quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Mudança Climática e Ciclo de Vida

Leslie Hook (Financial Times, 27/11/2019) informa: as novas instalações solares na China, depois de alcançar 53 gigawatts (GW) em 2017, quando a demanda atingiu o pico, serão cerca de 40% menores este ano.

A Yingli teve seus dias de glória, uma década atrás. As vendas aumentavam, e a empresa gastou milhões com o patrocínio das Copas do Mundo de Futebol de 2010 e 2014. A Yingli foi a maior fabricante de painéis solares do mundo em 2012 e 2013, com exportações para todas as regiões do planeta e celebrada na China como uma gigante nacional. Seu imenso parque industrial em Baoding ainda é uma alusão a esse status, com um espaçoso museu dedicado à história da empresa como pioneira no uso de energia solar.

Hoje, a Yingli está insolvente. Ela não faz pagamentos relativos a suas dívidas desde 2016 e em 2018, foi excluída da Bolsa de Valores de Nova York porque sua capitalização de mercado tinha caído abaixo do limite mínimo de US$ 50 milhões.

A Yingli ainda produz painéis solares, mas suas fábricas operam com prejuízo, e o ativo mais valioso que lhe resta é o terreno onde elas estão. Alguns se perguntam como a Yingli ainda está operando. Analistas acreditam as conexões políticas de seu fundador podem ter ajudado a manter os credores à distância.

A empresa é a vítima mais proeminente de uma mudança na política sentida em todo o setor de energia renovável em um país celebrado antes como o grande defensor mundial da energia limpa. O investimento chinês em energia limpa está despencando: passou de US$ 76 bilhões, no primeiro semestre de 2017, para US$ 29 bilhões no primeiro semestre deste ano.

A preocupação com o impacto da mudança climática nunca foi tão grande. Mas a diferença entre o que os países deveriam fazer e o que estão de fato fazendo – emitindo níveis crescentes de dióxido de carbono – também é grande. Com a saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris, a atenção está cada vez mais voltada para a China.

O país é o mais “verde” do mundo, mas também é o maior poluidor. Tem mais energia eólica e solar do que qualquer outro, mas também é o país que mais constrói novas usinas a carvão no mundo. No ano passado, suas emissões atingiram um recorde e corresponderam a mais da metade do aumento mundial das emissões de dióxido de carbono relacionadas à energia, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). Este ano, as emissões chinesas devem crescer 3% em relação a 2018.

Tudo está em risco para o planeta, porque a economia chinesa é muito maior do que qualquer outra. Mesmo a Europa como um todo produz consideravelmente menos emissões do que a China.

Ele menciona a promessa atual da China, de suas emissões de CO2 atingirem seu ponto máximo até 2030. Esse plano não é nem de longe suficientemente ambicioso. Se isso for tudo o que a China fará, então estamos no caminho do desastre climático. O lobby é para a China adotar uma meta de zerar as emissões líquidas até 2050. Isso é a meta para todos os países com compromissos sob o Acordo de Paris. Todo mundo sempre soube que serão necessários avanços muito significativos para chegarmos ao menos perto da meta de 2o C.

O Acordo de Paris, do qual a China é signatária, se compromete a limitar o aumento do aquecimento global a menos de 2o C. Mas essa meta parece cada vez mais fora de alcance. O mundo está no rumo de um aquecimento de 3o C até o fim deste século, se as tendências atuais se mantiverem. Isso significará o nível do mar subir até 1 metro, o que poria em risco mais de 600 milhões de pessoas habitantes em áreas baixas e costeiras, segundo recente relatório do Painel Intergovernamental das ONU sobre Mudança Climática.

O pacto climático está sob ataque de muitos lados, e os EUA estão saindo dele totalmente por ordem do presidente Donald Trump. A fragmentação do multilateralismo enfraqueceu ainda mais o acordo climático. Ele carece de qualquer mecanismo de execução. A China – cuja atenção está desviada para a desaceleração da economia, a guerra comercial com os EUA e os protestos em Hong Kong – não é a única razão pela qual o planeta está no rumo de mudanças climáticas devastadoras, mas está perto do topo da lista.

O ímpeto geral sobre as questões climáticas e ambientais vem diminuindo na China. A mudança climática se tornou uma prioridade menor para Pequim. Há menos espaço para a agenda verde.

O investimento da China em energia renovável caiu 39% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2018, segundo dados da Bloomberg New Energy Finance. Pequim tirou subsídios para projetos de painéis solares no meio do ano passado e está reduzindo os recursos destinados à energia eólica, causando uma mudança abrupta.

Esta é provavelmente uma fase ruim. A nova política ainda não está em vigor, e a política antiga de subsídios foi interrompida.

Cinco anos atrás, quando o país crescia de forma robusta, Pequim via políticas ambientais mais fortes como o cerne de sua transformação econômica, com o abandono do modelo baseado na indústria pesada, de alto consumo energético. Hoje, com o crescimento da economia no ritmo mais lento desde os anos 90, isso mudou.

A maior prioridade política na China é tentar estabilizar a economia. Qualquer outra coisa, incluindo a proteção ambiental, especialmente as mudanças climáticas, terá de ceder espaço a essas prioridades políticas.

