Simon Johnson, ex-economista-chefe do FMI, é professor da Faculdade Sloan de Administração do MIT e cofundador de um destacado blog de economia, The Baseline Scenario. Ele é coauthor, com Jonathan Gruber, de “Jump-Starting America: How Breakthrough Science Can Revive Economic Growth and the American Dream”. Publicou artigo para divulgação deste livro (Valor, 02/12/2019). Compartilho-o abaixo.
O problema dos bilionários americanos está se agravando. Qualquer economia orientada pelo mercado, como a americana, cria oportunidades para novas fortunas, inclusive por meio da inovação. Mais inovação tende a ocorrer em lugares onde há um número menor de regras que tolham a criatividade empresarial.
Parte dessa criatividade poderá criar processos e produtos na verdade prejudiciais ao bem-estar público. Infelizmente, no momento quando a necessidade de legislação ou de regulamentação se fizer sentir, os inovadores já terão seus bilhões — e poderão usar esse dinheiro para proteger seus interesses.
Esse problema dos bilionários não é novo. Em todas as épocas, desde os tempos do Império Romano, pelo menos, produzem versões dele toda vez em que alguma mudança radical da estrutura do mercado ou da geopolítica cria uma oportunidade para a formação acelerada de fortunas.
Ao escrever na década de 1830, quando a Revolução Industrial ganhava força, Honoré de Balzac previu o receio social mais amplo: “O segredo das grandes fortunas sem causa aparente é um crime que foi esquecido, por ter sido cometido corretamente”. Ou, na paráfrase mais conhecida: por trás de toda grande fortuna há um grande crime.
Os grandes lucros decorrem das grandes ideias novas. É por isso que o financiamento do governo federal americano à ciência deveria ser concebido de forma a agregar participação estimulante aos empreendimentos que serão criados
Entre os exemplos históricos mais conhecidos estão a Companhia Britânica das Índias Orientais, os europeus que amealharam vastas fortunas com base no trabalho escravo africano nas Índias Ocidentais, e os proprietários de minas de carvão. Todos eles enriqueceram bem depressa e usaram então seu poder político para conseguir o que queriam, inclusive impunidade por abusos horrendos. Em seu pico, no século XIX, os interesses do setor ferroviário influenciaram muitos, ou talvez até a maioria, dos membros do Parlamento britânico.
Os Estados Unidos tiveram por muito tempo uma linhagem especialmente resistente do problema dos bilionários. Isso ocorreu, em parte, porque os fundadores dos Estados Unidos, em sua inocência pré-industrial, não puderam imaginar que o dinheiro se apoderaria da política tanto quanto se apoderou (ou isso ficou plenamente patente apenas algumas décadas depois). Além disso, os dirigentes americanos estavam há muito dispostos a permitir que a iniciativa privada assumisse novos projetos que, em outros países, caíam nas mãos do Estado.
Os correios alemães, por exemplo, montaram um dos mais amplos e eficientes sistemas telegráficos do mundo. Samuel Morse conclamou o Congresso americano a fazer o mesmo (ou melhor). Mas a comunicação telegráfica dos EUA foi, em vez disso, desenvolvida na esfera privada – tal como o sistema telefônico que se seguiu, como todo o ferro e o aço, toda a rede ferroviária e quase todos os componentes dos primórdios da economia industrial.
Quando o governo dos EUA efetivamente se envolveu na atividade econômica, foi, na maioria das vezes, para abrir novas fronteiras – o que criou mais oportunidades para os empreendedores individuais e as empresas privadas.
Na esteira da Segunda Guerra Mundial, Vannevar Bush – um republicano que era ao mesmo tempo o principal assessor do presidente Franklin D. Roosevelt – argumentou inteligentemente que a ciência representava a próxima fronteira, construindo assim um argumento político irresistível para que o governo agisse como catalisador.
Como Jonathan Gruber e eu argumentamos recentemente em nosso livro “Jump- Starting America”, os investimentos estratégicos do governo federal americano em ciência básica no pós-guerra estimularam uma notável inovação no setor privado – incluindo ganhos de produtividade e aumentos amplamente compartilhados dos salários. Foram criadas enormes novas fortunas.
As consequências políticas do surto de crescimento do setor privado americano no pós-guerra se fizeram sentir no espaço de uma geração, e nem sempre foram positivas. A partir da década de 1960, os Estados Unidos vivenciaram um crescente sentimento anti-impostos, uma forte pressão pela desregulamentação (inclusive do setor financeiro), e injeções de volumes muito maiores de dinheiro corporativo na política por meio de todas as vias possíveis.
Nas décadas recentes, essa prática de “lobby” corporativo teve dois efeitos principais. Primeiro, ao erguer barreiras de ingresso aos setores existentes, protege os já estabelecidos e baixa suas alíquotas efetivas de imposto. Isso é uma perda análoga ao acréscimo de um peso morto – um puro entrave ao crescimento da economia que restringe as oportunidades para todos os que já não são oligarcas. Com a corrosão das finanças públicas americanas pela oligarquia, é corroída também a capacidade de financiar a infraestrutura de base, as melhorias da educação e o tipo de ciência revolucionária que trouxeram os EUA até este momento.
Alguns dos bilionários americanos são louvados por suas iniciativas filantrópicas. Ao mesmo tempo, alguns deles adotam uma atitude egoísta em todas as suas operações comerciais – cavando fossos mais profundos a fim de proteger seus lucros ou simplesmente destruindo empresas de menor porte em qualquer oportunidade.
Há também um segundo efeito, mais sutil. Em alguns setores totalmente novos, principalmente na esfera digital, podia-se entrar pelo menos durante a fase inicial. Os empreendedores que montaram as primeiras empresas de internet não conseguiram erguer barreiras ao ingresso eficaz – o que originou o sucesso acelerado (e os bilhões a mais) de empresas mais recentes como o Facebook, a Amazon e o Uber.
Mas agora os acionistas controladores desses novos mastodontes operam, em boa medida, da mesma maneira que grandes magnatas como Andrew Carnegie, John D. Rockefeller e o J.P. Morgan original operaram no passado. Usam seu dinheiro para comprar influência e para opor resistência a qualquer tipo de limitação razoável a seu comportamento anticompetitivo e contrário aos interesses dos trabalhadores – mesmo que isso mine as instituições democráticas.
Sempre teremos bilionários. Até agora, a regulamentação e as alíquotas mais elevadas de taxação parecem atraentes hoje, mas, no futuro, será que elas se revelarão suficientes em um sistema político que permite que as pessoas gastem o quanto quiserem para obter o que quiserem (e para rechaçar tudo o que detestarem)? Chegou a hora de adotar uma nova postura, como propomos Gruber e eu.
Os grandes lucros decorrem das grandes ideias novas. É por isso que o financiamento do governo federal americano à ciência deveria ser concebido de forma a agregar participação estimulante aos empreendimentos que serão criados. A população merece muito mais participação direta nesses lucros. E os bilionários deveriam ter de se virar com menos bilhões.
Bilionários como Problema publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário