Gustavo Ferreira (Valorm 29/07/2020) lembra: “ouro vale mais que dinheiro.” O bordão de Silvio Santos, de 21 anos atrás, vem sendo levado ao pé da letra pelos investidores brasileiros, muito embora no mercado financeiro teses como a do fundador do maior hedge fund do mundo e grande defensor do metal, o americano Ray Dalio, tenham mais peso.
No ano, os contratos para compra de ouro mais negociados na B3 (250 gramas) já se valorizaram 58% – como são denominados em reais, parte do ganho vem da variação do metal no mercado internacional, que opera nas máximas, e parte é resultado da alta do dólar por aqui, que sobe 28%.
Em Nova York, desde o inusitado tombo no estourar da crise, em março, quando foi à mínima de US$ 1.470 por onça-troy (31,3 gramas), o ouro já subiu mais de 30%. Na sexta-feira, foi furada pela primeira vez a barreira psicológica dos US$ 1.900. Nas últimas semanas, a alta do ouro coincide com a perda de prestígio do dólar como reserva de valor no mundo.
Mas mais que preços aquecidos, os volumes de negociação de ouro na B3 demonstram com maior clareza os brasileiros sintonizados com a corrida mundial pelo ativo. No ano passado, o maior volume médio diário de negociação de contratos foi de R$ 5,6 milhões, em agosto, auge das tensões comerciais entre Estados Unidos e China. Neste ano, após atingir a máxima de R$ 9,2 milhões em março, mês marcado pela mínima do ouro no ano, bateu novo recorde em abril, ao alcançar os R$ 17,7 milhões.
No universo dos fundos de ouro – outra opção para investir no metal -, o patrimônio líquido saltou 341% no ano até 24 de julho, aos R$ 2,5 bilhões, com captação de R$ 1,5 bilhão. O número de cotistas passou de 34 mil para pouco mais de 122 mil, mas o investimento médio cresceu pouco, de R$ 17 mil aos R$ 20,7 mil.
“É interessante ver que muito gente entrou nesse mercado, mas que o investimento médio mudou pouco”, diz Marcelo d’Agosto, consultor e blogueiro do Valor Investe. “Indica que as pessoas estão diversificando.”
Assim como o rali, o aumento da demanda por ouro no Brasil está só começando. É a mesma conjuntura econômica que vem empurrando as pessoas para a bolsa. “O ouro, por definição, paga juros zero, mas a renda fixa, hoje, nem isso.” Ele lembra ainda que a exposição em ouro do mercado ainda é muito pequeno: 0,5% dos portfólios.
“As pessoas querem fugir do dinheiro, ir para ativos reais”, afirma quem desconhece o conceito de Armadilha da Liquidez. “E o ouro ainda tem todo um fetiche, a história de ser escasso, ninguém cria ouro, isso ajuda.”
Com o mantra da diversificação à mão, há quem vê com bons olhos a demanda dos investidores. “Diversificação é buscar retorno onde quer que esteja. Se o dólar vai mal, mas tenho ouro, consigo me proteger.”
Na seara dos riscos que têm feito o ouro voar, desponta a injeção maciça de dinheiro novo na economia que, reza a cartilha dos economistas, uma hora ou outra vira inflação. E como os Estados Unidos foram o país que mais colocou impressoras para rodar, recairia sobretudo sobre o dólar esse efeito.
É o que o pessoal em O Mercado tem falado. No entanto, no curto prazo, o colapso na oferta e demanda, do ponto de vista do sobe e desce de preços na economia, é muito deflacionário.
Já no longo prazo, esse risco inflacionário está, sim, no radar . Sobre o contra-argumento de que, em 2008, injeção semelhante de dinheiro não gerou inflação, a bomba segue armada para explodir no futuro.
“A grande liquidez para resolver a crise de 2008, nos Estados Unidos, e de 2011, na Europa, ainda não tinha sido normalizada quando veio a pandemia”, afirma. “Não teve inflação porque os mercados ficaram viciados em liquidez, e com as injeções de dinheiro ainda maiores desta crise, obviamente, fica a impressão de que esse risco aumentou e foi jogado para frente.”
Mesmo assim, nada de ouro no cardápio de fundos da Garde. “Eu não tenho essa posição, choro todo dia, porque olho e não para de subir”, brinca. “Mas parece justamente algo tão falado, tão em foco, que parece esticado demais, cedo ou tarde o rali desacelera.”
É quem joga contra a moeda americana – e, consequentemente, a favor do ouro – os trilhões usados pelo governo americano em forma de gastos. A expectativa de salto no endividamento no país colabora para enfraquecer a moeda americana em relação às demais, e para que investidores passem a preferir o ouro, e não a moeda e os títulos de dívida dos Estados Unidos para blindar suas economias.
