A reforma da Previdência Social foi “vendida” como panacéia pela casta dos mercadores e a casta dos militares. Eles não dimensionaram suas consequências sociais no futuro, isto é, na hora da aposentadoria, e tampouco o aumento do custo das empresas patrocinadoras de fundos de pensão fechados!
Sérgio Tauhata (Valor, 05/12/2019) informa: o impacto da nova Previdência vai muito além do maior tempo de contribuição para as pessoas físicas. As empresas patrocinadoras de fundos de pensão, por exemplo, vão ter uma ampliação de gastos de até 100% com os funcionários, quando comparado com o regime anterior. Além disso, a nova realidade de taxas baixas vai exigir que os beneficiários até dobrem os esforços de acumulação para conseguir manter a mesma renda complementar comparada à época de juro real de 5% ao ano.
As conclusões fazem parte de um conjunto de simulações feitas com exclusividade ao Valor pela Luz Soluções Financeiras. As projeções ajudam a mensurar o que vai mudar para entidades de previdência complementar fechada e seus usuários com as mudanças.
Grandes impactos para os fundos de pensão são a questão do maior tempo de aporte para os fundos e o aumento dos gastos com saúde. Estes crescem exponencialmente.
Esse novo mundo da seguridade social, com elevação do tempo de exploração da força de trabalho, refletirá na seguridade privada complementar. Vai exigir uma combinação de esforços tantos dos planos privados quanto dos trabalhadores para manter o mesmo nível de benefícios do antigo regime e da época de retornos de dois dígitos das aplicações.
Conforme a simulação, em um cenário de migração de regimes de uma profissional, uma mulher hoje com 49 anos e salário mensal de R$ 15 mil, participante de um plano de contribuição variável (CV), os aportes da patrocinadora mais que dobram. De acordo com a projeção, pelo sistema anterior, se a beneficiária se aposentasse aos 53 anos, o gasto da patrocinadora nesses quatro anos seria de R$ 58,5 mil. No cenário atual, se a funcionária se retirar aos 57, os custos para a empresa relacionados ao plano subiriam mais de 100%, para R$ 119,3 mil.
Já no caso de um homem com 52 anos, nas mesmas condições salariais, o desembolso da patrocinadora seria de R$ 73,5 mil para o profissional se retirar aos 57 anos. Na transição para a nova Previdência, os 10 anos de contribuição até o beneficiário passar a receber a renda do fundo de pensão custariam no total R$ 150,7 mil à patrocinadora, ou seja, uma elevação de 105%.
Um trabalhador jovem, de 25 anos, com salário de R$ 5 mil, custaria à patrocinadora do plano CV, durante 30 anos de aportes, um total de R$ 135,6 mil, segundo os cálculos da Luz. Na nova Previdência, o tempo de contribuição aumentaria em 10 anos. Nesse caso, o desembolso da empresa no plano ao longo de três décadas e meia alcançaria R$ 200 mil, uma alta de 47,5%.
Apesar de os gastos com os planos de previdência complementar poderem mais que dobrar, o maior impacto ocorreria mesmo sobre os custos com cobertura de saúde, que se elevariam exponencialmente. Conforme a Luz, mais perto da aposentadoria, o funcionário entra em uma faixa etária que representa uma das mais caras para os planos de saúde. Entre 49 e 59 anos, as mensalidades dos planos praticamente duplicam.
Nas mesmas condições das simulações anteriores, os custos de um funcionário do sexo masculino de 52 anos sairiam de R$ 95 mil em cinco anos até se aposentar, considerando-se as regras do regime antigo, para R$ 308,4 mil após mais cinco anos de contribuição. Seria uma alta de 224,6%.
Na situação da funcionária de 49 anos, o aumento de quatro anos na conta representa um gasto adicional de R$ 101,5 mil à empresa. Nas regras anteriores, se a profissional se aposentasse com 53 anos, o custo com plano de saúde no período seria de R$ 65 mil. Retirar-se aos 57 anos elevaria esse valor para R$ 166,5 mil.
