Dica: assistir o documentário “Explicando o Poder do Voto” sobre o sistema eleitoral norte-americano e o drama-documental sobre o julgamento dos jovens líderes da esquerda no fim dos anos 60 nos EUA: “Os Sete de Chicago“, em inglês Chicago Seven (originalmente Chicago Eight, também Conspiracy Eight / Conspiracy Seven). Foram sete réus — Abbie Hoffman, Jerry Rubin, David Dellinger, Tom Hayden, Rennie Davis, John Froines e Lee Weiner — acusados pelo governo dos Estados Unidos de conspiração, incitação a revolta e outras acusações relacionadas a protestos contraculturais e contra a Guerra do Vietnã ocorridos em Chicago, Illinois, por ocasião da Convenção Nacional Democrata de 1968. As manipulações políticas do Poder Jurídico ocorrem também na “democracia” norte-americana tal como no regime oligárquico brasileiro.
João Feres Júnior fez um levantamento quantitativo e qualitativo do “Cerco Midiático: Lugar da Esquerda na Esfera Publicada”, publicado pela Fundação Ebert Stiftung em outubro de 2020. Para mais informações sobre o tema, acesse: http://www.fes-brasil.org
A análise da cobertura de imprensa, de 2014 até junho de 2020, revela viés expressivo contrário a Dilma, a Lula e ao PT. Temer e Bolsonaro receberam tratamento bem mais benevolente.
Os editoriais têm posicionamento político em tudo idêntico aos artigos e colunas de opinião dos jornais. Os periódicos tentam assim induzir a formação de opinião a favor de seus interesses ao representarem um debate de ideias espelhado em tudo nas opiniões dos editorialistas.
O início da Pandemia marcou a virada do tratamento crítico dos jornais em relação a Bolsonaro, porém, mantiveram cobertura positiva em relação aos ministros Paulo Guedes e Sergio Moro.
A metáfora do cerco midiático permite representar a inclusão do PT no noticiário como objeto de derrogação, destituído de voz, ao longo dos anos do partido no poder. Ela também serve para descrever a exclusão do partido e de figuras como Haddad, sejam como objeto da notícia ou portadores de voz, ao longo dos governos Temer e Bolsonaro.
A data do afastamento de Dilma marca uma inflexão na cobertura do Governo Federal nos grandes jornais, de massacrante negatividade para predominância de neutralidade.
Dilma não obteve qualquer lua de mel da imprensa – no seu primeiro mês do segundo mandato, a cobertura negativa triplicou. Já Michel Temer foi premiado com uma lua de mel de um ano de duração, a despeito dos escândalos de corrupção em seu governo e da crise econômica que se abatia sobre o país.
Desde a eleição de 2018, os grandes jornais adotam uma retórica da equivalência em seus editoriais, segunda a qual “Jair Bolsonaro e seus seguidores representariam uma ameaça à democracia comparável a Lula e ao PT”.
Suas conclusões são as seguintes.
O presente estudo tem a função de fornecer um diagnóstico acerca do lugar da esquerda brasileira, mormente do PT e de algumas de suas figuras políticas mais importantes, na cobertura da grande imprensa.
Por meio da metáfora do cerco mostrou como a grande mídia utiliza de estratégias diferentes de representação para quase invariavelmente apresentar a esquerda, seus adeptos e suas ideias de maneira desfavorável. Entre tais estratégias está:
- a inclusão intensiva no noticiário, mas somente como objeto de detração, não como voz, e
- a exclusão como objeto e voz.
Quando governo, o PT era noticiado segundo a primeira estratégia. Depois de apeado do poder, a estratégia de dupla exclusão passa a vigorar.
Mostrou também a retórica da equivalência. Ao representar um partido de centro-esquerda por 13 anos à frente da presidência do país com respeito diligente das instituições democráticas, como fosse um bando de radicais ameaçador da democracia, comete o equivalente ao fake news.
Na verdade, a coleção de escândalos fabricados pela grande imprensa brasileira em períodos eleitorais e extra-eleitorais, já estudados em outro texto (Feres Júnior & Sassara, 2016), é passível de ser tomado como uma forma de fake news precedente ao advento das redes sociais. A cobertura do sequestro de Abílio Diniz, em 1989, inaugura essa triste “tradição” da imprensa tupiniquim. Mesmo a edição feita pelo Jornal Nacional do debate entre Lula e Collor, naquele mesmo pleito, também produziu um falseamento da realidade em tudo similar ao fake news.
