Nesta safra de fim-de-ano de ilusionismo ou propaganda enganosa sobre o futuro desconhecido, números reais não permitem otimismo. Pior será se esse “Pacote Mais Brasil” for aprovado! Haverá rebelião social!
O desempenho da economia no terceiro trimestre de 2019 é apresentado com uma falsa promessa de dias melhores. O crescimento de 0,6% ante o trimestre anterior demonstra o país estar estagnado ou em baixo crescimento. A aceleração em relação ao trimestre anterior foi ínfima, de 0,5% para 0,6%. O fato do ano poder se encerrar com uma expansão pouco menor comparada com a de 2018 (revisada para 1,3%), por conta do auxílio da liberação limitada de saques do FGTS e dos menores juros reais da história recente é enganoso quanto a um crescimento sustentado em longo prazo.
Considerados os fatores da demanda, ajustados sazonalmente, o consumo das famílias teve performance de “bater-no-fundo-do-fosso-e-repicar” (antes do fosso aumentar mais) com avanço de 0,8% ante 0,2% do trimestre anterior. Há razões para crer o repique poderá crescer mais nos próximos meses?!
Há R$ 42 bilhões de recursos do FGTS à disposição dos consumidores até o primeiro trimestre do ano o que, segundo economistas do Citi, podem propiciar um crescimento de 0,6% no PIB até o início de 2020. Ora, esse valor para expandir um PIB de R$ 7 trilhões é ridículo!
O crédito para as pessoas físicas cresce por conta da queda dos juros bancários, mas os decréscimos dos juros de empréstimos foram bem inferiores à redução da Selic a 4,5% ao ano. Os propagandistas dizem: “mas foi uma redução de toda a forma”.
O desemprego vem diminuindo muito lentamente, com as vagas sendo preenchidas apenas pelo setor informal. Com isso, a massa salarial total aumentou muito pouco e a evolução dos salários equivale, ou ultrapassa em pouco, inflação muito baixa, de 2,54% em 12 meses.
O estímulo do FGTS ao consumo — uma baixa quantia por consumidor — logo vai superar o efeito efêmero e irá perder intensidade se esvaindo por completo, aliás, como ocorreu durante o governo Temer. O fundo poderá ser sacado uma vez por ano, desta vez não limitado a R$ 500 por beneficiário, mas conforme tabela com percentuais diferentes de acordo com os saldos remanescentes. A opção pelo saque anual, no entanto, anula a do uso do dinheiro após a perda do emprego. Não se sabe qual será a decisão da maioria com essa pequena “esmola”, se haverá algum efeito residual sobre o consumo das famílias.
Os investimentos privados não deram nenhum alento ao subirem 2% no terceiro trimestre, ficando abaixo até dos 3% do trimestre anterior. Também no acumulado do ano a formação bruta de capital fixo é menor na comparação com o mesmo período de 2018 – recuou de 4,3% para 3,1%, números semelhantes aos da comparação do acumulado em quatro trimestres com igual período anterior.
A corrente para frente, tipo ano 1970 (“prá frente, Brasil, salve a seleção!”), puxada pelo governo militar de extrema-direita e alguns economistas oportunistas, de o crescimento atual ser de melhor qualidade, porque não conta com estímulos de dinheiro público, é uma torcida ideológica e errada.
O consumo do governo caiu 0,7% no ano e os investimentos públicos caminham para zero em 2020. A expansão seria de muito melhor qualidade se houvesse investimentos públicos e superávits fiscais primários. Com cinco anos de déficits e outros já programados, não há muita escolha, mas a trajetória da economia sem o Estado tem várias e grandes desvantagens. A primeira delas é a exasperante lentidão da retomada. Outra é o aumento da desigualdade.
Um dos sinais mais importantes para o pessimismo quanto ao futuro foi a baixa reação da construção civil, de 1,3% no trimestre, 1,7% no ano e 0,4% em quatro trimestres. Seu potencial de criação de empregos é grande e seu poder multiplicador se espraiou pelas atividades imobiliárias. Este foi o terceiro setor a mais crescer no acumulado do ano (2,5%) por conta do imobilismo anterior. Imóveis residenciais de alto padrão puxaram a demanda, enquanto os que dependem de recursos oficiais, como o programa Minha Casa Minha Vida e outros programas habitacionais nos Estados estão à míngua.
