A questão-chave para Joseph Schumpeter, no último capítulo de seu livro “Teoria do Desenvolvimento Econômico” (original publicado em 1911), é: todo esse desenvolvimento, descrito no livro, prossegue com uma continuidade ininterrupta, é similar ao crescimento orgânico gradual de uma árvore? A experiência responde negativamente.
É fato comprovado: o sistema econômico não anda sempre para a frente de modo contínuo e sem tropeços. Ocorrem movimentos contrários, contratempos, incidentes dos tipos mais variados. Eles obstruem o caminho do desenvolvimento. Há colapsos no sistema de valores econômicos capazes de o interromper. Por que isso? Aqui Schumpeter se defronta com um novo problema.
Se esses desvios do sistema econômico em relação a uma linha uniforme de desenvolvimento fossem raros, dificilmente constituiriam um problema com direito especial à atenção do teórico. Em uma economia desprovida de desenvolvimento, o indivíduo pode se defrontar com reveses para muito sérios, sem haver nenhuma razão para a teoria abordar tais fenômenos. Do mesmo modo, fatos possíveis talvez de destruir o desenvolvimento econômico de toda uma nação não exigiriam nenhuma investigação geral se fossem raros, se pudessem ser concebidos como contratempos isolados.
Mas os movimentos contrários e os contratempos dos quais fala Schumpeter são frequentes, tão frequentes a ponto de algo semelhante a uma periodicidade ser necessária parece se insinuar à primeira vista. Isso torna impossível, praticamente em todos os casos, se não do ponto de vista da lógica, fazer abstração dessa classe de fenômenos em Economia de Mercado.
Além disso, se ocorresse, após tal contratempo ser superado, o desenvolvimento anterior ser retomado de novo do ponto alcançado antes de ter sido interrompido, o peso desse contratempo não seria em princípio muito grande. Nesse caso, teria se levado em conta todos os fatos fundamentais do desenvolvimento, mesmo quando não pudesse explicar esses próprios incidentes perturbadores ou simplesmente deles se abstraísse. Contudo não é esse o caso.
Os movimentos contrários não apenas entravam o desenvolvimento, mas põem-lhe um fim. Uma grande quantidade de valores é aniquilada. As condições e os pressupostos fundamentais dos planos dos dirigentes do sistema econômico se alteram. O sistema econômico precisa se reanimar antes de poder caminhar de novo para a frente. Seu sistema de valores precisa se reorganizar. E o desenvolvimento então iniciado, novamente, é um novo e não simplesmente a continuação do antigo.
É verdade e a experiência nos ensina: ele se moverá em uma direção mais ou menos similar à anterior, mas a continuidade do “plano” é interrompida. O novo desenvolvimento provém de condições diferentes e em parte da ação de pessoas diferentes. Muitas esperanças e valores antigos são enterrados para sempre e surgem outros completamente novos.
Empiricamente pode ocorrer as linhas principais de todos esses desenvolvimentos parciais situados entre os contratempos coincidirem com as linhas gerais do desenvolvimento total, mas teoricamente não podemos considerar apenas os contornos do total. Os empresários não podem saltar a fase dos contratempos e deixar os seus planos intactos para a próxima fase de desenvolvimento, e tampouco a explicação científica pode fazê-lo sem perder completamente o contato com a realidade.
Schumpeter investiga essa classe de fenômenos, tão nitidamente destacada, aparentemente com certa oposição, dos outros fenômenos do desenvolvimento. De início, existem as seguintes possibilidades.
Em primeiro lugar, as crises podem ou não ser um fenômeno uniforme. Os colapsos peculiares do desenvolvimento, conhecidos pela experiência e descritos como crises, aparecem sempre, mesmo às mentes ingênuas, como formas de um único fenômeno. Todavia, essa homogeneidade das crises certamente não vai longe.
Pelo contrário, existe principalmente apenas em uma similaridade dos efeitos sobre o sistema econômico e sobre os indivíduos, e no fato de certos eventos habitualmente ocorrerem na maioria das crises. Tais efeitos e tais eventos, contudo, apareceriam com as perturbações internas e externas mais variadas da vida econômica e não são suficientes para provar as crises serem sempre o mesmo fenômeno.
Efetivamente, distinguem-se diferentes espécies e causas de crises. E nada justifica supor de antemão as crises terem mais em comum umas com as outras em lugar do elemento do qual partimos, a saber, todas são eventos capazes de parar o desenvolvimento econômico precedente.
Em segundo lugar, sejam fenômenos homogêneos, sejam heterogêneos, as crises podem ou não ser passíveis de uma explicação puramente econômica. Evidentemente não se pode duvidar de as crises pertencerem essencialmente à esfera econômica. Mas de modo nenhum é óbvio elas pertencerem à natureza do sistema econômico ou mesmo a qualquer tipo de sistema no sentido de resultarem necessariamente do funcionamento dos fatores econômicos considerados em si mesmos.
Pelo contrário, seria bem possível as causas reais das crises existissem fora da esfera puramente econômica, ou seja, fossem consequências de perturbações atuantes de fora sobre estas últimas. A frequência e mesmo a regularidade das crises tantas vezes confirmada não seria em si mesma nenhum argumento conclusivo, uma vez se poder facilmente conceber tais perturbações deverem ocorrer na vida prática.
Uma crise seria então simplesmente o processo pelo qual a vida econômica se adapta a novas condições. É uma definição claramente inspirada na Teoria da Evolução darwinista.
No que concerne ao primeiro ponto, Schumpeter de início diz uma coisa. Se falamos em crises sempre quando nos defrontarmos com grandes perturbações, então não há nenhum atributo geral para além do fato da perturbação. Por enquanto, é melhor conceber as crises nesse sentido amplo.
Em conformidade com isso, os processos econômicos são divididos em três classes:
- nos processos do fluxo circular,
- nos processos do desenvolvimento, e
- nos contratempos impeditivos do curso deste último sem perturbações.
Essa classificação de modo algum é alheia à realidade. Podemos claramente manter as três classes separadas na vida real. Só uma análise mais detalhada mostrará se alguma delas se subordina a uma das outras duas.
Dependência de Trajetória Descontínua: Contratempos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário