Investiguei os dados atuais sobre as Finanças Pessoais no livro Fernando Nogueira da Costa. O Trabalho: Capital Acumulado (Blog Cidadania & Cultura; julho 2020). Na minha nova pesquisa sobre a alavancagem e a desalavancagem financeira, ocorridas na última década, cujo relatório denominei “Golpe Econômico: Locaute ou Nocaute da Economia Brasileira”, meu foco se incidiu sobre Finanças Corporativas e, brevemente, Finanças Públicas.
A análise de todas as séries temporais, elaboradas pelo CEMEC-FIPE, a respeito da situação financeira das empresas não-financeiras brasileiras apontam 2015 como o ano do ponto de ruptura decisivo. Ditou os rumos dos acontecimentos posteriores nos componentes econômicos, políticos e sociais do sistema complexo chamado Brasil.
Como em todas as configurações sistêmicas, no caso, de uma crise ainda não superada, o processo vem de longe. 2015 foi o ano de auge do ciclo de endividamento, iniciado em 2004, com inovações financeiras como o crédito consignado e as mudanças institucionais necessárias para posterior retomada do crescimento do crédito imobiliário.
A relação crédito/PIB no Brasil aumentou de 24% para 54%, entre 2004 e 2015, tendo recuado para 47% em 2019. Tal proporção é próxima da média na América Latina (50%), e inferior às médias mundial (130%) e dos países-membros da OCDE (147%).
Segundo os critérios empregados na Nota do BCB, Endividamento de Risco no Brasil, 5,4% da população brasileira, ou 4,6 milhões de tomadores, dentro de um universo de 85,3 milhões de tomadores incluídos no SCR, encontram-se em situação de endividamento de risco. A população de renda média – entre R$ 2 mil e R$ 10 mil – e com idade acima de 54 anos mostra-se a mais vulnerável a essa condição.
O relativo de pessoas endividadas não é tão gritante como informa todos os meses a PEIC-CNC na imprensa. Esta pesquisa apresenta uma séria distorção no cálculo das famílias endividadas e também na estimativa do tipo de dívida.
Se 2/3 das famílias estavam endividadas, em abril de 2020, e em número absoluto eram 10,738 milhões de famílias, por essa pesquisa o total delas é estimado em 16,269 milhões. Este número, no entanto, não confere com o de domicílios pesquisados pelo IBGE no Brasil: 71 milhões famílias em uma população de 211,750 milhões pessoas.
O tipo de dívida, segundo a PEIC-CNC, era, em ordem decrescente, cartão de crédito: 78,4%; carnê de loja: 16,2%; prestação de carro: 10,3%; financiamento de casa: 9%; empréstimo pessoal: 8,5%; cheque especial: 6,4%; cheque pré-datado: 1%. Pela possibilidade de uma família ter mais de um tipo de dívida, a soma desses percentuais alcança 138,6%.
Segundo dados do Banco Central, para Pessoa Física, o crédito pessoal é o mais relevante (49%) e, dentro dele, o consignado representa 36% do crédito total com recursos livres. Aquisição de veículos equivale a 19%, abaixo do total com cartões de crédito (21%). Então, 89% são esses três tipos de dívidas.
Considerando também o crédito com recursos direcionados, o crédito imobiliário é o mais importante endividamento (33%) de Pessoa Física. Isto não só por ser de valor maior, mas também por ser um compromisso financeiro em longo prazo.
Os cartões de crédito representam 11% do total do crédito à Pessoa Física, inclusive direcionado. Entre eles, 71% é pagamento à vista, nem rotativo (18%), nem parcelado (11%). Quando você paga à vista, usando cartões, é contabilizado como crédito.
É diferente a situação financeira das Pessoas Jurídicas. Para começar, sofreram um golpe com a hipótese cultivada pelos neoliberais: o BNDES inibia o mercado de capitais. Os desenvolvimentistas contrapunham outra: era a elevada taxa de juro básica Selic a inibidora do mercado de renda variável. Com essa polêmica tipo “copo meio cheio, copo meio vazio”, quando os neoliberais assumiram o BNDES trataram logo de o esvaziar…
Havia hábitos comportamentais arraigados dos investidores por causa da cultura de renda fixa. Como os títulos públicos remuneravam com altas taxas de juros, elevada liquidez e risco de crédito nulo (“soberano”), eles inibiam as aplicações em renda variável e títulos de divida corporativa enquanto os juros fossem disparatados.
Em consequência, a base de investidores individuais em ações era pequena e a cultura de mercado de capitais insuficiente. Os investidores institucionais (fundos de pensão e fundos de pensão) preferiam títulos públicos e investimento em ações só de grandes companhias. As empresas menores tinham mais risco, custo maior de analise, menos liquidez. O ciclo de IPOs 2006-2007 tinha confirmado as emissões das ações por parte de grandes empresas serem para grandes investidores, especialmente estrangeiros.
