sábado, 7 de dezembro de 2019

Crédito Rural Subsidiado

Cristiano Zaia, Estevão Taiar e Rafael Walendorff (Valor, 28/11/2019) informam: com a taxa básica de juros (Selic) da economia em 5% ao ano, o mais baixo patamar da história, começa a haver no mercado um “empoçamento” de crédito rural subsidiado. Os desembolsos baseados em depósito à vista — uma das principais fontes de recursos nessa frente — recuaram 20% nos quatro primeiros meses desta safra 2019/20 (julho a outubro) em relação ao mesmo período da temporada passada, para R$ 19,5 bilhões, e essa tendência poderá se aprofundar.

De acordo com dados do Banco Central (BC), entre as principais linhas com recursos controlados pelo governo, seja por meio de percentual de direcionamento obrigatório ou de subsídios, os empréstimos de custeio agropecuário voltados a grandes produtores baseados em depósitos à vista caíram 45% na comparação, para R$ 7,1 bilhões.

Em duas recentes audiências no Congresso, o presidente do BCB, Roberto Campos Neto, chamou a atenção para o movimento. “Pela primeira vez na história” há crédito rural direcionado “empoçado” nos bancos, disse ele no Senado. Há recursos disponíveis, mas a demanda está fraca, reflexos da política induzida pela equipe econômica de estimular o aumento da concorrência, o uso de fontes alternativas de financiamentos.

A taxa de juros longa característica das linhas com recursos do BNDES subiu tanto a ponto de alguns produtores não estão querendo dinheiro subsidiado, estão querendo ir no mercado porque é mais fácil e tem menos burocracia. O crédito direcionado total, não apenas o rural, teve mais uma forte queda neste ano. Do fim de 2015 até setembro deste ano, os empréstimos direcionados passaram de 49,2% do total de crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN) para 43,5%. Pior, ela é intencional.

De “cara-limpa” (ou sem vergonha) o prócer do ultraliberalismo confessa: “Queremos tirar o governo e colocar o setor privado no lugar”!

Nessa conjuntura de Selic baixa e encolhimento do montante de recursos disponíveis, grandes e médios produtores estão acessando mais recursos a juros livres. Eles já chegam a ser ofertados com juros de 6% ao ano pelo Banco do Brasil e por instituições privadas.

Como efeito, a agricultura familiar não acessa taxas livres. Ela, responsável pela produção de alimentos, pode ser o segmento agropecuário mais prejudicado, porque os bancos privados continuam demonstrando pouco interesse em operar nessa faixa, até porque, em muitos rincões dominados por pequenos produtores, tais instituições sequer atuam.

Os desembolsos de custeio tomados pelos agricultores familiares baseados em depósitos à vista diminuíram 4% nos quatro primeiros meses da safra, para R$ 2 bilhões. Esses financiamentos têm 100% de recursos com juros controlados. Na safra 2019/20, o governo destinou ao Pronaf mais da metade dos R$ 9,9 bilhões dos subsídios reservados ao crédito rural.

Nesse contexto, dizem especialistas, alguns bancos privados não têm conseguido emprestar todo o dinheiro obrigado a ser destinado ao setor agropecuário – a chamada exigibilidade. Nesse caso, eles podem repassar essa exigibilidade para um concorrente, por meio do Depósito Interfinanceiro Rural (DIR), mas se não conseguirem, e o dinheiro não for liberado, a instituição pode ser multada pelo BC em até 40% do valor de sobra no fim do ano-safra, em junho.

Pelas regras do manual de crédito rural, os bancos têm de destinar para financiamentos agropecuários:

  • 30% de suas captações com depósitos à vista,
  • 60% de tudo captado com poupança rural e
  • 35% de seus recursos com Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).

Procurado, o Ministério da Agricultura informou ter havido uma “sobreaplicação” das principais instituições financeiras a operarem com o Pronaf: Banco do Brasil, cooperativas e Banco do Nordeste. Esses bancos públicos já contam com grande disponibilidade de recursos para emprestar a pequenos produtores e, por isso, os bancos privados não estão conseguindo repassar os recursos obrigatórios.

Para contornar o problema, a Pasta estuda alterar as regras de direcionamento de recursos obrigatórios para o crédito rural para o “dinheiro fluir”. Uma opção depende de aprovação do BC e do Conselho Monetário Nacional (CMN): viabilizar a transferência de exigibilidades nas operações de investimentos do Pronaf – hoje, essa possibilidade só existe para custeio. Os bancos estão reclamando porque, se não aplicarem, pagam multa.

As transações de DIR devem aumentar na segunda metade desta safra, a partir de janeiro de 2020, quando os recursos disponíveis no Banco do Brasil para investimentos se esgotarem.

Essa situação decorre, em boa medida, da falta de estratégia dos bancos. As instituições não têm estrutura para atender esse mercado e trabalham cada vez menos com clientes “pessoas físicas”. Os bancos vieram desativando as carteiras e não têm credito rural controlado como meta. É obrigação, é ‘patinho feio’. Não contavam com a taxa de juros baixa e estão se desesperando.

Um dos principais bancos privados operadores com crédito rural, o Santander é um dos com, no momento, recursos “empoçados” destinados para financiamentos no âmbito do Pronaf. Ele sempre solucionou esse problema repassando recursos para cooperativas de crédito, mas nesta safra, com a queda da Selic, esses agentes vêm preferindo usar primeiro seu “funding” de poupança rural. Ela está mais rentável. Hoje o cliente prefere pegar a 9% ao ano na taxa livre no lugar de 8% no controlado, por conta de toda a burocracia. A demanda do setor é igual, mas não há mais justificativa de preço subsidiado diante de uma burocracia maior.

Crédito Rural Subsidiado publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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