terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Crítico da Austeridade Martín Guzmán (discípulo de Joseph Stiglitz) nomeado ministro da Economia da Argentina: o Anti-Guedes

Rana Foroohar (Financial Times 17/12/2019) avalia: uma das principais lições econômicas dos últimos dez anos é a de que a austeridade não funciona. Como a Grécia e vários outros países descobriram, não dá para gerar crescimento quando tanto o setor privado quanto o setor público cortam gastos. Essa matemática simplesmente não funciona.

Mas, enquanto os políticos e a opinião pública, em grande medida, abraçaram essa noção, o mesmo não aconteceu com os formuladores de política econômica e os mercados financeiros até agora.

A nomeação, na semana passada, do crítico da austeridade Martín Guzmán para o cargo de ministro da Economia da Argentina e a subsequente estabilização dos preços dos bônus argentinos e do peso marcam um importante ponto de inflexão na ortodoxia atual sobre como reparar países em situação falimentar. Marcam também um passo a mais na guinada econômica mais importante da nossa época: a transição de uma Era de Acumulação de Riqueza, iniciada na década de 80 com o neoliberalismo, para a Era de Distribuição de Riqueza.

À primeira vista, pode parecer o otimismo do mercado em torno de Guzmán não fazer qualquer sentido. Afinal, ele é uma pessoa defensora de regras capazes de dificultara os pagamentos a alguns credores (no curto prazo) internacionais.

Economista da Universidade Columbia e protégé de Joseph Stiglitz, laureado com o prêmio Nobel e crítico do FMI, Guzmán entende que países em dificuldades precisam de espaço para respirar a fim de crescer. Se estiverem presos a programas pouco realistas de pagamento da dívidas, terão maior probabilidade de dar um novo default. Ele coeditou, ao lado de seu mentor, um livro em que ambos argumentam que a reestruturação da dívida soberana tende a vir tarde demais, e ser tímida demais, e que é por isso que mais de metade delas são seguidas por mais uma reestruturação ou mais um calote num período de três a sete anos.

Se Guzmán conseguir o que pretende, será muito mais difícil para investidores como Paul Singer caírem de paraquedas e computar um retorno de 1.270% sobre a dívida de países em dificuldade financeira. Ele extraiu esse lucro em 2016 após uma batalha judicial de 14 anos com a Argentina, que superou de longe os ganhos de detentores de 92% dos bônus do país que tinham pactuado um acordo menos lucrativo.

Guzmán defende um tribunal internacional de falências de modo a tornar impossível a “credores aventureiros” o emprego da arbitragem judicial para furar a fila dos que têm a receber e pressionar países à custa tanto dos demais detentores de títulos quanto das populações nacionais assediadas por problemas.

Essa é uma mudança importante de pensamento. A maneira convencional de lidar com crises soberanas nos últimos 40 anos, tal como praticada pelo FMI e o Banco Mundial, tem sido priorizar os interesses dos credores privados em detrimento dos de quaisquer outras pessoas, inclusive dos cidadãos concretos.

Mas essa estratégia tende a levar a situações como a que testemunhamos na Grécia, onde os esforços em tornar a dívida mais “sustentável” resultaram em uma queda de 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso não só reduz a probabilidade de pagamento da dívida como cria polarização política que aumenta ainda mais a distância entre os interesses dos políticos e os dos credores.

Até agora existe uma enorme divisão entre aqueles que acreditam em “disciplina fiscal” e os tipos mais progressistas em termos de políticas, que querem reconhecer a dolorosa realidade que a austeridade pode criar para os cidadãos comuns.

Guzmán pode, na verdade, ser capaz de criar uma ponte. “O que acontece com Martín é que ele é fantástico com modelos matemáticos e grandes teorias [do tipo que economistas ortodoxos e mercados amam], mas ele também está interessado em mudar as coisas no mundo real”, diz Stiglitz. De fato, nos últimos anos, ele tem dividido seu tempo entre a vida acadêmica em Nova York e a realidade mais desordenada da Argentina.

Isso também representa um importante reequilíbrio. Por demasiado tempo a profissão econômica teve inveja da física, e recompensou e promoveu pessoas que são melhores em matemática do que em princípios morais. Mas a diferença entre a torre de marfim e o mundo real levou a profissão a se perder.

Assim, grande parte do senso comum neoliberal dos últimos 40 anos parte de um tipo de perfeição de mercado que nunca existiu realmente. As crises da dívida são confusas, e assumir uma única verdade narrativa sobre a melhor maneira de lidar com nações “gastadoras” e crises de crédito é tomar decisões políticas que, no final, deixarão todos mais pobres.

Graças a invenções como o Colisor de Hádrons, os físicos agora são capazes de ver como suas teorias se desenvolvem no mundo real. Martín Guzmán terá uma chance semelhante, na Argentina, de mostrar ao mundo se uma abordagem econômica mais heterodoxa pode funcionar. Ele já se movimenta rapidamente para tentar resolver as negociações da dívida, para que o país possa voltar a crescer, que é o único resultado que lhe permitirá pagar seus credores.

Esse caminho não só leva a economia para a direção certa, como também leva nossa compreensão sobre a economia política (e ressalto a palavra política) na direção certa. Eventos reais não acontecem em uma caixa preta. No mundo real, existem ramificações reais – econômicas e políticas – quando se deixa os credores ficarem na frente dos aposentados.

Obviamente, países fortemente endividados, como a Argentina, não podem ter tudo o que querem. Mas o setor privado também não. É um equilíbrio pendular necessário. Hoje há mais dívidas no mundo do que existiam antes da crise financeira de 2008. O que acontece é que agora os governos são responsáveis por uma parte muito maior delas. Ajudá-los a encontrar uma maneira melhor de pagá-las será do interesse de todos.

Crítico da Austeridade Martín Guzmán (discípulo de Joseph Stiglitz) nomeado ministro da Economia da Argentina: o Anti-Guedes publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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