quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Ascensão e Queda da Argentina

Carlos Luque é professor da FEA- USP e presidente da Fipe. Simão Silber é professor da FEA-USP. Roberto Zagha foi professor assistente na FEA-USP nos anos 1970 e no Banco Mundial a partir de 1980, onde encerrou a carreira em 2012 como Secretário da Comissão sobre o Crescimento e o Desenvolvimento, e diretor para a Índia. Publicaram uma trilogia de artigos (Valor, 5/6/9.12.19) sobre o retrocesso secular da Argentina. Sim, a nação vizinha teve um retrocesso histórico como o Brasil parece ter entrado em 1980 com o neoliberalismo.

Lá como cá, um governo neoliberal acreditou na teoria de contração fiscal expansionista, arrocho monetário, contração do papel do setor público e reformas do lado da oferta. A economia estava com desemprego alto e a prioridade deveria ter sido estimular a demanda agregada. Mas mentes neocolonizadas como a do Guedes não sabem pensar fora do enquadramento mental neoliberal.

“Keynes: “São ideias, não interesses de classe, fazendo a diferença entre o bem e o mal”. Ideias, crenças e convicções definem quem somos. Nos dão a compreensão que temos do mundo. São dificilmente abandonadas.

Daniel Kahneman, psicólogo, um dos raros não economistas a receber o prêmio Nobel de Economia (2002), estudou como crenças afetam nosso comportamento e podem chegar a negar a realidade. É um perigo na condução de políticas econômicas.

A Argentina ilustra este perigo: é o único país, tendo atingido uma renda per capita das mais altas do mundo no começo do século XX, ter regredido à condição de país em desenvolvimento. Está novamente em crise: queda do PIB, desemprego, inflação, desindustrialização, dívida externa, pobreza. De crise em crise o país foi perdendo fôlego e capacidade de crescer.

Austeridade fiscal, desmantelamento do setor público, enfraquecimento dos direitos trabalhistas, desregulação do setor financeiro, abertura ao capital externo sem limites, liberalização das importações, passaram a ser sinônimos de boa gestão da economia sob o modo neoliberal. Comprovadamente, é um fracasso histórico! Mas ainda dá muito palco na “grande imprensa brasileira” para economistas charlatões.

Três artigos dos economistas desenvolvimentistas explicaram o passado da Argentina, sua crise presente e as lições para o futuro. Reproduzo-os abaixo para leitura em sequência de todos eles.

No começo dos 1900, graças à agricultura e amplo investimento externo que a integrou na economia mundial, a Argentina foi um dos países mais ricos do mundo. A Guerra Mundial de 1914 e a Crise de 1929 puseram fim aos anos dourados. Ambos derrubaram os preços de produtos agrícolas e da pecuária e o investimento externo.

A prosperidade continuou, mas estes dois choques interromperam a trajetória. O mundo tinha mudado; a Argentina manteve a mesma estratégia de inserção internacional. Não houve tentativa consistente e duradoura de diversificar a economia e torná-la menos dependente da agricultura e do capital externo. Houve ciclos curtos de crescimento, mas a tendência foi de desaceleração e gradualmente a Argentina foi se distanciando do grupo dos países afluentes.

O peronismo (1943-1955) foi uma exceção: tentou uma estratégia de diversificação, redução da dependência no capital externo e retomada do crescimento. Trouxe melhoras às camadas de renda mais baixas, um programa maciço de infraestrutura, industrialização, zerou a dívida externa e reverteu parte do atraso em relação às economias mais adiantadas.

Ao mesmo tempo, métodos contraproducentes de gestão da economia fizeram com que o progresso não pudesse ser mantido. A elevada proteção criou uma indústria pouco competitiva. A tributação excessiva da agricultura tornou um dos maiores exportadores mundiais em importador de cereais. Regulações inibindo a iniciativa privada, imprudências fiscais e nacionalizações indiscriminadas esgotaram a capacidade de crescimento do país. No começo dos anos 1950 tentou-se corrigir estes erros, mas era tarde.

O peronismo chegou a um fim abrupto em 1955. Ainda assim a renda per capita do argentino aumentou 21% entre 1943 e 1955, uma taxa de crescimento de 1,6% ao ano. Baixa em relação ao passado. Alta em relação ao que viria.

O maior custo foi que a partir deste período a ortodoxia passou a dominar a reflexão econômica. Medidas combatendo a influência do governo passaram a ser boas em si.

