sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

FCVS: Método à Brasileira para Enfrentar “Crise do Subprime” Avant La Lettre

Edna Simão (Valor, 28/11/2019) explica algo pouco conhecido por leigos não especialistas.

Criado em 1967, o Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS) tinha como objetivo assumir o saldo devedor de contratos de financiamento da casa própria no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

O descasamento nos contratos ocorria porque nos financiamentos no SFH as prestações eram corrigidas pela variação salarial e as dívidas, de acordo com a inflação. Com isso, o valor das parcelas pagas mensalmente era insuficiente para amortizar a dívida e evitar a disparada do saldo devedor.

Esse descompasso provocou uma bola de neve tanto para os mutuários – que até hoje não conseguiram quitar os contratos – quanto para o governo, que desembolsa bilhões para cobrir incentivos concedidos na época para viabilizar o pagamento das diferenças dos financiamentos. Em 1988, o governo passou a garantir, ainda, o equilíbrio da apólice do seguro habitacional do SFH.

Com elevado passivo, em 2000, a União passou a assumir as obrigações do FCVS passando a honrá-las por meio de emissão de títulos públicos (novação). Cerca de R$ 164 bilhões já foram novados em valores atualizados em janeiro de 2019.

A gestão do FCVS compete ao Ministério da Economia por meio do Conselho Curador formado por seis integrantes: três do governo, dois de associações de agentes financeiros, além da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).

O governo federal avalizou os ajustes feitos pelo Congresso na Medida Provisória do FGTS para conseguir acelerar o pagamento de dívidas do Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS). Elas vencem em 2027. Ele tenta impedir o débito calculado em R$ 94,5 bilhões saltar para R$ 219 bilhões. Desde 1997, esse esqueleto custou aos cofres públicos R$ 164 bilhões.

O FCVS foi criado no período da hiperinflação dos anos 1980 para cobrir prejuízos dos bancos em contratos desequilibrados de financiamentos imobiliários. Em 2000, a Lei 10.150 definiu a União ter o prazo máximo de 30 anos, contados a partir de janeiro de 1997, para pagamento das dívidas do FCVS por meio do processo de novação.

Além da própria União, os principais beneficiados com o acerto de contas serão:

  1. os devedores do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), tendo a receber R$ 42,15 bilhões,
  2. a Caixa Econômica Federal (R$ 18,27 bilhões),
  3. a Empresa Gestora de Ativos – Emgea (R$ 10,4 bilhões),
  4. o Fundo Garantia do Tempo de Serviço (R$ 5,48 bilhões) e
  5. as Cohabs (R$ 4,8 bilhões), as companhias de habitação popular.

Segundo técnicos da área econômica, o processo de novação das dívidas será destravado com a sanção da Medida Provisória 889, conhecida como MP do FGTS. Ela foi aprovada incorporando artigos estabelecendo com clareza as regras a ser utilizadas para o cálculo do débito. Por exemplo, havia dúvidas sobre qual índice de correção utilizar e quantas casas decimais deveriam ser aplicadas. Ficou definido ser usada a Taxa Referencial (TR) e duas casas decimais.

Pela MP, o governo ainda abriu mão da apresentação de comprovação de regularidade no recolhimento das contribuições ao FCVS para contratos assinados entre 16 de junho de 1967 a 31 de dezembro de 1977. Isso para os contratos homologados pela Caixa até 31 de dezembro de 2018.

A ideia de aproveitar a MP do FGTS para destravar os pagamentos do FCVS veio de emenda sugerida pela Associação Brasileira das Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (ABC) ao Congresso. A área econômica viu na sugestão uma forma de conseguir acelerar o pagamento da dívida com FCVS. Então, negociou com a entidade uma nova redação. Ela foi incorporada à MP e aprovada pelo Congresso Nacional.

As Cohabs querem acelerar o recebimento de recursos do FCVS para quitar dívidas com o FGTS. Assim, essas entidades deixarão de ser inadimplentes com o Fundo de Garantia e poderão ter acesso a mais recursos para financiar a construção de habitação de interesse popular.

