prestação de serviços para fundos estruturados, esse é um mercado que demanda sofisticação e tecnologia, diz Salamonde. “É para quem de fato consegue olhar o negócio como ‘core business’, porque exige investimentos, flexibilização e capacidade de integração.”

Entre as instituições independentes, a melhor posição em administração de fundos é da BRL Trust, com R$ 105,9 bilhões. Danilo Barbieri, diretor, aposta nas classes alternativas. Com um patrimônio de quase R$ 640 bilhões, esse segmento tende a crescer duas vezes mais do que o de fundos tradicionais nos próximos anos, chegando à casa do trilhão, afirma.

“O negócio de fundos deixou de ser ‘plain vanilla’, dada a quantidade de categorias que vem surgindo”, diz. Para Barbieri, os imobiliários vão ganhar cada vez mais atenção do investidor de varejo, enquanto alguns FIPs de infraestrutura vêm sendo estruturados para listagem em bolsa e podem ganhar o empurrão do marco regulatório do saneamento e novas concessões na área de energia.

Os FIDCs, por sua vez, vão passar por revisão regulatória, e devem se tornar acessíveis para o público geral. Há ainda uma questão circunstancial, com a seleção de gestoras pelo BNDES para um montar um portfólio de R$ 4 bilhões voltado para as micro e pequenas empresas.

Há 11 anos no mercado, a BRL acompanhou a evolução do setor e hoje tem entre seus clientes grandes investidores estrangeiros, como fundos soberanos, de private equity e venture capital, além de gestoras de patrimônio. Barbieri conta que, nos últimos anos, a empresa segmentou os times jurídicos e operacionais por linha de produto. “Conseguimos montar uma estrutura para todos os perfis de fundos de forma equânime. A gente não enxerga essa atividade como mais uma linha de negócios. É a nossa linha de negócios.”

Com um time de mais de cem funcionários, sendo um terço deles advogados, Barbieri diz que consegue garantir um serviço de qualidade e que não vai trazer dor de cabeça. No segmento de líquidos, em que administra R$ 10 bilhões, o executivo ainda vê crescimento em fundos de ações e multimercados e, com a diversificação internacional na pauta, espera novos portfólios voltados para a compra de ativos no exterior.

Júlia Lewgoy (Valor, 30/09/2020) escreveu sobre Fundos Quantitativos com administração feita por robôs.

Uma categoria de investimentos ainda pouco conhecida no Brasil passa relativamente bem pelas oscilações do mercado durante a crise da pandemia e tem crescido: os fundos quantitativos, que criam robôs que usam dados históricos para prever o futuro dos preços dos ativos, usando inteligência artificial.

Esses investimentos não dependem da emoção dos gestores e se mostram, assim, uma alternativa durante a turbulência. Na pandemia, se tornaram o elemento alternativo na carteira dos investidores. Vários deles se propõem a ter baixa ou nenhuma correlação com a bolsa ou o câmbio, por exemplo.

Enquanto o Ibovespa, principal índice de referência da bolsa brasileira, registra perdas de 16% no ano e o CDI rende 2,1% no período, alguns dos fundos quantitativos mais famosos acumulam retorno de quase 7% (até 21 de setembro).

Em março, quando a pandemia começou, muita gente tomou um susto. Quem achava que estava bem diversificado percebeu que não era bem assim e foi buscar outras alternativas, incluindo os que permaneceram na bolsa. Soma-se a isso o cenário de juros baixos, que levam investidores a procurar opções para ter retornos mais altos, e o fortalecimento da educação financeira.

Desde 2007, quando surgiram os primeiros fundos quantitativos no Brasil, essa indústria ainda não havia conseguido firmar os pés no país, apesar das grandes expectativas. “Sempre tivemos boas apostas, gestores que começaram com performance promissora, mas depois que atingiam determinado volume, acabavam não performando bem”, diz Samuel Oliveira, responsável pela área de análise de fundos na XP.

Esses fundos ganham dinheiro investindo em bolsa, dólar, juros e ativos no exterior, como outros fundos multimercados, ou somente em papéis de empresas, como outros fundos de ações. Seu objetivo pode ser bater determinado índice ou ter o máximo de retorno possível dado um nível de risco.

Eles também cobram uma taxa de administração e uma taxa de performance, normalmente sobre o CDI. O que muda é o método científico, integrado no processo de investimento em menor ou maior escala.

Suas estratégias são muito diferentes entre si. Alguns são desenhados para performar independentemente do cenário. Outros tendem a passar longos períodos sem grandes variações e são sucedidos por fortes valorizações em um curto espaço de tempo.

Como outros investimentos de renda variável, eles podem ter retorno negativo. Nos últimos três anos, nem os robôs impediram que esses fundos passassem por períodos de grandes quedas nos retornos, apesar da tendência de alta.

Em relação ao tamanho dessa indústria, o Brasil está há mais de 12 anos esperando para ver se vai acontecer aqui o que aconteceu lá fora. Nos Estados Unidos, grande parte dos fundos multimercados já são quantitativos. Já no Brasil, o volume da categoria cresce, mas ainda é pouco expressivo.

A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), entidade que concentra informações sobre fundos de investimentos no Brasil, não tem dados específicos sobre fundos quantitativos. A XP, maior plataforma de investimentos do país, acompanha 20 fundos brasileiros com essa estratégia, mas somente quatro deles estão à venda na plataforma. Durante a crise do novo coronavírus, o patrimônio desses 20 fundos monitorados quase triplicou. Foi de R$ 2,5 bilhões em dezembro de 2019 para R$ 6 bilhões em agosto deste ano – ainda quase nada em comparação aos R$ 5 trilhões que a indústria toda de fundos tem no país. Já o número de cotistas subiu de 18 mil para 70 mil no mesmo período.

Um dos motivos dos fundos quantitativos ainda serem pouco populares é que se mostra um desafio entender o que os robôs fazem. O trabalho do gestor é criar e aperfeiçoar robôs que desenvolvem previsões e constroem carteiras, baseados em dados. Esses dados podem ser os mais diversos: das opiniões dos analistas das corretoras nos relatórios aos balanços das empresas; das feições de Donald Trump nas fotos à previsão do tempo.

Cada fundo tem vários robôs e o que um robô faz não tem nada a ver com o outro. As análises macro e microeconômica típicas são combinadas ou substituídas por análises matemáticas e estatísticas. No lugar de economistas, trabalham cientistas de dados e engenheiros.

Alguns deles sistematizam boas práticas de gestão de fundos macro. “Eu tenho 16 anos de mercado, sistematizei as boas práticas de gestão que via dentro de modelos matemáticos e selecionei os que têm maior taxa de acerto. Isso é um fundo sistemático, ele sistematiza uma visão humana”, explica Alessandro del Drago, sócio da Mauá Capital e gestor do fundo macro Sistemático Machine-D.

Dentro da carteira pode haver mais estratégias do que um gestor consegue acompanhar. “Dentro do meu fundo tenho 35 estratégias. É como se tivesse 35 pequenos gestores atuando dentro do fundo. Consigo alavancar o número de processos decisórios e de apostas no mercado, gerando diversificação bem real”, diz Drago.

Além da diversificação de estratégias, há fundos quantitativos que têm a velocidade como um diferencial. Eles podem fazer o que os humanos não conseguem. Podem executar milhares de operações ao dia, em alta frequência, mais rapidamente do que investidores que estão olhando a tela conseguem fazer.

Administração de Recursos de Terceiros: “Big Five” Bancos ou Fundos Quantitativos Robóticos? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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