No papel, as metas climáticas da China não mudaram: Pequim prometeu suas emissões de dióxido de carbono atingirem o limite máximo até 2030 e estabeleceu até essa data extrair 20% de sua energia primária de fontes não fósseis. Contudo, essa promessa permitiria à China continuar a aumentar suas emissões ao longo da próxima década, com implicações devastadoras para o planeta.

Seus investimentos na Iniciativa do Cinturão e da Rota, na qual os bancos estatais destinaram mais de US$ 30 bilhões para a construção de usinas a carvão em outros países, também contribuem para as emissões globais.

A participação da China no Acordo de Paris em 2015 foi anunciada por ativistas como uma grande vitória. Convencer Pequim a estabelecer metas climáticas era uma das principais prioridades dos EUA, sob o governo de Barack Obama. Mas, embutida nas negociações, havia uma expectativa de a China atingir sua meta de emissões muito antes de 2030.

O próximo ano será crucial, pois os países assinantes do Acordo de Paris devem apresentar metas aprimoradas. Porém, os ânimos em Pequim tornam bem menos provável a definição de metas climáticas mais ambiciosas para a China.

A deterioração das relações entre EUA e China – junto com os distúrbios em Hong Kong – ajudou a alimentar um sentimento nacionalista crescente e uma raiva contra o Ocidente.

Um dos alvos dessa ira nacionalista é Greta Thunberg, a ativista adolescente sueca, reverenciada como uma heroína do clima em algumas partes do mundo. Muitos internautas veem Greta como uma representante da agenda liberal ocidental. Há essa perspectiva maior de o Ocidente estar unido contra a China.

Ao mesmo tempo, o carvão parece estar novamente em ascensão. No mês passado, o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, identificou o carvão como uma área prioritária. A China continua a ser o maior produtor do mundo. Muitos veem isso como parte de um movimento de Pequim de priorizar a segurança energética, resultado do temor dos dirigentes chineses com a deterioração das relações com o Ocidente. A preocupação com a segurança energética é uma bênção para o setor de carvão na China.

As autoridades chinesas também estão focadas em manter o custo da energia baixo, para ajudar a estimular a economia. Por isso, a partir de janeiro o governo permitirá flutuações no preço da eletricidade fornecida por usinas a carvão Ele é regulamentado centralmente, e a expectativa é de o preço cair com isso.

Esses fatores agravaram os problemas do setor de energia renovável. Após beneficiá-lo com subsídios generosos por mais de uma década, Pequim cortou o subsídio a painéis solares sem aviso prévio no ano passado. Os pagamentos devidos criaram um déficit de cerca de 200 bilhões de yuans (US$ 28 bilhões) no fundo de desenvolvimento de energia renovável, que faz a distribuição dos subsídios.

Os subsídios contribuíram para um surto de produtos baseados em energia solar e superou as expectativas do governo, o que provocou o corte repentino.

Agora as cartas estão marcadas a favor do carvão. As novas políticas para energia renovável estão focadas na paridade da rede: só desenvolver projetos de energia eólica e solar capazes de competir com o preço do carvão. Essa competição pode se tornar desafiadora com a queda dos preços da energia a carvão e a entrada em funcionamento de uma série de novas usinas elétricas a carvão. O setor de energia eólica viveu uma onda de projetos neste ano, com as construtoras tentando capturar o que resta dos subsídios.

A pressão diplomática sobre a China para melhorar suas metas climáticas tem sido pública. Durante uma visita de Estado do presidente francês, Emmanuel Macron, no início deste mês, os dois lados divulgaram uma declaração conjunta onde diziam que o Acordo de Paris é “irreversível” e prometiam novas metas.

Autoridades chinesas criticam essa pressão, porque a China provavelmente vai superar as atuais metas climáticas, ainda não adotando novos objetivos oficialmente. Agora, os EUA se retiraram do Acordo de Paris e toda a resposta mundial à mudança climática está mudando.

A China alcançou, e superou em muito, a maioria de suas metas climáticas anteriores. O compromisso de reduzir a intensidade de carbono – a quantidade de carbono produzida por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) – entre 40% e 50% até 2020, em comparação com os níveis de 2005, foi alcançada três anos antes. O país também superou suas metas de instalações de painéis solares, embora esse crescimento descontrolado tenha levado ao déficit nos subsídios.

Por muitos anos, a ação contra as mudanças climáticas era a única área onde Pequim e as capitais ocidentais costumavam concordar. Até os políticos ocidentais mais linha-dura consideravam o histórico da China com relação ao clima como um exemplo.

Mas isso pode estar mudando. Com certeza isso vai azedar se a China não avançar rapidamente na direção certa. Agora simplesmente existe “menos margem de manobra” em termos de emissões globais. Não temos condições de fazer o que precisamos fazer, se a China não estiver fazendo bastante.

Estamos entrando em um mundo novo agora… Não é só um senso de urgência, é a matemática. Faça as contas e você verá se estamos fazendo o suficiente. O Acordo de Paris vai subir e cair, no nível da vontade política dos países participantes. Isso sempre foi verdade. O problema é existir uma falta de vontade política em praticamente todos os países, em comparação com o necessário.

Mudança Climática e Ciclo de Vida publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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