Na mesma toada da dependência do Estado vive o investimento em infraestrutura. Ele anda em marcha lenta. Desde o governo Temer se fazem e anunciam dezenas de projetos e se elaboram marcos regulatórios – e nada acontece. O atual governo ideológico já anuncia o fracasso: ele deslanchará para valer apenas em 2021, se nada de ruim ocorrer até lá. Com enorme capacidade ociosa no parque fabril, a FBCF depende então vitalmente da modernização da infraestrutura, ainda uma incógnita.
Outro obstáculo no caminho do crescimento e do desemprego é a performance da indústria de transformação. Ela recuou 1% no trimestre e 0,2% no acumulado do ano. O IBGE mostrou a indústria ter crescido 0,8% em outubro, em época pré-natalina. Isto não pode ser considerado um alento para o setor. Ele acumula queda de 1,1% no ano e 1,3% em doze meses.
Com investimento baixo, de 16,3% do PIB e uma indústria inerte é difícil deixar de ter um crescimento medíocre. As previsões dos economistas subiram alguns decimais para além dos 2%, o que não chega a ser um alívio — eles têm errado suas projeções todos os anos.
Confira a projeção do Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do BCB. É um monte de frases-feitas, lugares-comuns e ressalvas para se safar caso suas previsões falhem.
“A economia mundial deve crescer ligeiramente acima de 3% em 2020, patamar similar ao observado no corrente ano – o biênio de crescimento mais lento desde 2008-09. A manutenção do patamar de crescimento deve acontecer a despeito de desaceleração em várias das principais economias avançadas e na China, compensado por crescimento mais forte em economias emergentes.
Nos EUA, a economia em 2020 vai seguir experimentando as consequências do aperto monetário de 2017-2018, o enfraquecimento dos efeitos do estímulo fiscal que marcou o início da administração Trump, bem como alguma reverberação das tensões comerciais internacionais (notadamente sobre o setor industrial). Em ambiente eleitoral provavelmente polarizado, o crescimento deve recuar para cerca de 1,7%, ante 2,3% em 2019 e 2,9% em 2018. Como a economia, apesar de crescer menos, seguirá em expansão, com taxas de desemprego ainda em patamares historicamente baixos, o Fed provavelmente irá deixar sua política monetária inalterada.
A área do euro, por sua vez, também deve desacelerar, de 1,2% para 0,8%, com os efeitos do comércio global menos favoráveis, sobrepujando certa resiliência da demanda doméstica. O BCE deve continuar a flexibilização quantitativa (compra de ativos) e manter a taxa de juros no patamar negativo (-0.50%). Mas novos estímulos são improváveis, dada ausência de consenso sobre a necessidade e/ou eficácia de medidas adicionais o BCE não deve oferecer novos estímulos adicionais, além dos já anunciados. Tampouco devemos esperar alguma forma significativa de estímulo fiscal na Alemanha, a menos que o desemprego por lá comece a subir aceleradamente. Note-se que as dificuldades observadas no setor automotivo tendem a ter impacto mais intenso sobre a atividade econômica nesse bloco.
Também a China deve desacelerar, de 6,2% para 5,7%, como consequência das tensões comerciais e seguindo uma moderação estrutural do ritmo de crescimento em um contexto de reformas que visam conter o excesso de endividamento. O governo está oferecendo estímulos fiscais e monetários em doses relativamente moderadas e parece bem pouco inclinado a repetir as iniciativas adotadas na saída da crise de 2008/9.
O crescimento mais fraco nesses grandes polos da economia mundial será compensado por aceleração e correções em outras áreas. Na América Latina, que responde por cerca de 7% do PIB mundial, o crescimento deve passar de 0,2% para 1,3%, com aceleração no Brasil, moderação das recessões argentina e venezuelana e certa retomada no México.