Em 2018, 80,3% do aumento dos ativos das empresas não financeiras foram financiados por capital próprio (retenção de lucros 77,7% e emissões primárias 2,7%), muito acima do padrão histórico de 50,8% estabelecido entre 2005 e 2018. Nesse período, emissões primárias foram 7,4%, lucros retidos 43,4% e dívida 49,2%.
Essa diminuição de dívida, em 2018, revelou o propósito de desalavancagem financeira das empresas. Desde dezembro de 2016 até julho de 2019, os recursos externos e o mercado de capitais responderam por quase 100% da captação liquida de recursos das empresas, segundo a pesquisa do CEMEC-FIPE. Todos os indicadores apontavam para uma captação líquida negativa das empresas não-financeiras nos bancos, ou seja, pagamento de dívidas superior à tomada de novos empréstimos.
A taxa média de juros do crédito do sistema financeiro com recursos livres para Pessoa Jurídica tinha se elevado continuamente, a partir de junho de 2013, depois de uma queda desde 2011. Foi mais uma “barbeiragem” da diretoria neoliberal do Banco Central do Brasil – como foi a elevação dos juros básicos quando explodiu a crise internacional em setembro de 2008 –, ao elevar a Selic por conta da inflação de alimentos, provocada pela quebra de oferta com a seca de 2013 a 2016.
Em 2015, ocorreram os levyanos choques inflacionários, provocados pelos realinhamentos dos preços relativos de maneira favorável aos preços administrados. Sacramentou o processo de elevação dos juros iniciado em abril de 2013. Foi um golpe na economia brasileira, seja por locaute empresarial, seja por nocaute governamental.
A queda da taxa de juros básica Selic, somente a partir de outubro de 2016, colaborou na redução da dívida bancária e das despesas financeiras das empresas em fase de desalavancagem financeira. Mas aumentou a dívida dolarizada, após o golpe econômico, com o desmanche do BNDES. A participação de dívida externa em moeda estrangeira ou indexada a câmbio, de dezembro de 2016 a julho de 2019, flutuou em torno de 40% da dívida total das empresas não financeiras.
No fim do primeiro semestre de 2019, nas empresas de capital aberto, e no fim de 2018, nas de capital fechado, a divida bruta nominal ainda era superior à existente em 2015. A desalavancagem financeira ainda não tinha se completado antes da pandemia.
Segundo o CEMEC, um indicador importante da disposição de investir das empresas é a destinação dos lucros. “A retenção de lucros em geral está associada à existência de planos ou projetos de investimento”.
Adota uma ótica economicista, sem considerar o aspecto arbitrário e/ou político – até mesmo de sabotagem para derrubar o governo com locaute ou paralisia empresarial – da questão. Afirma: “em situações nas quais as empresas não visualizam a existência de oportunidades rentáveis de investimento, a alternativa é o aumento da distribuição de resultados, na forma de dividendos ou o pagamento de juros do capital próprio”.
O CEMEC deveria também contemplar o seguinte fato: a prioridade naquele fatídico ano de 2015, quando se completou o processo de choque (ou golpe) de juros, iniciado em abril de 2013, passou a ser a desalavancagem financeira. Por que distribuir resultados, quando deveria se pagar a dívida financeira elevada?
Não teria sido um “golpe econômico”, no sentido de criar propositalmente um ambiente econômico muito desfavorável ao governo eleito, em período de queda acentuada de lucro líquido, as empresas não terem reduzido a distribuição de dividendos? Por que as diretorias da FIESP e CIESP aprovaram, em reunião realizada em dezembro de 2015, o apoio ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff?
No período social-desenvolvimentista, o efeito combinado de política de aumento dos salários reais, dado o “pleno-emprego”, esteve descolada de medidas de produtividade. Sem a despedida de empregados, para produzir o mesmo com menos trabalhadores, a apreciação cambial reduziu a competitividade – e os lucros empresariais.
No período 2011-2013, o câmbio se depreciou, gradualmente, mas não foi suficiente para compensar os aumentos do Custo Unitário do Trabalho (CUT) de anos anteriores e melhorar a competitividade do país. A recuperação no balanço de pagamentos foi ocasionada por uma depreciação cambial, não por uma recuperação da produtividade.
Em conclusão, a queda da produtividade do trabalho, somada aos ganhos de salários, fez o CUT aumentar – e chegar no ano de 2014 bem acima do nível da Era Neoliberal. No caso de considerar o valor baseado em uma cesta de moedas, a valorização cambial nesse período também contribuiu para esse aumento do CUT em taxa real.
Houve uma redução de 19% na produtividade do trabalho da indústria de transformação no período desde a Era Neoliberal até 2014. Esta foi a razão mais profunda para o golpe econômico, armado politicamente por industriais: colocar um fim na hegemonia eleitoral de um partido de origem trabalhista.
Baixe o relatório de pesquisa: Fernando Nogueira da Costa. Golpe Econômico: Locaute ou Nocaute da Economia Brasileira. Blog Cidadania & Cultura; agosto de 2020.
Golpe Econômico: Baixe o Relatório publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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