Os governos pós 1955, inclusive peronistas, democraticamente eleitos ou ditaduras militares, apoiados pelo FMI e capital externo, passaram a acreditar na falsa dicotomia de mercado versus governo.

Passaram a ser sinônimos de boa gestão [ortodoxa] da economia:

  1. austeridade fiscal,
  2. desmantelamento do setor público,
  3. enfraquecimento dos direitos trabalhistas,
  4. desregulação do setor financeiro,
  5. abertura ao capital externo sem restrições,
  6. liberalização rápida das importações.

Quando estas políticas não deram os resultados esperados a conclusão foi que era preciso fazer “mais”: mais austeridade fiscal e monetária, mais enfraquecimento dos direitos trabalhistas, mais abertura, mais liberalização financeira. Resumindo a situação, em 2002, no meio da pior crise econômica da história do país, a vice- diretora do FMI usou as palavras de R. L. Stevenson: “Foi bem intencionado, tentou um pouco, fracassou bastante”.

Nos turbulentos 60 anos em seguida 1955, esta forma de pensar foi posta em prática em três episódios. O primeiro começa em 1976 (1976-83): um golpe militar muda a gestão de uma economia sofrendo quedas modestas do PIB e inflação. O novo governo:

  1. reduziu proteções alfandegárias sem dar tempo de ajuste à indústria,
  2. congelou salários,
  3. enfraqueceu os sindicatos,
  4. abriu a economia ao capital externo,
  5. liberalizou o sistema financeiro,
  6. cortou gastos públicos nos primeiros anos,
  7. aumentou a taxa de juros, e
  8. apreciou a moeda nacional para conter a inflação o que, junto com a redução das barreiras alfandegárias, levou a uma crise profunda na indústria.

Quando os militares perderam o poder e o país retornou à democracia em 1983:

  1. a renda per capita tinha caído 8% em relação ao nível de 1976,
  2. a dívida externa tinha passado de US$ 9 bilhões em 1976 a US$ 46 bilhões em 1983,
  3. a indústria, 39% do PIB em 1976, caiu a 30% em 1983 (13% atualmente).

O retorno à democracia não foi fácil. Os anos 1983-89 foram de hiperinflação e descontrole, acordos e desacordos com o FMI e mais quedas do PIB. A renda per capita do Argentino em 1989 estava 12% abaixo de seu nível em 1976.

O segundo episódio (1989-2002) começa em 1989 quando um novo governo anunciou um programa de choque consistindo de ajuste fiscal, abertura, privatizações em grande escala, reforma trabalhista e, em 1992, introdução de uma reforma monetária na qual a taxa de câmbio em relação ao dólar americano era fixada por lei. Apoiado pelo FMI e capital estrangeiro o programa deu bons resultados no início, mas devido à impossibilidade de depreciação cambial, acabou em catástrofe em 2001-02 quando o PIB caiu 15%, a inflação atingiu dois dígitos, a Argentina abandonou a convertibilidade, o capital fugiu, realimentando a inflação.

Uma recessão grave e consequente perda de receita tributária, agravada pelo custo de 3% do PIB da mudança para um sistema previdenciário de capitalização, levou o governo a passar uma lei proibindo déficits. Cortes de gastos pioram a recessão e reduziram a arrecadação tributária. O país:

  1. perdeu o controle de suas contas fiscais,
  2. não pode mais honrar a dívida externa (US$ 65 bilhões em 1989, US$ 153 bilhões em 2002) e
  3. perdeu acesso ao capital externo.

Em 2002 a renda per capita do argentino estava 10% abaixo de seu nível em 1989.

Vários governos peronistas seguiram-se durante os quais o cancelamento unilateral de uma parte da dívida externa e uma desvalorização forte em 2002 ajudaram o restabelecimento do crescimento: a renda per capita aumentou 2% ao ano durante 2003-2015. Mas velhos vícios voltaram e trouxeram a inflação de volta, a desaceleração do crescimento e o fim do que poderia ter sido uma retomada durável:

  1. apreciação cambial novamente,
  2. controle de preços,
  3. desequilíbrios fiscais.

A última crise argentina começa em dezembro de 2015, quando um novo governo interrompe 14 anos de peronismo. A economia tinha se recuperado da crise de 2001-2, mas depois de ganhos iniciais, o governo peronista não resistiu às tentações de apreciação cambial e indisciplina fiscal. Essas medidas novamente comprometeram a capacidade de crescimento da economia, levando à estagnação e desemprego e à rejeição do partido nas eleições.