Além da mudança das regras de aposentadoria, o ambiente de taxas de juros reais entre 1% e 2% ao ano vai exigir das pessoas esforço bem maior de acumulação. As premissas da Luz consideram o uso de tábua atuarial AT2000, padrão no mercado para conversão de renda. O sistema considera um conjunto de fatores para determinar probabilidades de tempo de vida que a pessoa pode ter e chances de morte.
No cenário atual de taxas na mínima histórica, mesmo com tempo maior de contribuição o trabalhador terá de aumentar significativamente o valor de contribuição para obter um patamar de renda equivalente ao período no qual o juro real – quando se desconta a inflação – estava mais elevado. Na simulação da Luz, se o funcionário deixar o mercado de trabalho aos 65 anos, com um juro de 1% ao ano, ainda tendo feito 10 anos de aportes a mais, precisaria acumular reserva 22% acima do que uma pessoa que saiu do mercado aos 55 anos com juro real de 5% — situação em vigor até meados de 2017.
Conforme os cálculos da consultoria, em conversão baseada na tábua atuarial AT2000, o aposentado de 65 anos ao requerer o benefício com juro de 1% precisa de R$ 1,4 milhão para ter uma renda vitalícia mensal de R$ 5,8 mil paga pelo fundo de pensão. Já o empregado a se retirar aos 55 anos, com juro de 5%, precisaria de R$ 1,091 milhão.
Os números da simulação mostram ainda, para se aposentar aos 55 anos, em um cenário de 1% de juro real, o trabalhador vai precisar de 66% a mais de recursos para manter a renda vitalícia complementar de R$ 5,8 mil frente ao necessário na mesma idade com juro quatro pontos percentuais acima. As reservas teriam de subir de R$ 1,1 milhão para R$ 1,8 milhão.
Quanto menor a idade de aposentadoria maior o volume financeiro necessário para manter o nível de renda vitalícia. Como efeito de comparação, a Luz simulou o quanto de recursos seria necessário a uma pessoa para se aposentar aos 25 anos. Com juro real de 5%, a reserva teria de alcançar R$ 1,4 milhão. Mas no cenário atual de taxas na mínima histórica, o valor subiria para R$ 3,2 milhões, ou seja, 126% superior ao necessário em um ambiente de juros elevados, para assegurar um rendimento de R$ 5,8 mil mensais até o fim da vida.
No sistema dos fundos de pensão, a chamada previdência complementar fechada, em geral, tanto a empresa quanto o trabalhador fazem aportes mensais para a formação da reserva. Essa contribuição varia de acordo com os planos oferecidos pelas entidades. De modo diferente do desconto do INSS, não há uma alíquota fixa geral para o setor.
Em geral, a proporção das participações da empresa e do empregado fica em um para um, ou seja, para cada real investido pelo participante, a companhia deposita outro. A patrocinadora, no entanto, pode definir benefícios maiores ou menores, como, por exemplo, proporção de dois para um ou de meio para um. A contribuição do funcionário é descontada do salário. As mensalidades, contudo, podem variar de acordo com o plano contratado. Existem três tipos:
- contribuição definida (CD),
- benefício definido (BD) ou
- contribuição variável (CV).
Nos planos CD, como o nome explica, a contribuição é definida na contratação. O valor do benefício, porém, é calculado no momento da aposentadoria, segundo o montante acumulado pelos aportes do empregado, da empresa e com o retorno das aplicações.
Já nos planos BD, que já não são mais oferecidos pelas fundações, é o benefício a ser recebido no momento da aposentadoria que é definido na contratação do plano. Com isso, o participante passa a receber o valor acertado desde o início como renda vitalícia no momento de resgate. Nesse modelo, tanto a patrocinadora quanto o contribuinte podem ter de aumentar os aportes se houver déficit atuarial.
O plano CV é uma mistura dos dois anteriores. Após o período de acumulação, feita ao longo das décadas com características de contribuição definida, o saldo pode ser é convertido em uma renda vitalícia. O valor a ser recebido na aposentadoria, porém, vai variar de acordo com o saldo obtido, os juros contratados e o conjunto de premissas de expectativa de vida e probabilidade de morte definidas na tábua atuarial.
