Estevão Taiar (Valor, 11/12/2019) informa: o setor financeiro é responsável por quase um quinto do estoque de investimentos estrangeiros diretos no país (IDP). Até o fim do ano passado, o IDP no setor financeiro somava US$ 96,3 bilhões — o equivalente a 19% do total e quase três vezes a participação do segundo setor mais importante.
O estoque total de participação no capital na economia brasileira atingiu US$ 499,3 bilhões no fim do ano de 2018, segundo relatório do Banco Central com os dados mais recentes. Nos cálculos não são consideradas operações intercompanhia, como empréstimos e créditos comerciais.
Depois do financeiro, os setores com maior participação de capital estrangeiro eram:
- eletricidade, gás e outras utilidades (US$ 36,9 bilhões ou 7%);
- bebidas (US$ 36,5 bilhões com aproximadamente 7% do total).
- comércio atacadista, exceto veículos (6%);
- extração de petróleo e gás natural (5%);
- telecomunicações (4%);
- produtos alimentícios (4%);
- produtos químicos (3%); e
- metalurgia (3%).
- os demais setores somavam 41%.
O volume de IDP no setor financeiro pode estar ligado à atuação do Santander no Brasil. Os dados do BC mostram a Espanha (país de origem do banco), empatada com o Reino Unido, teve no ano passado a maior taxa de lucratividade sobre o IDP, de 10%.
A maioria dos setores líderes em IDP é voltada principalmente para o mercado interno. O Brasil é uma economia com mercado consumidor grande e pouco competitiva para a exportação.
No relatório, outro ponto destacado pelo Banco Central é o crescimento de eletricidade, gás e outras serviços públicos nos últimos anos. De 2015 a 2018, o segmento recebeu ingressos brutos em participação no capital de US$ 21,2 bilhões. Somente em 2017 foram US$ 12,6 bilhões – recorde para um setor em um único ano durante toda série histórica. “O desempenho deveu-se sobretudo a aquisições de empresas e posteriores aportes de capital”, diz a autoridade monetária.
Além da quantia investida, houve crescimento do número de empresas do setor com IDP. Entre 2015 e 2018, o total de companhias de eletricidade, gás e outros serviços públicos em que houve ingresso de investimentos saltou de 88 para 123.
Ao contrário, houve redução nos casos de comércio, exceto veículos (de 122 para 74), veículos automotores, reboques e carrocerias (de 109 para 64), produtos químicos (de 103 para 68) e extração de gás e petróleo (de 39 para 38).
Já a lucratividade das posições de IDP foi “bastante distinta” entre os setores da economia no ano passado, segundo o BC. As telecomunicações tiveram o melhor resultado, com retorno de 11,9% sobre as posições investidas. Na sequência, vieram serviços financeiros (10,7%), metalurgia (8,3%), comércio (7,7%) e bebidas (5,1%). No caso de veículos e extração de petróleo e gás natural, a lucratividade foi negativa em 7,1% e 1,7%, respectivamente.
“No período de 2010 a 2019, os setores de bebidas e serviços financeiros apresentaram sempre lucros”, diz o BC. Já comércio, extração de óleo e gás, metalurgia e telecomunicações alternaram lucros e prejuízos. Por sua vez, o setor de veículos passou de lucros, entre 2010 e 2014, a prejuízos a partir de 2015.
Há a possibilidade de o estoque chinês de IDP no Brasil estar subestimado. Pelo critério de investidor imediato, a Ásia é só a quarta região com maiores investimentos no Brasil (4,6% do total), atrás da Europa (66,1%), da América do Norte (18,4%) e do Caribe (7,6%).
Dentro do IDP total originado da Europa, os líderes são Holanda (42,6%) e Luxemburgo (13,1%). São países com condições tributárias e burocráticas vantajosas para pessoas jurídicas. Assim, não apenas a China, mas também outras economias usam esses países como uma espécie de “hub de exportação de capital”.
No relatório do Banco Central, não há menção ao percentual de IDP originário da China na economia brasileira.
Mas vale estudar alguns casos significativos de fintechs para entender essa “desnacionalização” do setor financeiro, em especial o digital.