João Feres Júnior explorou apenas uma pequena parcela dos dados disponíveis na base do Manchetômetro. Há muitas outras maneiras de mostrar esse viés midiático, comparando com outros atores políticos, filtrando diferentes tipos de texto, escolhendo períodos, focando em eventos etc.
O pessoal do Manchetômetro, entre os quais o autor, tem feito isso em várias oportunidades. O resultado, contudo, não difere do enorme desalento constatado nesse levantamento.
Wished it away! Essa expressão em inglês captura bem a atitude da maior parte da esquerda brasileira e, particularmente, o PT em relação ao problema da comunicação e formação de opinião política em nosso país.
Muitos diziam: “a grande imprensa não ganha mais eleições no Brasil”, usando para tal conclusão os exemplos das seguidas vitórias do PT em pleitos presidenciais. Outros acreditavam as redes sociais promover a democratização da informação política, ou mais ainda, propiciar finalmente o advento da democracia participativa e deliberativa, dissolvendo o poder das grandes empresas de mídia e, nesse movimento, o poder do capital de influenciar a formação de opinião.
Mas nada disso aconteceu. Não adiantou olhar para o outro lado à espera de o mal passar. As grandes empresas de jornalismo continuam a oligopolizar a produção de informação política em nosso país.
Elas continuam todas concentradas no mesmo espaço do espectro político-ideológico da centro-direita à direita. Elas continuam religiosamente comprometidas com a defesa do neoliberalismo e dos interesses dos capitais financeiro e agroexportador, em prejuízo dos setores mais desprivilegiados de nossa sociedade.
E, mais importante, elas continuam fervorosamente anti-esquerda e antipetistas. Se a esquerda algum dia reganhar o poder no Brasil, vai ter que virar a face e encarar esse bicho-papão de frente.
Mas não é recomendável esperar esse advento, pois o problema da politização da mídia nacional não é simplesmente partidário ou mesmo da esquerda. Resolvê-lo, ou pelo menos mitigar suas consequências, é tarefa urgente imposta a todos cidadãos com anseio por uma democracia verdadeira em nosso país.
Não há democracia possível sem debate democrático e não há debate democrático quando os cidadãos e cidadãs são informados de maneira defectiva e tendenciosa. A manipulação do noticiário pode ser entendida inclusive como crime eleitoral, como João Feres Júnior já argumentou, em outra ocasião, e fere centralmente a isonomia dos direitos políticos.
A solução para esse estado de alta politização “partidária” da comunicação no Brasil é complexa, pois deve ser concebida levando em conta tanto as necessidades comunicacionais de uma democracia saudável quanto a tática política para atendê-las. Essas necessidades devem ser pensadas do ponto de vista do partido, do governo e da sociedade civil como um todo – cada instância tem suas especificidades e funções dentro de uma democracia real.
Abaixo, elenco algumas questões fundamentais para avançar em direção a uma democracia mais sólida do ponto de vista da comunicação:
– Um partido democrático não pode pensar a questão da comunicação de maneira instrumental. É preciso sua direção e instâncias reconhecerem o valor do pluralismo de ideias tanto interno quanto externo ao partido.
– É preciso reconhecer a questão da comunicação ser fundamental para a democracia e não um “problema” surgido somente em períodos eleitorais.
– Se no passado a esquerda tinha de lidar com o constante viés negativo da grande imprensa, hoje há dois problemas: as redes sociais e a grande imprensa. É preciso reconhecer seus diferentes papéis na comunicação política democrática e traçar estratégias específicas para cada uma dessas esferas.
– As estratégias para se avançar em ambos os campos são necessariamente diferentes.
– A democratização da produção de conteúdo informativo, hoje ainda oligopolizado pela grande imprensa, requer um esforço de concertação com outras forças democráticas e a constituição de estruturas institucionais fora dos partidos de esquerda.
– O ticket de entrada no mercado da grande imprensa é altíssimo e somente uma solução coletiva de envergadura pode tornar viável um grande meio de comunicação democrático no Brasil.
– Para esse projeto ser viável é preciso o engajamento das principais figuras públicas da esquerda e centro-esquerda brasileira, incluindo políticos, artistas, publicistas e outras celebridades. A batalha pela comunicação democrática poderia se tornar uma campanha cívica de modo a dar largada e, ao mesmo tempo, servir de suporte para um processo de renovação democrática do país.
Download do documento:
Formação da Opinião Pública contra o PT, Lula e Dilma publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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