Presidido por Mauricio Macri, o novo governo era “popular”. O eleitorado estava cansado do peronismo e dos últimos anos com crescimento baixo, desemprego alto e aumento da pobreza. O governo Macri tomou posse com a promessa de eliminar a pobreza, retomar o crescimento (meta de 11% em 4 anos), reduzir o desemprego e reduzir a inflação. Em 2015 a inflação tinha atingido 26% à custa de congelamento das tarifas dos serviços públicos e câmbio apreciado em mais de 40%.

Ideias conservadoras dominaram o programa econômico:

  1. austeridade fiscal e monetária,
  2. independência do Banco Central (BCA),
  3. regime de metas com metas ambiciosas (inflação de 4-6% em 2019),
  4. juros reais tão altos quanto fossem necessários,
  5. eliminação de todas as restrições que impediam o movimento livre de capitais externos,
  6. renegociação da parte da dívida em litígio desde 2001-02 e
  7. liberalização da taxa de câmbio, que passou a ser flexível.

Com isto esperava-se que o país retornaria ao mercado de capitais internacional, um objetivo que foi atingido rapidamente. O programa foi apoiado com entusiasmo por investidores estrangeiros, pelo FMI, outros organismos internacionais e comentaristas econômicos.

Os resultados surpreenderam até os mais pessimistas. Em 3 dos 4 anos as taxas de crescimento do PIB foram negativas. Em 2019 o PIB per capita estará 8% abaixo do nível de 2015, o desemprego acima de 10% e os níveis de pobreza em altos históricos. As dívidas externa e interna explodiram. De US$ 180 bilhões em 2015, 28% do PIB, a dívida externa chegou a US$ 290 bilhões em 2019, 60% do PIB. As metas fiscais não foram atingidas, fazendo com que a dívida pública passasse de 53% do PIB em 2015 a 76% em 2019. A inflação acumulada de 2015 a 2019 chegou a 340%.

Claramente, era impossível pensar que as políticas econômicas “certas” dariam resultados errados. Comentaristas econômicos argentinos e estrangeiros, a OCDE, o FMI e outros concluíram que as políticas econômicas não tinham sido suficientemente fortes. O governo deveria ter feito “mais”, mais ajuste fiscal e menos gradualismo.

Desde o início houve oposição ao programa anti-inflacionário dentro do próprio governo, mas a independência do BCA foi respeitada. O Tesouro julgou os objetivos de redução da inflação do BCA excessivamente ambiciosos, o risco das taxas de juros reais requeridas por demais elevadas, e o método para alcançá-los problemático. Regimes de metas de inflação funcionam melhor em inflações já controladas. Mas ao BCA foi dado independência e ele introduziu o regime de metas. Quando os resultados nos dois primeiros anos vieram muito piores do que os esperados, o Executivo interferiu anunciando metas de inflação menos ambiciosas – pondo fim à independência do BCA.

Seria um erro concluir que “mais” independência do BCA e menos gradualismo no ajuste fiscal teriam dado melhores resultados. Nos quatro primeiros meses de 2016 as tarifas de serviços públicos aumentaram em 100%-300% para reduzir um subsídio que chegava a 3% do PIB. O novo governo herdou uma dívida pública moderada (53% do PIB) e o reajuste das tarifas públicas poderia ter sido mais gradual.

Mas o ajuste foi feito de uma vez só, apesar de manifestações populares. Tampouco foi gradual a unificação da taxa de câmbio oficial com a taxa de câmbio paralela, na adoção de uma taxa de câmbio flexível ainda em dezembro de 2015 e a liberalização da conta financeira. Nada tímido ou gradual em deixar as taxas de juros subir a níveis de 10-15% em termos reais, num mundo no qual as taxas de juros reais são zero ou negativas. O custo de juros da dívida pública de menos de 1% do PIB passou a 2%-3% do PIB, o que aumentou o déficit fiscal.

Na realidade, o plano do governo tinha várias falhas. O primeiro erro foi a ausência de uma estratégia de crescimento. O governo acreditou na teoria de contração fiscal expansionista, arrocho monetário, contração do papel do setor público e reformas do lado da oferta. A economia estava com desemprego alto e a prioridade deveria ter sido estimular a demanda. A falta de crescimento foi uma razão importante pela qual as metas fiscais não foram atingidas.