O excesso de zelo na validação dos contratos paralisou as novações. Com o esclarecimento das divergências legais na MP, esse processo será destravado. Sem os ajustes, o governo não conseguiria novar toda a dívida do FCVS até 2027.

Segundo técnicos oficiais, a paralisia das novações eleva de forma significativa o risco fiscal da União devido, por exemplo, à possibilidade de judicialização desses processos, pois os credores irão requerer pagamento do débito pelas condições contratuais originais ou risco de desenquadramento dos limites de capital de Basileia pela Caixa. A maior parte dos recursos a serem pagos pela União atende, principalmente, a empresas ligadas ao governo.

Para os técnicos, somente estes ajustes contribuirão para grande parte das divergências legais entre credores, Caixa, Controladoria Geral da União (CGU) e Tesouro Nacional ser sanada. No triênio de 2016 a 2018, as novações do FCVS somaram R$ 1,552 bilhão. Somente em 2018, o orçamento para esta finalidade era de R$ 12,5 bilhões. Com a mudança, o ritmo de execução desses recursos deve acelerar.

Mesmo com previsão orçamentária, desde 2016, a transformação de créditos a receber em títulos públicos foi praticamente paralisada por divergências com relação ao valor da dívida. O orçamento anual para novações de dívidas é de R$ 13,5 bilhões, restando sete anos para o fim do prazo.

A aceleração do pagamento de dívidas do Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS) vai permitir o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) receber uma injeção de recursos de R$ 23 bilhões em sete anos. Isso será possível porque a Empresa Gestora de Ativos (Emgea) e as Companhias de Habitação Popular (Cohabs), por exemplo, têm créditos do FCVS. Eles, segundo técnicos da equipe econômica, seriam direcionados para o pagamento de dívidas com o FGTS.

Segundo o secretário-executivo da Associação Brasileira das Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (ABC), a entidade propôs a inclusão na Medida Provisória do FGTS o esclarecimento sobre pontos divergentes com relação ao que deveria ser utilizado para cálculo da dívida e liberação de documentos exigidos para comprovação de contribuições feitas ao FCVS entre 1967 e 1977. Para ele, a medida não é um “jabuti”, como são chamadas as emendas incluídas nos relatórios das medidas provisórias que não têm relação com o texto original enviado pelo Executivo ao Congresso, pois o FGTS será um dos principais beneficiados com a medida.

O secretário informou existirem 32 Cohabs municipais e estaduais no país, mas nem todas têm créditos do FCVS a receber. A dívida dessas entidades com o FGTS está calculada em R$ 5,7 bilhões. Se as Cohabs receberem o crédito de R$ 4,8 bilhões do governo referente ao FCVS, essa dívida cai consideravelmente e algumas entidades, hoje estão inadimplentes, podendo então elas voltarem a pegar recursos junto ao FGTS.

Dados repassados pelo Ministério da Economia mostram a EMGEA tem um crédito de R$ 10,4 bilhões de dívida homologada do FCVS. O próprio FGTS aguarda o recebimento de R$ 5,48 bilhões.

Na avaliação de técnicos da área econômica, a possibilidade de injeção de recursos do Fundo de Garantia é bem-vinda, principalmente, neste momento de aumento dos saques pelos trabalhadores, devido às medidas anunciadas pelo governo para estimular a atividade econômica.

A Medida Provisória 889, conhecida como MP do FGTS, permitiu o saque imediato do fundo e criou uma nova modalidade para retirada de recursos. O impacto do saque imediato neste ano é de R$ 40 bilhões, mas esse valor deve subir, pois o Congresso Nacional elevou o valor de retirada de R$ 500 para R$ 998. A MP ainda prevê o lucro do FGTS ser integralmente distribuído para o trabalhador.

FCVS: Método à Brasileira para Enfrentar “Crise do Subprime” Avant La Lettre publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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