Talita Moreira, Alessandra Bellotto e Fernando Torres (Valor, 11/12/2019) informam: com forte procura, as ações da XP Inc. saíram a US$ 27 cada na oferta inicial de ações (IPO) na Nasdaq, acima do teto da faixa sugerida no prospecto, que ia de US$ 22 a US$ 25, segundo fontes. Com isso, a empresa estreia hoje na bolsa americana com valor de mercado de US$ 14,9 bilhões ou R$ 61,8 bilhões pela cotação de R$ 4,15 do dólar ontem. A demanda para essa faixa de preço chegou a oito vezes a oferta.
Na parcela primária, cujos recursos vão para o caixa, a empresa deve levantar US$ 1,15 bilhão. Na oferta secundária, os acionistas vendedores – grupo que inclui executivos da XP, Dynamo e General Atlantic – vão levantar US$ 808,8 milhões. Se confirmado o exercício do lote suplementar (composto apenas por ações dos vendedores) pelos bancos coordenadores, que acrescenta US$ 293,6 milhões à operação, o valor total da oferta atinge US$ 2,25 bilhões.
A nova estrutura societária da XP preparou a empresa para o IPO nos Estados Unidos. Incluiu ações com mais poder de voto aos controladores. A holding pertencente aos sócios executivos continuará detendo ações de classe B. Elas possuem dez vezes mais poder de voto se comparadas às ações de classe A, alvo da oferta. O Itaú Unibanco e a General Atlantic detêm as duas classes de ações, e a Dynamo, apenas a classe A.
Após a oferta, e se considerado o lote adicional, os acionistas originais (XP Controle) manterão cerca de 54,8% do poder de voto, com 23,1% do capital. O Itaú não vendeu ações na oferta. Sua participação será diluída e ficará com 46,1% das ações da XP, mas com 32,5% do poder de voto.
Os recursos levantados pela empresa na operação serão usados para o lançamento de novos serviços, como banco digital, pagamentos e seguros. O dinheiro também será destinado a potenciais aquisições e ao crescimento da plataforma de investimentos.
No preço de US$ 27 por ação, a capitalização de mercado da XP representa quase 31 vezes o lucro estimado de R$ 2 bilhões para 2020. Nos primeiros nove meses de 2019, a empresa teve lucro líquido de R$ 699 milhões, o dobro do obtido no mesmo período do ano passado.
Desde quando acertou a venda de 49,9% de participação no capital para o Itaú, em maio de 2017, a XP teve uma valorização de mais de 400%. Na ocasião, a companhia foi avaliada em R$ 12 bilhões.
Os dados divulgados pela XP no prospecto da oferta apontam para uma base de 1,5 milhão de investidores e R$ 350 bilhões em ativos sob custódia ao fim de setembro de 2019. Trata-se de uma expansão significativa em relação aos cerca de R$ 200 bilhões reportados no fim de 2018. O prospecto mostra a receita da XP crescer a um ritmo de 50% ao ano, com margem líquida perto dos 20%.
Quando avaliou os dados do primeiro semestre em relatório sobre o Itaú, o BTG Pactual já chamava atenção para a evolução. “Os atuais números são impressionantes, pois se comparam com os cerca de 400 mil clientes e R$ 80 bilhões em ativos sob custódia no início de 2017, quando a XP tentou fazer IPO pela primeira vez, mas foi bloqueada pelo Itaú”, destacou o BTG na ocasião.
Pioneira do movimento de “desbancarização”, a XP foi a principal beneficiada pela onda de migração do investidor brasileiro de aplicações mais conservadoras da renda fixa nos grandes bancos para modalidades de maior risco, como multimercados, fundos imobiliários e de ações e alternativas de crédito privado. O empurrão veio com a redução da taxa Selic, de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para os 5% até aqui, da forte expansão da distribuição via agentes autônomos – só ela conta com quase 6 mil profissionais – e campanhas ostensivas de marketing.
A oferta foi coordenada pelos bancos Goldman Sachs, J.P. Morgan, Morgan Stanley, XP Investments, Itaú BBA. Também participaram Bank of America (BofA), Citi, Credit Suisse e UBS.
Confira o aumento da concorrência na área bancária digital abaixo.
Ana Paula Ragazzi (Valor, 11/12/2019) informa: a plataforma de crédito Finvest pediu ao Banco Central licença para transformar-se em um banco digital. A ideia é atender os clientes em operações de crédito em todas as etapas, eliminando a necessidade e os custos de contar com bancos parceiros para oferecer as soluções para pequenas e médias empresas e pessoas físicas.