O segundo erro foi dar ao BCA independência prematuramente. As reticências do Tesouro à introdução de um regime de metas inflacionárias eram justificadas e os fatos lhe deram razão. Metas excessivamente ambiciosas acabaram tendo um impacto negativo sobre o crescimento, e com isto um impacto fiscal negativo. Numa situação de inflação alta, a lógica econômica de um regime de metas de inflação é que as taxas de juros subam quando há evidência de que as metas não serão atingidas a fim de esfriar a demanda.

Esfriar a demanda numa economia com recessão não fazia nenhum sentido. As taxas de juros atingiram níveis estratosféricos para sustentar a taxa de câmbio. A instabilidade da taxa de juros e da taxa de câmbio tampouco ajudou a retomada do investimento privado.

O terceiro erro foi a abertura da conta financeira. Com taxas de juros muito mais altas que as internacionais, foi fácil atrair recursos externos. E o governo cometeu o “pecado original” de se endividar em moeda estrangeira tornando as contas fiscais vulneráveis à taxa de câmbio. Com a eliminação de todas as restrições à entrada e saída do capital financeiro o endividamento externo aumentou 50% em 4 anos. Dados do FMI sugerem que a maior parte do endividamento externo financiou a saída de capitais de residentes querendo se proteger da incerteza doméstica trazida pela inflação alta com uma taxa de câmbio errática. Com a abertura da conta financeira, o país perdeu o controle da taxa de câmbio, que passou a ter uma grande volatilidade.

Finalmente, o quarto erro foi não ter diagnosticado a inflação corretamente. Em um país altamente dolarizado como a Argentina, a unidade de conta deixa de ser a moeda nacional e passa a ser o dólar. Antecipações de depreciações cambiais levam a altas de preços. As expectativas de inflação simplesmente ficaram desancoradas e refletiram o que se esperava da taxa de câmbio. A abertura da conta de capital e o endividamento externo aceleraram este processo.

Mais do que o gradualismo do ajuste fiscal e falta de independência do BCA, estes quatro erros ajudam entender a crise atual da economia Argentina.

Nos últimos 80 anos a Argentina foi um laboratório de políticas econômicas e pôde-se aprender muito destas experiências. Oito conclusões são particularmente importantes:

1- Economistas não têm uma prateleira com “más” políticas econômicas e outra com “boas” políticas econômicas. Tudo depende do contexto histórico, do nível de desenvolvimento da economia e das instituições. Por exemplo, regimes de metas de inflação deram bons resultados em muitas economias. No caso da Argentina durante 2015-19 o regime de metas complicou as políticas macroeconômicas desnecessariamente e deu resultados negativos. Outro exemplo diz respeito à política cambial. Taxas de câmbio flutuantes estão em vigência num grande número de países com bons resultados. Em outros são taxas de câmbio administradas e altamente competitivas que dão bons resultados. Com respeito ao gasto público há circunstâncias nas quais é necessário reduzi-lo. Mas há outras nas quais é desejável aumentá-lo.

2- Esta ambiguidade faz a formulação de programas econômicos ser uma combinação de ciência, arte e objetivos. Tivesse o crescimento sido o objetivo central, o governo Macri teria sido menos ambicioso em relação à redução da inflação e dado mais peso às perspectivas do Tesouro sobre as metas de inflação e o tempo necessário para atingi-las. Não deveria ter permitido um novo período de apreciação cambial que desestimulou as exportações, criou incerteza para os investidores, e dissipou os ganhos da unificação da taxa de câmbio. Deveria ter identificado que a inflação vinha de choques adversos de oferta e não de excesso de demanda agregada.

3- A economia argentina continua sendo uma das mais fechadas dentre as economias emergentes. É claro que a Argentina há muito tempo esgotou os ganhos potenciais de uma política de substituição de importações. Abrir a economia faz sentido em qualquer programa de reformas e de fato foi um objetivo nos três episódios discutidos nestes artigos.

Mas a forma pela qual tentou-se atingir este objetivo foi contraproducente: nos três episódios não houve preparação, períodos de transição e objetivos tarifários bem definidos. Tampouco houve preocupação com a taxa de câmbio que se apreciou. O resultado foi reduzir incentivos ao investimento privado, inviabilizar as exportações e boa parte da produção destinada ao mercado interno. Foi por não respeitar estes incentivos que, historicamente, a Argentina se desindustrializou.

