segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Debate para Construção de Conhecimento e não para Destruição do Interlocutor

Beatriz Montesanti e Tatiana Dias publicaram no NEXO, em 27 de dezembro de 2016, uma entrevista com Walter Carnielli, Professor de Lógica na UNICAMP. Ele explica como manter uma discussão respeitosa e produtiva nesse tempo de discurso de ódio mútuo.

Não é fácil vencer uma discussão. Especialmente em um contexto inflamado, onde as opiniões se polarizam, notícias falsas se proliferam, debatedores recorrem a ofensas e sarcasmo. Festas de fim de ano criam ambientes propícios para a briga.

Uma boa discussão, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, não serve para a disputa. Serve, sim, para a construção do conhecimento. Nesse sentido, saber sustentar uma boa argumentação é fundamental.

“Um argumento é uma ‘viagem lógica’”, diz Walter Carnielli, matemático, Professor de Lógica na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de “Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação” (Editora Rideel), livro escrito em parceria com o matemático americano Richard L. Epstein.

Para Carnielli, os brasileiros têm uma “péssima educação argumentativa”. Confundimos discussão com briga e não sabemos lidar bem com críticas. Mas há técnicas capazes de ajudar na construção de bons argumentos – e também a evitar armadilhas comuns em uma discussão, como o uso de falácias.

Entre elas está, por exemplo, a busca por entender o ponto de vista oposto, ajudando, inclusive, o opositor na construção do próprio argumento. Nesta entrevista ao Nexo, o professor explica algumas delas:

O que é considerado um mau argumento?

WALTER CARNIELLI: Um argumento é uma ‘viagem lógica’. Vai das premissas à conclusão. Conforme a definição dada no nosso livro, um bom argumento é aquele onde há boas razões para:

  1. as premissas serem verdadeiras, e, para além disso,
  2. as premissas apresentam boas razões para suportar ou apoiar a conclusão.

As premissas apresentadas devem ser precisas e verdadeiras. Devem produzir uma razão para se pensar a conclusão ser verdadeira. Desse modo, há duas maneiras pelas quais um argumento pode falhar, ou ser um mau argumento:

  1. Se as premissas forem falsas.
  2. Se as premissas não apoiam a conclusão.

Em geral as pessoas erram mais na parte 2. Parece mais difícil decidir se as premissas apoiam ou suportam a conclusão em lugar de verificar se elas são verdadeiras ou falsas.

Como desmontar um mau argumento de forma respeitosa e produtiva?

WALTER CARNIELLI: Existe um princípio metodológico importante na argumentação que é o Princípio da Acomodação Racional, também conhecido como Princípio da Caridade. Ele foi tratado por filósofos de peso como Willard Van Orman Quine e Donald Davidson.

O princípio exige tentar entender o ponto de vista do oponente em sua forma mais forte e persuasiva antes de submeter sua visão à nossa avaliação. Dessa forma, devemos primeiro fazer todos os esforços para esclarecer as premissas e a conclusão do oponente, inclusive ajudando-o a reparar os pontos fracos.

Só então, após essa atitude respeitosa, devemos gentilmente apontar a ela ou a ele onde suas premissas são falhas ou duvidosas. Ele verá porque tais premissas não apoiam sua conclusão.

O Princípio da Acomodação Racional impõe interpretarmos as afirmações dos outros de forma a maximizar a verdade ou racionalidade do adversário, tanto quanto isso seja possível. É a maneira mais respeitosa e produtiva de manter uma discussão honesta.

Quais são as falácias mais recorrentes?

WALTER CARNIELLI:  Nós, brasileiros, temos uma péssima educação argumentativa: confundimos discussão com briga. Vemos as críticas como inveja, falta de amizade, falta de amor etc. Pior ainda: quando começa uma discussão, muitas vezes vem o seguinte: ‘tenho o direito de ter minha opinião’, seja sobre o criacionismo, o governo, a política ou a pena de morte.

Todos têm o direito de manter sua opinião, mas opinião não é argumento. A democracia também é feita de opiniões. Ninguém precisa argumentar para votar no candidato preferido, basta manifestar sua opinião nas urnas. Mas quando o candidato quer nos convencer, ou quando queremos convencer os outros sobre nossa posição política, nossas crenças não bastam.

Fora esta falácia estrutural tremenda, reveladora da pessoa sequer sabe o que é um argumento, algumas das falácias mais comuns são:

Ad Hominem: quando se ataca a pessoa, não o argumento. Por exemplo: “o médico me recomendou parar de fumar. Mas ele fuma!”

Falso dilema: quando se exageram os dois lados de uma questão, não deixando lugar para nuances ou meio-termo. Por exemplo: “você é a favor do aborto? Então você apoia o assassinato de crianças”.

Post hoc ergo propter hoc: “depois disso, portanto por causa disso”. Por exemplo: “Hitler era vegetariano, e veja no que deu’”.

Inverter o ônus da prova: por exemplo, “os OVNIs existem. Prove o contrário’.” Ora, como provar o inexistente pelo incrédulo?!

Falsa analogia: por exemplo, tentar comparar casamento homossexual com legalização da pedofilia.

Por que tanta gente recorre às falácias?

WALTER CARNIELLI: Há centenas de falácias conhecidas e estudadas, mas a lista é potencialmente infinita. Há falácias lógicas, falácias estruturais, falácias de analogia, falácias emocionais, etc.

Uma falácia é um mau argumento impossível de ser reparado. As pessoas gostam das falácias com rótulos em latim. Elas soam poderosas. Supostamente, são usadas por advogados para impressionar o oponente.

Quão relevante é a lógica formal, dado o fato de pesquisas sugerirem os mecanismos utilizados para formar opiniões não serem racionais?

WALTER CARNIELLI:  Primeiramente, crenças não são argumentos, embora possam influir neles. Os mecanismos para formar opiniões podem não ser racionais, mas até nesse ponto a investigação lógica é essencial.

Por exemplo, existe uma racionalidade de como revisar suas próprias crenças. A Teoria de Revisão de Crenças é essencial para computação teórica, por exemplo. Como podemos ‘explicar’ a um computador como ele deve rearranjar seus dados frente a novas informações?

Ainda mais, as pessoas podem:

  1. manter crenças verdadeiras por razões irracionais, ou
  2. manter crenças falsas por decisões racionais.

 

Some-se a tudo isso o fato de o conhecimento ser tradicionalmente visto como um tipo especial de crença. Logo, o problema das contradições na razão é também um importante tema da Lógica.

 

A Lógica Formal e a Informal presente na linguagem comum, não utilizando nenhum tipo de técnica para ser apresentada, ambas são importantíssimas para se investigar a razão humana.

Debate para Construção de Conhecimento e não para Destruição do Interlocutor publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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