sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Capital e Dívida: a Natureza e a Função do Crédito

A noção fundamental de Joseph Schumpeter, em seu livro “Teoria do Desenvolvimento Econômico” (original publicado em 1911), de a essência do desenvolvimento econômico consistir em um emprego diferente dos serviços existentes do trabalho e da terra nos leva à declaração de a realização de combinações novas ter lugar mediante a retirada de serviços do trabalho e da terra de seus empregos anteriores.

Com relação a toda forma de economia onde o líder não tenha nenhum poder direto de dispor desses serviços, isso o leva novamente a duas heresias:

  1. a heresia do dinheiro,
  2. a heresia de também outros meios de pagamento desempenharem uma função essencial, daí os processos em termos de meios de pagamento não serem meramente reflexos dos processos em termos de bens.

Em todos os estilos possíveis, com rara unanimidade, até com impaciência e indignação moral e intelectual, uma linha muito longa de teóricos da Economia, inclusive os atuais da literatura de “financeirização”, nos assegurou o contrário.

A Economia, quase na época quando se tornou uma ciência, resistiu continuamente aos erros populares entre economistas leigos na área de Finanças, ligados ao fenômeno do dinheiro — muito corretamente. Esse foi um de seus serviços fundamentais.

Quem quer seja capaz de meditar com racionalidade – e não ideologia religiosa apriorística a respeito de “banqueiros” ou “rentistas” – sobre o que foi dito por Schumpeter, convencer-se-á facilmente de nenhum desses erros analíticos se manterem em sua obra.

Se alguém fosse dizer o dinheiro ser apenas um meio para facilitar a circulação dos bens e nenhum fenômeno importante estar ligado a ele, isso seria falso. Se alguém criasse a partir daí uma objeção contra o raciocínio schumpeteriano, então seria refutado imediatamente por sua prova de, em sua Teoria do Desenvolvimento Econômico, um emprego diferente do potencial produtivo do sistema não pode ser alcançado de outro modo senão por alteração no poder relativo de compra dos indivíduos.

Em princípio, não é possível o empréstimo dos serviços do trabalho e da terra pelos trabalhadores e proprietários da terra. Nem pode o próprio empresário tomar emprestado meios de produção produzidos.

No fluxo circular, não haveria estoques ociosos para as necessidades do empresário. Se em um lugar ou outro porventura existirem exatamente os meios de produção produzidos necessitados pelo empresário, então é claro reste pode comprá-los. Para isso, contudo, precisa de poder de compra.

Mas não pode simplesmente tomá-los emprestados, pois são necessários para os propósitos para os quais foram produzidos e o possuidor não pode e não quer esperar pelo seu retorno — quando o empresário pode realmente devolver-lhe, mas apenas mais tarde — e também não pode e não quer arcar com nenhum risco.

Se, não obstante, alguém o faz, então ocorrem duas transações, uma compra e uma extensão do crédito. Ambas não são apenas duas partes legalmente distintas de um mesmo processo econômico, mas dois processos econômicos muito diferentes, a cada um dos quais correspondem fenômenos econômicos muito diferentes.

Finalmente, o empresário também não pode “adiantar” bens de consumo a trabalhadores e senhores de terra, simplesmente porque não os tem. Se os comprar, precisa de poder de compra para esse propósito. Não se pode passar por cima desse ponto, porque se trata sempre de retirar bens do fluxo circular.

Com relação ao empréstimo de bens de consumo, vale o mesmo que em relação ao empréstimo de meios de produção produzidos. Não afirma com isso Schumpeter, pois, nada de misterioso ou estranho.

São criados no sistema econômico meios de pagamento em sua forma externa. São representados como meros direitos a dinheiro, mas diferindo essencialmente de direitos a outros bens, por desempenharem exatamente o mesmo serviço — ao menos temporariamente — em relação ao próprio bem em questão, de modo de poderem, em certas circunstâncias, tomar-lhe o lugar.

Não apenas isso é reconhecido na literatura sobre o dinheiro e as transações bancárias, como também na teoria, no sentido mais estrito. Isso pode ser visto em qualquer compêndio.

Os problemas cuja discussão tiveram mais relação com o reconhecimento do fato foram as questões do conceito e do valor do dinheiro. Quando a Teoria Quantitativa da Moeda montou a sua fórmula para o valor do dinheiro, a crítica, primeiro, agarrou-se ao fato dos outros meios de pagamento. É também bastante sabido a velha questão de esses meios de pagamento, mais especialmente os créditos bancários, serem dinheiro foi respondida afirmativamente por muitos dos melhores autores. Mas é suficiente ter sido colocada.

De qualquer modo, o fato de interesse para Schumpeter foi reconhecido sem exceção. Sempre tem sido explicado também, em maior ou menor detalhe, como e em que forma é tecnicamente possível.

Não pode haver dúvida de esses meios de circulação passam a existir no processo de concessão de crédito e são criados especialmente — desprezando-se os casos onde há apenas uma questão de evitar o transporte de dinheiro metálico — com o propósito de conceder crédito. Um banco é “um negócio cujo rendimento deriva principalmente do empréstimo de suas promessas de pagamento”.

Em princípio, ninguém além do empresário precisa de crédito — ou o corolário, mas de imediato uma afirmação muito menos estranha, de o crédito servir ao desenvolvimento industrial. O empresário — em princípio e via de regra — não precisa de crédito, no sentido de uma transferência temporária para ele de poder de compra, para produzir, para ser capaz de realizar suas combinações novas, para tornar-se empresário.

Esse poder de compra não flui automaticamente para ele, como para o produtor do fluxo circular, pela venda do produzido em períodos precedentes. Se por acaso ele não o possuir — e se o possuísse isso seria simplesmente consequência de desenvolvimento anterior — deve tomá-lo emprestado. Se ele não o conseguir, então obviamente não pode tornar-se empresário. Nisso não há nada de fictício. É meramente a formulação de fatos geralmente conhecidos. Ele só pode tornar-se empresário ao tornar-se previamente um devedor.

Torna-se um devedor em consequência da lógica do processo de desenvolvimento. Sua conversão em devedor surge da necessidade do caso e não é algo anormal, um evento acidental a ser explicado por circunstâncias particulares.

O que ele quer primeiro é crédito. Antes de requerer qualquer espécie de bens, requer poder de compra. É o devedor típico na sociedade capitalista!

A argumentação deve ser completada agora com a prova negativa de o mesmo não pode ser dito de qualquer outro tipo e de ninguém ser mais devedor pela natureza de sua função econômica. Evidentemente há na realidade muitos outros motivos para tomar ou conceder empréstimos. Mas a questão é a concessão de crédito não aparecer então como um elemento essencial do processo econômico.

Como o Estado, em certas circunstâncias, pode imprimir notas sem nenhum limite determinável, assim também os bancos poderiam fazer o mesmo, se o Estado — pois se trata disso — lhes transferisse o direito no interesse e para os propósitos deles. Aí seria necessário o senso comum de economistas adeptos da ultrapassada Teoria Quantitativa da Moeda não os impedir.

A concessão de crédito e a criação de poder de compra para a realização de novas combinações remunerativas no nível vigente de preços nada tem a ver com o significado, a natureza e a origem da criação de poder de compra empresarial em geral.

Schumpeter enfatiza isso expressamente porque a tese concernente ao poder ilimitado de terem os bancos em conjunto de criar meios de circulação tornou-se um ponto de ataque e um motivo para a rejeição da nova Teoria do Crédito. Essas críticas estão fora do contexto na qual se encontra o crédito para o desenvolvimento.

Capital e Dívida: a Natureza e a Função do Crédito publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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