Cristiano Romero (Valor, 14/10/2020) escreveu artigo sobre Energia.
“Escassez de energia é um problema que limitou o crescimento da economia brasileira em pelo menos três momentos da história – durante as duas crises do petróleo da década de 1970 e em 2001, quando houve apagão e racionamento. Pouco depois da primeira crise do petróleo, durante a gestão Geisel (1974-1979), o governo adotou medidas heterodoxas, batizadas de II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), para estimular o crescimento a qualquer custo e, assim, compensar o impacto negativo da alta do preço do petróleo.
O objetivo econômico do general Geisel era evitar o advento de uma recessão após o chamado “milagre econômico brasileiro”, quando o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu à taxa média de 11,16% ao ano – este percentual se refere ao período 1968-1973; alguns historiadores dizem que o milagre foi de 1967 a 1973, quando a média de expansão anual foi de 10,16%.
O II PND, entre outras medidas, fechou a economia, ampliou a malha rodo-ferroviária; criou rede estatal federal de telecomunicação; instituiu modelo de produção e comercialização agrícola; por meio de modelo tripartite (governo, capital privado nacional e estrangeiro), fundou empresas para produzir bens nos setores siderúrgico e de química pesada, metais não ferrosos e não metálicos; e despejou dinheiro público de forma massiva em projetos de geração de energia (petróleo e derivados, energia hidroelétrica e fontes alternativas como etanol e energia nuclear).
Para viabilizar tudo isso, o II PND elevou a dívida externa aos píncaros. Em 1979, a segunda crise do petróleo jogou o preço do barril nas alturas e, na sequência, produziu terrível efeito colateral para os países que se endividaram em “petrodólares” – a escalada dos juros (flutuantes) dos empréstimos contraídos naquela década. Em 1982, por causa disso, o Brasil quebrou e, desde então, ainda lida com os problemas criados pelo modelo de substituição de importações abraçado em 1974.
O PND II tinha, evidentemente, um objetivo político. Em 1974, o regime militar, instaurado pelo golpe de 1964, vivia sua crise hegemônica. Na visão dos generais, o fim do “milagre”, em decorrência da crise do petróleo em 1973, enfraqueceria o apoio popular, principalmente, da classe média, insatisfeita com mortes e prática de torturas de cidadãos sob custódia do Estado.
O II PND, com seu viés estatizante e nacionalista, deu fôlego ao regime, que só entregou o poder a um civil 11 anos depois, mas custou caro ao país ao plantar as sementes da inflação crônica, quais sejam: endividamento interno e externo descontrolado, fechamento da economia à competição de produtos estrangeiros, estatização dos principais setores da economia, concentração econômica, intervenção estatal permanente no sistema de preços etc.
A inflação crônica, que vigorou entre nós até 1994 (uma geração inteira desde o II PND), acabou, por sua vez, com a capacidade das empresas de planejar investimentos, extremou as relações entre capital e trabalho, aprofundou a concentração de renda num país onde isso já era um problema desde sempre, solapou a competitividade das empresas exportadoras (o que a taxa de câmbio favorável beneficia por um lado, a inflação anula do outro), enfraqueceu a moeda nacional diante das principais moedas do planeta, estimulou a corrupção, gerou pobreza e desesperança na população, especialmente, entre aqueles que mais perdem com a perda do poder de compra da moeda – os pobres.
Na semana passada, esta coluna tratou do Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), elaborado pela Empresa de Pesquisa Estratégica (EPE), uma pequena estatal fundada em 2004, no primeiro mandato do então presidente Lula, três anos após o apagão. O PNE é um conjunto de estudos que dão suporte à montagem da estratégia de longo prazo do governo para o setor de energia.
Em 13 de julho, o Ministério de Minas e Energia (MME) colocou em consulta pública a Minuta do Relatório do Plano Nacional de Energia 2050. O período de consulta pública terminou ontem. Trata-se do segundo PNE – o primeiro (PNE 2030) cobriu o período entre 2007 e 2030. O novo, que se refere a 2015 como o ano-base, vai até 2015.
Há muitas novidades no PNE 2050, entre as quais, destacam-se duas. A primeira diz respeito ao fato, pela primeira vez na história, de o Brasil dispor de energia abundante para sustentar o PIB – observando-se o potencial energético dos recursos que o país já explora e vai explorar, a produção estimada acumulada até 2050 será de quase 280 bilhões de tep (tonelada equivalente de petróleo) e a demanda, pouco menos de 15 bilhões de tep.
A segunda grande novidade é que, dos 280 bilhões de tep entre 2015 e 2050, apenas 21,5 bilhões (ou 7,67% do total) têm como fonte recursos não renováveis. O restante – produção média anual de 7,4 bilhões de tep – virá de fontes de energia renovável.
Outro dado impressiona: somente a parcela dos recursos mais facilmente acessíveis excede em 60% a demanda de energia até 2050. O grupo com maior facilidade de aproveitamento totaliza, segundo a EPE, pouco mais de 24 bilhões de tep, sendo 11 bilhões em recursos não-renováveis (ver gráfico).
Resumo da ópera: o Brasl voltou a planejar na área energética; energia não será mais um problema daqui em diante; o país está livre, portanto, da necessidade de adotar “mágicas” como o PND II.”
Oferta de Energia exige Planejamento publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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