A nova Previdência terá dois impactos distintos no sistema complementar fechado. De um lado, vai aumentar os custos para as empresas e os participantes de fundos de pensão. Para as patrocinadoras, os gastos com os funcionários podem até dobrar. De outro, o maior esforço exigido de poupança diante do aumento do tempo de contribuição associado aos juros na mínima deve acelerar a busca pela previdência complementar.
Os fundos de pensão podem ver o número de participantes dobrar em cinco anos após a reforma, prevê a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). O presidente da entidade, Luis Ricardo Martins, espera dos atuais 2,7 milhões de participantes do sistema fechado saltarem para mais de 5 milhões no período.
Segundo Martins, o patrimônio líquido dos fundos de pensão deve alcançar a marca psicológica de R$ 1 trilhão já em março de 2020. A indústria de previdência complementar deve acelerar o ritmo de crescimento, conforme as “fichas [da população] caírem” em relação à necessidade de poupança.
O presidente da Abrapp reforça que “as pessoas vão trabalhar mais, contribuir mais e vão ter um benefício menor”. Na visão do dirigente, com a mudança das regras de seguridade social e diante da redução estrutural das taxas de juros para a casa de um dígito, a previdência complementar se torna imperativa.
Para o representante da indústria, “o sistema fechado [dos fundos de pensão] é o único veículo [de previdência complementar] de longo prazo no país”, em referência ao fato de os planos privados abertos – VGBL e PGBL – terem carteiras concentradas em renda fixa curta. De fato, mais da metade (ou R$ 465 bilhões) dos R$ 909,5 bilhões de patrimônio líquido do sistema concorrente dos fundos de pensão, a previdência aberta, estão depositados em portfólios classificados pela Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) como renda fixa, nas subcategorias indexados, duração baixa e duração média.
A forma como os recursos serão devolvidos aos participantes deverá se adaptar à nova realidade, que inclui maior tempo de pagamento e maior valor a ser poupado. Essa equalização traz muitos desafios.
Como exemplo, há os problemas enfrentados pelo sistema do Chile. Apesar de servir de inspiração ao líder da equipe econômica do governo, saudoso da ditadura sanguinária do Pinochet, tem recebido críticas diante dos valores reduzidos de benefícios no regime de capitalização, ou seja, com privatização total dos planos. O modelo chileno não funcionou direito porque o nível de contribuição não era alto, o prazo de acumulação não era longo e a rentabilidade das contas individuais tem sido baixa.
Não vai ser com 10% de contribuição sobre seu salário uma pessoa ser capaz de chegar ao volume necessário para manter o mesmo nível de benefícios da época de juros altos. O percentual terá de crescer para, pelo menos, 18%, ou seja, quase um quinto do salário!
A Abrapp já identifica um processo de mudança de estratégias pelas fundações. Segundo o presidente da associação, há um aumento da alocação em renda variável, no crédito privado e até mesmo em classes alternativas como private equity e fundos de investimento em participações (FIP). Essas especulações em bolhas de ativos certamente explodirão antes da aposentadoria…
Jair Ribeiro é assistente da diretoria de investimentos da Real Grandeza – Fundação de Previdência e Assistência Social. Em artigo (Valor, 05/12/2019), faz um alerta sobre a gestão de riscos dos fundos de pensão.
Em outubro de 2019, foi realizado em São Paulo o 40o Congresso Brasileiro de Previdência Complementar Fechada, um evento influente que reuniu mais de 3.500 participantes de todas as regiões do país, atraindo profissionais das mais variadas áreas de atuação nos fundos de pensão.
Quando o assunto era gestão de investimentos, o que mais se ouviu, seja nas palestras do programa, seja nas reuniões mais informais de especialistas, foi que “os fundos de pensão precisam correr mais riscos”. A repercussão foi grande entre os congressistas devido à queda sem precedentes da taxa de juro que atinge em cheio o retorno esperado para a renda fixa.