Esse é mais um passo na história do carioca Luis Claudio Garcia de Souza, 68. Ele acumula quatro décadas no mercado como um personagem discreto do crédito no Brasil. Nos últimos anos, ele criou do zero empresas como a RB Capital e a Rio Bravo. Vem aprimorando esse segmento no país – em particular no ramo imobiliário e mesmo quando o vento não era tão a favor.
O veterano Souza se considera um “empreendedor de serviços financeiros”, e, agora, comemora o cenário pela primeira vez amplamente favorável ao crédito por aqui. “Em primeiro lugar, os juros estão no menor patamar da história. Além disso, o governo tem lançado medidas favoráveis ao crédito e o Banco Central, claramente, incentiva a inovação”, diz.
Hoje, a Finvest funciona como uma holding e tem duas investidas. A primeira é a Captalys. Ela usa tecnologias digitais para fornecer infraestrutura e acesso a crédito para empresas, além de atuar como gestora de crédito. A segunda é a CrediHome. Ela se dedica ao crédito hipotecário. Ela tanto financia a compra de casas e apartamentos, quanto libera empréstimos com garantia hipotecária.
Souza começou a empreender com o espírito de uma fintech — antes mesmo de o termo existir — na década de 90, quando foi convidado por Luiz Cezar Fernandes, um dos fundadores do antigo Pactual, para criar uma seguradora de créditos e garantias naquele banco.
A tese era a seguradora poder ser um instrumento valioso na área de finanças estruturadas do Pactual, funcionando como um mitigador de riscos das operações. Assim nasceu em 1992 a Seguradora Brasileira de Fianças. Ela acabou se destacando no setor imobiliário, porque construtoras e incorporadoras demandavam mais o produto para a garantia da conclusão de obras e nas permutas de terrenos por unidades.
Com quatro anos de vida, rebatizada de UBF após a compra da United Seguros, ela atraiu o interesse da resseguradora internacional Swiss Re. Esta comprou 50% da empresa em 1996. A parceria de Souza com a Swiss Re extrapolou esse negócio e se estendeu ao longo dos anos em outras operações.
Em 1998, a regulamentação da securitização imobiliária criou a alienação fiduciária de imóveis e os CRIs (certificados de recebíveis imobiliários). Souza viu pela primeira vez a oportunidade de utilizar o mercado de capitais para financiar o setor imobiliário, como já ocorria nos mercados desenvolvidos. Para se lançar no segmento, uniu se à Enhance Financial Services, especializada em securitizações e ligada à Swiss Re. Juntos, colocaram de pé a FinPAC Securitizadora, hoje RB Capital. A empresa deslanchou rapidamente porque aproveitou a base de clientes do setor imobiliário da UBF.
Em 1999, quando o Pactual passava por desentendimentos entre os sócios, Souza deixou o banco e levou consigo as duas empresas que criou por lá, UBF e RB. Junto com Fernandes, surgiu a ideia de criar uma gestora, também focada no segmento imobiliário e assim surgiu, em 2000, a Rio Bravo como uma subsidiária da Securitas Latin America, outra parceria, dessa vez na área de investimentos, entre Souza e Swiss Re.
Na largada, a Rio Bravo comprou uma distribuidora de valores mobiliários chamada Mercúrio, especializada na administração de fundos imobiliários. Fernandes acabou não ficando na sociedade e a Rio Bravo acabou sendo fundada por Souza, Paulo Bilyk e Gustavo Franco.
Com esse tripé de seguro-garantia (UBF), crédito e securitização imobiliários (RB) e fundos imobiliários (Rio Bravo), o grupo de Souza tornou-se líder em todos esses segmentos. Até 2007, quando ele deixou a Rio Bravo por entender o foco da empresa dever ser o crédito estruturado, enquanto os outros sócios expandiam a gestora para novos setores, como venture capital, gestão de fundos e patrimonio e de project finance.
Em 2010, ele criou a Finvest e passou a atuar com crédito estruturado para novos setores, além do imobiliário. Quatro anos depois, vendeu a participação na RB para a Orix Corporation, do Japão.
Segundo ele, deixou o negócio por entender a RB não ser mais a empresa mais inovadora na securitização do mercado brasileiro. Ela, em conversas com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), aprovou novos produtos, como:
- a securitização para a venda de apartamentos por meio da compra de recebíveis das incorporadoras; e também
- o primeiro CRI envolvendo não imóveis para moradias, mas comerciais, embalando a rede de agências do antigo banco Bamerindus.
Investimento Direto Estrangeiro no Setor Financeiro Brasileiro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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