domingo, 1 de dezembro de 2019

Antecedentes Alarmantes quanto ao Risco de Guerra Mundial

Martin Wolf é editor e principal analista econômico do Financial Times. Escreveu artigo (Valor, 27/11/2019) alertando para o risco do cenário mundial face às experiências do passado.

A história não se repete, mas, muitas vezes, rima. Essa observação é, com frequência, incorretamente atribuída a Mark Twain. Mas é boa.

A história é a guia mais poderosa do presente, porque demonstra o que é permanente na nossa humanidade, principalmente as forças que nos impulsionam em direção ao conflito. Uma vez que o maior acontecimento geopolítico atual é, de longe, o explosivo conflito entre Estados Unidos e China, é esclarecedor recordar acontecimentos semelhantes do passado. Em um livro instigante, “Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?”, Graham Allison, de Harvard, começa com o relato da Guerra do Peloponeso de Tucídides, o grande historiador ateniense do século V a.C. Martin Wolf, no entanto, se concentrará nas três eras de conflito dos últimos 120 anos. Elas têm muito a ensinar.

A lição mais óbvia é a de a qualidade da liderança ser importante. As habilidades e intenções de Xi Jinping são claras: ele é dedicado à hegemonia do partido sobre uma China que renasce. Sob a liderança instável de Trump o mundo todo está em grandes apuros.

O conflito mais recente foi a Guerra Fria (1948-1989) entre um Ocidente democrático liberal, encabeçado pelos EUA, e a comunista União Soviética, uma versão modificada do Império Russo pré-Primeira Guerra Mundial. Foi um conflito de grandes potências entre as principais vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Mas foi também um conflito ideológico sobre a natureza da modernidade. O Ocidente acabou vencendo.

Venceu porque a escala das economias ocidentais e a velocidade dos avanços tecnológicos ocidentais superaram amplamente as da União Soviética. Os governados pelo império soviético, além disso, ficaram decepcionados com seus governantes corruptos e despóticos, e a própria liderança soviética concluiu que seu sistema tinha fracassado. Apesar dos momentos de perigo, notadamente o da crise dos mísseis de Cuba, de 1962, a Guerra Fria também terminou de maneira pacífica.

Retrocedendo mais, chegamos ao período entreguerras. Foi um intervalo no qual a tentativa de restabelecer a ordem pré-Primeira Guerra Mundial fracassou, os EUA se retiraram da Europa e uma gigantesca crise financeira e econômica, surgida originalmente nos EUA, devastou a economia mundial. Foi um tempo de agitação civil, populismo, nacionalismo, comunismo, fascismo e nacional-socialismo.

A década de 1930 é uma lição permanente sobre a possibilidade de a democracia vir abaixo quando as elites entram em colapso. É também uma lição de o que acontece quando grandes países caem nas mãos de lunáticos ávidos pelo poder.

Retrocedendo ainda mais, chegamos ao decisivo período 1870-1914. Como observou Paul Kennedy em seu livro clássico, “Ascensão e Queda das Grandes Potências”, em 1880 o Reino Unido gerou 23% da produção manufatureira mundial. Até 1913, essa participação tinha caído para 14%. No mesmo período, a fatia da Alemanha subiu de 9% para 15%. Essa mudança na correlação de forças europeia levou a uma catastrófica guerra tucídica entre o Reino Unido, uma apreensiva potência do “status quo”, principalmente quando os alemães começaram a construir uma frota moderna, e a Alemanha, uma raivosa potência em ascensão.

Por seu lado, a produção industrial dos EUA foi de 15% para 32% do total mundial, enquanto a China caía na irrelevância. Daí para a frente, a ação dos EUA (nos grandes conflitos do século XX) e sua inação (no período entreguerras) determinaram os resultados.

A era atual é uma mescla de todas essas três. É marcada por:

  1. um conflito de sistemas políticos e ideológicos entre duas superpotências, como na Guerra Fria,
  2. uma queda pós-crise financeira da confiança na política democrática e na economia de mercado,
  3. a ascensão do populismo, do nacionalismo e do autoritarismo, como na década de 1930, e, mais significativamente,
  4. uma drástica mudança da correlação de poder econômico, com a ascensão da China, como ocorreu com os EUA antes de 1914.

Pela primeira vez desde então, os EUA enfrentam uma potência com potencial econômico superior ao seu.

O período pré-1914 terminou em uma guerra catastrófica, assim como o período entreguerras, embora este tenha sido seguido por um intervalo pós-1945 relativamente bem-sucedido. A Guerra Fria terminou num triunfo pacífico. Atualmente, o mundo se defronta com desafios facilmente equiparados aos enfrentados nos períodos anteriores. Quais são então as lições a serem tiradas dessas eras?

Talvez a mais óbvia é a de a qualidade da liderança é importante. As habilidades e intenções do presidente Xi Jinping são suficientemente claras: ele é dedicado à hegemonia do partido sobre uma China que renasce.

Mas o sistema político do mundo ocidental e, principalmente os dos EUA e do Reino Unido, as duas potências líderes do mundo no decurso da década de 1930, está fracassando. A liderança instável de Donald Trump lembra a da Alemanha sob o “kaiser” Guilherme II. Sem liderança melhor, o Ocidente e, portanto, o mundo como um todo, estão diante de grandes apuros.

Outra lição é a importância premente de evitar a guerra. O professor Allison descreve bem como a desconfiança mútua alimentou a jornada rumo à guerra em 1914. É ainda mais decisivo para os EUA e a China evitar um conflito frontal agora. Esse foi o grande sucesso da Guerra Fria. Mas a distensão nuclear pode não ser suficiente.

Talvez a conclusão mais importante, porém, seja a de evitar mais uma catástrofe não é suficiente. Não podemos nos dar ao luxo de nos entregar aos velhos jogos de rivalidade entre grandes potências. Por mais inevitáveis que possam parecer. Os nossos destinos estão muito profundamente imbricados para isso.

Uma visão vantajosa para todas as partes das relações entre o Ocidente, a China e o resto do mundo tem de se tornar hegemônica se quisermos administrar os desafios econômicos, de segurança e ambientais com os quais nos defrontamos. A humanidade tem de se sair muito melhor do que antes.

Hoje, isso deve parecer uma fantasia, em vista da qualidade da liderança ocidental, do autoritarismo da China e da maré montante da desconfiança mútua. Mas temos de tentar. Temos de administrar essa nova era difícil de maneira estratégica. Nossos futuros agora dependem da nossa capacidade de fazer isso.

Antecedentes Alarmantes quanto ao Risco de Guerra Mundial publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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