sábado, 21 de dezembro de 2019

Capital: Fator Essencial do Desenvolvimento

Joseph Schumpeter, em seu livro “Teoria do Desenvolvimento Econômico” (original publicado em 1911), dá expressão a um pensamento longamente à espera de formulação, embora seja muito familiar a todo homem de negócios. A economia capitalista é a forma de organização econômica na qual os bens necessários à nova produção são retirados de seu lugar estabelecido no fluxo circular pela intervenção de poder de compra criado ad hoc, enquanto aquelas formas de economia onde isso acontece por meio de qualquer tipo de poder de comando ou por meio de um acordo de todos os interessados representam a produção não-capitalista.

O capital não é nada mais além da alavanca com a qual o empresário subjuga ao seu controle os bens concretos necessitados, como um meio de desviar os fatores de produção para novos usos, ou de ditar uma nova direção para a produção. Essa é a única função do capital e por ela se caracteriza inteiramente o lugar do capital no organismo econômico.

Ora, o que é essa alavanca, esse meio de controle? Certamente não consiste em nenhuma categoria definida de bens, em nenhuma parte definível da oferta existente de bens. Geralmente concluímos encontrarmos o capital na produção e ele, de algum modo, ser útil no processo produtivo. Portanto devemos também o ver em operação em algum lugar em nosso exemplo da realização de combinações novas.

Ora, todos os bens necessitados pelo empresário estão no mesmo nível de seu ponto de vista. Ele carece dos serviços dos agentes naturais, do trabalho, da maquinaria, da matéria-prima, de todos igualmente, exatamente no mesmo sentido, e nada distingue essas necessidades umas das outras. Evidentemente isso não quer dizer não haver nenhuma diferença relevante entre essas categorias de bens. Pelo contrário, certamente há diferenças, mesmo seu significado tendo sido e ainda seja superestimado por muitos teóricos.

Mas está claro o comportamento do empresário ser o mesmo em relação a todas essas categorias: ele compra todas elas com dinheiro, pelo qual calcula ou paga juros, sem distinção, sejam ferramentas, terra ou trabalho. Todas cumprem o mesmo papel, são igualmente necessárias para ele.

Em particular é bem irrelevante se ele começa a sua produção ab ovo, ou seja, simplesmente compra trabalho e terra, ou se também adquire de imediato produtos intermediários existentes, ao invés de ele próprio produzi-los. Finalmente, se precisasse adquirir bens de consumo, isso também não faria nenhuma diferença fundamental.

Não há nenhuma razão para fazer qualquer tipo de distinção entre todos os bens comprados pelo empresário e, consequentemente, nenhuma razão para incluir qualquer grupo deles sob o nome de capital. Não é necessário nenhum argumento para mostrar a definição do capital consistente em bens é aplicável a todas as organizações econômicas. Assim, não é adequada para caracterizar a economia capitalista.

Se se perguntasse ao homem de negócios em que consiste o seu capital, ele indicaria qualquer dessas categorias de bens. Se mencionar sua fábrica incluirá o terreno sobre o qual esta se assenta, e se quiser responder de maneira completa não esquecerá o seu capital de giro, no qual estão incluídas compras de serviços do trabalho, direta ou indiretamente.

O capital de um empreendimento, contudo, também não é o agregado de todos os bens benéficos aos seus propósitos. O capital se defronta com o mundo das mercadorias. Os bens são comprados com capital — “o capital é investido em bens” — mas esse mesmo fato implica o reconhecimento de a sua função ser diferente da dos bens adquiridos.

A função dos bens consiste em servir a um fim produtivo correspondente à sua natureza técnica. A função do capital consiste em obter para o empresário os meios com os quais produzir.

O capital se coloca como um terceiro agente necessário à produção em uma economia de trocas, entre o empresário e o mundo dos bens. Constitui a ponte entre eles. Não faz parte diretamente da produção, ele próprio não é “elaborado”. Pelo contrário, desempenha uma tarefa a ser feita antes de a produção técnica começar.

O que é então o capital se não consiste nem em uma espécie definida de bens nem em bens em geral? A essa altura a resposta é bastante óbvia: é um fundo de poder de compra. Só enquanto tal pode desempenhar sua função essencial, a única função para a qual o capital é necessário na prática e para a qual o conceito de capital tem um uso na teoria. Ele não pode ser substituído com igual adequação pela enumeração de categorias de bens.

Coloca-se agora a questão de o que exatamente constitui esse fundo de poder de compra. Essa questão parece ser muito simples. Em que consiste o meu fundo de poder de compra? Ora, em dinheiro e nos meus outros ativos calculados em dinheiro.

Não há nenhuma dificuldade em distingui-lo, enquanto “fundo”, do “fluxo” de rendimentos, tal como está em Irving Fisher. Pode-se aplicar em um empreendimento essa mesma soma ou emprestá-la a um empresário.

Contudo, essa visão, aparentemente tão satisfatória à primeira vista, infelizmente não é completamente adequada. Não é verdade poder entrar nas fileiras dos empresários apenas com essa soma.

Se é correto a função do capital só consistir em assegurar ao empresário o controle sobre os bens de produção, então não podemos fugir à conclusão de o seu capital aumentaria pela criação de um compromisso de dívida. Ele não se torna mais rico pela criação desse contrato mútuo entre mutuante e mutuário.