Outras importantes economias emergentes devem ajudar a sustentar o crescimento global. A economia russa deve acelerar e, mais importante, o mesmo deve ocorrer com a economia da Índia (de 6,1% para 7% segundo o FMI), como resultado de estímulos monetários, fiscais e iniciativas para melhorar o ambiente regulatório. As economias da Malásia, Indonésia, Filipinas, Cingapura e Tailândia (ASEAN-5) também devem mostrar, em conjunto, ligeira aceleração, para 4,5%.
A moderação das tensões comerciais internacionais deve contribuir para a estabilização da atividade industrial, que tem sido mais afetada pela desaceleração global do que o setor de serviços. Progresso nas negociações comerciais deve contribuir para reduzir a incerteza e, assim, favorecer uma retomada do investimento.
Por outro lado, os riscos de baixa para a economia mundial ainda parecem dominantes. No âmbito da política, além das tensões existentes entre grandes potências, a eleição nos EUA pode gerar volatilidade nos mercados, especialmente se a disputa se configurar em polarização nos extremos do espectro ideológico. Ainda no Hemisfério Ocidental, questões políticas e distúrbios sociais podem acabar comprometendo a esperada recuperação na América Latina, incluindo os países andinos. Do outro lado do Atlântico, além dos efeitos do Brexit, podemos ter transição no governo alemão, dado que a chanceler Merkel não deve disputar as eleições de 2021.
Ainda que o arcabouço regulatório tenha sido reforçado de forma considerável desde 2008, o risco de nova crise financeira não pode ser descartado. Isto se deve em boa medida à postura de política monetária que teve que ser adotada em várias economias centrais para atingir seus objetivos macroeconômicos. O patamar de taxa de juros necessário para atingir as metas para a inflação pode ser inferior ao que seria ideal para coibir um apetite ou tolerância por riscos exagerados. Nessas circunstâncias, certos excessos, mais aparentes no apreçamento de segmentos dos mercados de crédito corporativo e, em particular, investimentos em empresas de tecnologia, podem estar ocorrendo.
Tais excessos podem sofrer correções abruptas, ensejando repercussões sobre o setor financeiro e a economia. Além disso, na Europa o setor bancário convive com taxas de juros negativas, lucratividade baixa e é vulnerável a uma desaceleração cíclica da atividade. Adiciona-se ainda que o setor bancário na China também apresenta alguma fragilidade, principalmente nos bancos médios e pequenos, após anos de expansão elevada do crédito.
O ambiente global deve, em suma, continuar favorável, ainda que com riscos de baixa. O que preocupa mais nem é o cenário econômico central e o balanço de riscos a este associado, mas sim a escassez de margem de manobra de política econômica caso desenvolvimentos adversos venham a se materializar.”
Compare com a análise da CEPAL.
A América Latina enfrenta o período de mais baixo crescimento em sete décadas. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), se as estimativas para o próximo ano se confirmarem, a região terá tido de 2014 a 2020 o crescimento mais baixo desde a década de 1950.
No relatório Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe 2019, divulgado recentemente, a comissão afirmou: o crescimento médio entre 2014 e 2020 será o mais baixo desde 1951, quando começaram registros. No período, o crescimento médio da região foi de 0,5%, diz a Cepal.
O baixo crescimento do período contrasta com o das décadas anteriores. Entre 1951 e 1957, a região cresceu 5,4%. De 1981 a 1989, 2,5%. Durante o superciclo das commodities, o crescimento médio foi de 4%.
No período de 2014 a 2020 haverá forte contração do investimento, de 2,4% do PIB. Além de uma redução dos preços das commodities, a economia mundial apresenta lentidão, e os países da região não fizeram:
- reformas estruturais,
- diversificação da estrutura produtiva,
- maior tecnologia e produção com valor agregado.
Isso dificulta a capacidade de absorver os choques externos.
Segundo o relatório, a região da América Latina e Caribe crescerá neste ano 0,1%, ante a estimativa anterior de 0,5%, feita em outubro pela Cepal. Para 2020, a perspectiva é de crescimento de 1,3%.
Há uma desaceleração sincronizada dos países da região. “O consumo privado, antes o grande motor de crescimento, está diminuindo. Além disso, o investimento vem se contraindo, e o gasto público, dada a necessidade de ajuste fiscal em alguns países, caindo.”
Autoengano ou “me engana que eu gosto”: erros de projeções todos os anos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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