O endividamento externo excessivo, em particular o aumento da dívida pública em dólares, foi causa do descontrole econômico. Em economia, este processo tem um nome bíblico e muito adequado: “pecado original”

4- Um dos maiores erros de política econômica de sucessivos governos nos últimos 80 anos foi o de não resistir à tentação de uma moeda forte. Uma moeda forte, suposição totalmente errônea, ajudava ao combate dos episódios crônicos de inflação das últimas décadas. Mas além de inviabilizar a produção interna, uma moeda forte estimula as entradas de capital financeiro especulativo, subsidia as fugas de capitais e é sempre o preâmbulo de uma crise externa grave.

Quando uma economia se desenvolve, a produtividade cresce. Com o crescimento da produtividade, a taxa de câmbio se aprecia. O problema de muitos países da América Latina e em particular na Argentina é que o processo foi às avessas: apreciação da taxa de câmbio bem antes dos aumentos de produtividade, o que comprometeu o processo de desenvolvimento.

5- A teoria econômica mostra a liberalização dos fluxos financeiros trazer vários benefícios à economia. Aumenta a poupança disponível, diversifica os riscos, acelera o desenvolvimento do setor financeiro e reduz o custo do capital. Os resultados empíricos mostram que enquanto o investimento direto tem efeitos positivos sobre a economia, isto não é válido para o investimento financeiro. A evidência é tão forte que, depois da crise financeira na Ásia em 1997, o FMI parou de pressionar os países membros a adotar o Artigo VIII, que liberaliza a conta financeira.

O caso dos países do Leste Asiático é ilustrativo porque, exceto a Tailândia, todos os outros países tinham fundamentos macroeconômicos sólidos: déficits fiscais baixos, taxas de poupança altas, crescimento econômico rápido, inflação baixa, déficits de conta corrente modestos e dívida externa baixa. Mas estes fundamentos sólidos não resistiram aos movimentos especulativos de capitais internacionais. As restrições sobre as entradas do capital financeiro são particularmente importantes quando o país tem pequena abertura comercial e grande abertura financeira, fazendo a taxa de câmbio refém dos ciclos do capital financeiro.

Finalmente, no regime de câmbio flexível, a abertura da conta financeira deve ser feita em uma etapa avançada do desenvolvimento. Foram eliminadas na Europa somente nos anos 1980. A Suíça não hesitou em reintroduzir restrições às entradas de capital após a crise de 2008, quando o volume dos fluxos de capitais estrangeiros procurando retornos e segurança na Suíça apreciou o franco suíço e reduziu a competitividade da economia.

6- Há muitas vantagens, tanto para fins de estabilidade financeira como para a economia real, em manter uma taxa de câmbio depreciada. Além dos benefícios à economia real uma taxa de câmbio depreciada limita o impacto de expectativas da depreciação sobre a inflação. Usualmente o impacto de uma depreciação no nível de preços é relativamente modesto. Mas quando as expectativas desancoram e a unidade de conta passa a ser o dólar, a inflação e as expectativas de desvalorização passam a ser altamente correlacionadas como demonstrado em estudos sobre a inflação no Brasil por Eliana Cardoso num artigo do ex-presidente do Banco Central da Argentina, Frederico Sturznegger sobre a debacle da macroeconomia sob Macri.

7- Nos episódios discutidos neste artigo, o endividamento externo excessivo, em particular o aumento da dívida pública em dólares, foi causa do descontrole da economia. Em economia, este processo tem um nome bíblico e muito adequado: “pecado original”.

8- Xiachou Zhou, presidente do Banco Central Chinês entre 2002 e 2018 costumava dizer: o banco central deve às vezes ser independente do Tesouro e às vezes seguir as diretrizes do Tesouro. Um banco central totalmente independente pode ser contraproducente como mostra a experiência da Argentina durante o governo Macri. Há muitos bancos centrais — Estados Unidos, China, Índia — onde uma relação de independência construtiva que não exclui a cooperação com o Tesouro quando necessário foi desenvolvida. Estabelecer uma relação de independência controlada pareceria a forma mais eficiente no estágio de desenvolvimento em países como a Argentina.

Esperemos estas lições guiarem as políticas econômicas argentinas no futuro.”

Ascensão e Queda da Argentina publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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