Apenas meios de pagamento são capital, não meramente “dinheiro”, mas meios de circulação em geral, de qualquer espécie. Contudo, nem todos os meios de pagamento, mas apenas os que efetivamente cumprem a função característica de reprodução ampliada constituem capital.

Essa limitação reside na natureza da coisa. Se os meios de pagamento não servem para prover um empresário dos bens de produção e retirar estes últimos de seu emprego anterior com esse propósito, então não são capital.

Schumpeter define o capital, então, como a soma de meios de pagamento disponível em dado momento para transferência aos empresários. Quando o desenvolvimento começa, a partir de um fluxo circular em equilíbrio, apenas uma parte muito pequena dessa soma de capital poderia, de acordo com a sua interpretação, consistir em dinheiro. Pelo contrário, deveria consistir em outros meios de pagamento recém-criados com esse propósito.

Se o desenvolvimento já foi desencadeado ou se o desenvolvimento capitalista se associa a uma forma não-capitalista ou intermediária, começará com um suprimento de recursos líquidos acumulados. Mas, na teoria estrita, não poderia fazê-lo. E mesmo na realidade, quando uma coisa realmente significativa deve ser feita pela primeira vez, isso é sempre impossível.

O capital, então, é um agente na economia de trocas. Um processo da economia de trocas está expresso na imagem do capital, a saber, a transferência de meios produtivos ao empresário. Na concepção schumpeteriana, portanto, há realmente somente capital privado e não “social”.

Os meios de pagamento só podem desempenhar seu papel de capital nas mãos de indivíduos particulares. Assim não haveria muito propósito em falar de capital social, com esse sentido. Não obstante, a soma de capitais privados nos diz algo: dá-nos a dimensão do fundo a ser posto à disposição dos empresários, a dimensão do poder de retirar meios de produção de seus canais anteriores. Portanto, o conceito de capital social não é desprovido de sentido.

No entanto, em geral se pensa no estoque de bens de uma nação, quando se fala de capital social. Nesse caso limitado, somente os conceitos de capital real conduziram ao de capital social.

Ainda há um passo a ser dado. O capital não é nem o todo nem uma parte dos meios de produção — originais ou produzidos. Tampouco o capital é um estoque de bens de consumo. Ele é um agente especial.

Como tal deve ter um mercado naquele sentido teórico onde há um mercado para bens de consumo e para bens de produção. Ao mercado monetário deve corresponder, na realidade, algo similar ao que ocorre no caso desses outros dois.

O cerne da questão reside nos requisitos de crédito dos novos empreendimentos. Só acontece uma coisa fundamental no mercado monetário, em relação à qual tudo o mais é acessório: pelo lado da demanda aparecem empresários e do lado da oferta produtores e negociantes de poder de compra, isto é, banqueiros, ambos com suas equipes de agentes e intermediários. O que acontece é simplesmente a troca de poder de compra presente por futuro.

Seria totalmente errôneo acreditar o preço do crédito de curto prazo ser uma questão indiferente para as novas empresas, porque é de crédito de longo prazo sua necessidade fundamental. Pelo contrário, em nenhum lugar se expressa tão claramente toda a situação econômica, em todos os momentos, quanto no preço dos empréstimos de curto prazo.

O empresário não toma necessariamente um empréstimo para todo o período no qual precisa de crédito, mas à proporção que vai surgindo a necessidade e frequentemente quase de um dia para o outro. Além disso, os especuladores frequentemente conservam ações, especialmente de novos empreendimentos, com esse crédito de curto prazo, que pode ser concedido hoje e negado amanhã.

O mercado monetário é sempre, por assim dizer, o quartel-general do sistema capitalista, do qual partem as ordens para as suas divisões individuais. O ali debatido e decidido é sempre em essência o estabelecimento de planos para o desenvolvimento posterior.

Todas as espécies de requisitos de crédito vêm a esse mercado. Nele todas as espécies de projetos econômicos travam relação uns com os outros e lutam por sua realização. Todas as espécies de poder de compra, saldos de toda sorte, fluem para ele a fim de serem vendidos. Isso dá origem a um bom número de operações de arbitragem e de manobras de intermediação capazes de, com facilidade, esconder o fundamental. Não obstante, no fundo, a concepção schumpeteriana quase não precisa temer a contradição.

Assim, a função principal do mercado monetário ou de capital é o comércio de crédito com o propósito de financiar o desenvolvimento.

O desenvolvimento cria e alimenta esse mercado. No curso do desenvolvimento lhe é atribuída ainda uma outra, ou seja, uma terceira função: ele se torna mercado das próprias fontes de rendimentos.

Schumpeter considera mais adiante, em sua argumentação, a relação entre o preço do crédito e o preço das fontes de rendimentos permanentes ou temporários. Aqui fica claro o seguinte: a venda de tais fontes de retornos representa um método de adquirir capital. Sua compra é um método de empregar capital, consequentemente, a negociação de fontes de retornos não pode ser muito afastada do mercado monetário.

O comércio de terra também se inseriria aqui, e somente circunstâncias técnicas impedem aparecer na prática como uma parte das transações do mercado monetário. Mas não há falta de ligação causal entre os dois.

Capital: Fator Essencial do Desenvolvimento publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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