Não há dúvida de a rentabilidade das aplicações nesse segmento vem caindo. Para se ter uma ideia, a taxa real de longo prazo, a de maior interesse para os fundos de pensão, representada pela NTN-B (Nota do Tesouro Nacional indexada ao IPCA) com vencimento em 2055, saiu de 4,9% no fim de 2018 para 3,3% ao ano, em outubro, após bater sucessivos recordes de baixa.
Trajetória declinante tem sido observada nas aplicações com prazos mais curtos, até recentemente a preferida dos analistas de mercado e dos gestores de fundos de investimento, especialmente às vinculadas à taxa Selic, cuja rentabilidade acima da inflação deverá ser inferior a 1% nos próximos 12 meses.
A preocupação dos gestores de fundos de pensão com esse quadro tem uma forte motivação estratégica devido à concentração em renda fixa. Segundo o Consolidado Estatístico da Revista da Previdência Complementar Fechada, com dados do fim do 1o semestre, a alocação média em renda fixa era de 88%, praticamente a mesma do ano anterior, indicando não ter havido aumento estratégico para investimentos mais arriscados, mesmo diante de mudança estrutural no cenário econômico.
Nos últimos anos, enquanto consultores e gestores não conseguiam se desapegar da conjuntura interna, a mudança estrutural se pronunciava claramente nos países desenvolvidos e se espalhava pelo mundo, contagiando os mercados financeiros internacionais e influenciando os países emergentes. Este novo mundo é um incrível fenômeno que, simultaneamente, apresenta crescimento econômico modesto, inflação irrelevante e juros muito baixos ou negativos nas economias mais avançadas.
Embora a desaceleração mundial venha prejudicando o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil é um dos países mais beneficiado dos efeitos dessa avalanche financeira externa. Ela demorou a ser percebida pelos alocadores de recursos dos fundos de pensão. Não se deve esquecer os fatores internos também virem contribuindo para a queda da taxa de juro, embora não tenham liderado o movimento até aqui.
No evento de São Paulo, ficou a impressão de que os gestores de fundos continuam com visão limitada do funcionamento dos fundos de pensão e, mesmo com essa restrição, recomendam a exposição a ativos financeiros mais arriscados; no entanto, exercem papel relevante ao oferecer produtos que podem ser atrativos neste momento de enfraquecimento da renda fixa.
Cabem aos gestores de fundos de pensão selecionar as opções que fazem mais sentido, valendo-se das melhores práticas, do princípio da diversificação eficiente e da maximização de resultados do patrimônio, rejeitando a adoção de estratégias sem a devida análise do conjunto.
No momento quando as recomendações são para correr mais riscos, deve prevalecer a tomada de decisão orientada pelos compromissos financeiros do passivo e pela meta atuarial. Com as pressões por mudanças aumentando, mais do que nunca é hora de persistir no gerenciamento de riscos integrado. Não é demais reafirmar: gerenciar riscos não é simplesmente ser conservador e evitar a volatilidade de mercado; pelo contrário, é enfrentá-la com o emprego de técnicas adequadas que sustentem o aumento em renda variável, o investimento no exterior ou outra alternativa menos tradicional, obtendo-se, como contrapartida, taxas de rentabilidade compensadoras.
Neste cenário onde a meta atuarial supera a taxa de juro de mercado, notadamente a de longo prazo, o gerenciamento integrado de riscos pode contrariar a lógica convencional como, por exemplo, se basear no resgate das aplicações atreladas à taxa Selic para investir em ativos mais arriscados.
Simulações mostram neste contexto, a estratégia mais adequada seria reduzir a carteira de NTN-B de prazos mais longos porque otimiza a relação entre retorno e risco do patrimônio como um todo, maximizando os interesses dos participantes e dos assistidos. Fica o alerta: não basta correr mais riscos, é preciso persistir nos critérios ao fazê-lo.
Ameaças da Reforma da Previdência Social: Calamidade Social à Vista publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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