Outro aspecto é a questão pandêmica. Embora os últimos meses americanos tenham sido de rápida retomada, no esteio do relaxamento de medidas de quarentena, os casos de contágio e mortes no país voltaram a acelerar. Com o retorno de medidas de isolamento em mais de um quinto dos estados americanos, a velocidade da redenção deve diminuir neste terceiro trimestre.
A Europa e a Ásia, ao que parece, estão lidando melhor com a covid-19, e devem diminuir o diferencial de crescimento em relação aos Estados Unidos, o que também desfavorece o dólar.
O raciocínio do investidor precisa ser expandido. Por exemplo, a aprovação pela União Europeia do fundo de recuperação de €750 bilhões para a economia, o que deve favorecer o euro. “Quando você tem muita escolha boa, não deve ficar só com uma delas, Ter ação é bom, ter ouro é bom e ter euro é bom também”.
Outros acreditam também no fortalecimento da libra, do Reino Unido, do franco suíço, além do euro, no médio e longo prazos. “No cenário atual, as chances são grandes de as outras moedas irem melhor do que o dólar como reserva de valor no mercado.”
Outro risco no radar, e que tende a aquecer o ouro ao menos até novembro, é a eleição à Casa Branca. “Nos próximos meses, a retórica dos Estados Unidos contra a China vai engrossar mais”. Na dúvida entre ter ou não ouro como reserva de valor, o desempenho recente mostra que parece valer a pena – mas não somente ouro.
Victor Rezende (Valor, 29/07/2020) informa: alçado a novas máximas históricas, os contratos futuros de ouro mais líquidos se aproximam da marca de US$ 2 mil por onça-troy e o rali não deve parar nesse nível. Para analistas, o cenário de enfraquecimento global do dólar e de juros reais em queda nos Estados Unidos sustenta o ouro em níveis recordes. Alguns agentes do
mercado, contudo, alertam que o ouro está próximo de seu pico no atual ciclo e que pode sofrer uma correção em breve.
“O ouro e outros metais preciosos estão se beneficiando das taxas de juros extremamente baixas, já que, ao não conseguirem obter um retorno razoável dos títulos do governo, os investidores passam a ver ativos como o ouro, que não paga juros, mais atraentes”, afirma Mike Zarembski, diretor da Charles Schwab. Para ele, os investidores esperam que quaisquer ganhos no preço do ouro compensem mais do que os potenciais retornos perdidos com a dívida do governo.
Zarembski lembra, ainda, que o dólar tem perdido fôlego na disputa contra outras moedas principais e que os bancos centrais adotaram medidas maciças de acomodação monetária, o que ajudou a favorecer os preços do metal precioso neste ano. “Além desses fatores que tornam o ouro atraente, também observamos que o desempenho do metal superou o das ações, o que geraria interesse de sistemas de negociação algorítmicos baseados no ímpeto dos ativos à medida que os preços continuem avançando rumo a novas máximas históricas”, afirma.
Em Nova York, o contrato futuro de ouro sobe cerca de 28% no ano. Somente em julho, a valorização é de 9,17%. Ontem, o contrato do metal para entrega em agosto fechou em alta de 0,70%, negociado a US$ 1.944,60 por onça-troy, em nova máxima histórica de fechamento.
O mais recente relatório Commitment of Traders, da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC), mostra que houve um aumento nas posições líquidas compradas em ouro por investidores não direcionais, que normalmente abarcam fundos hedge e grandes especuladores. Somente na semana até 20 de julho, o relatório mostra aumento de 4.008 contratos na posição líquida comprada dos investidores não direcionais, na maior alta semanal em quase quatro meses.
“O rali do ouro está longe de terminar”, afirma o analista Michael Hsueh, do Deutsche Bank, para quem os fundamentos trabalham para que o nível de US$ 2 mil esteja ao alcance do ouro. “Acreditamos que seja provável que o metal fique em uma faixa entre US$ 2 mil e US$ 2,1 mil antes que o mercado comece a antecipar um aperto monetário pelo Federal Reserve (Fed)”, diz.
Nas contas de Hsueh, sem assumir nenhuma alteração no prêmio sobre o valor justo, uma queda de 2% do dólar, uma alta de 0,35 ponto na inflação implícita de dez anos para 1,85% e o rendimento da T-note de dez anos 0,30 ponto mais baixo do que os níveis atuais, para cerca de 0,28%, “seriam consistentes com o ouro entre US$ 2 mil e US$ 2,1 mil”. Para ele, uma recuperação ainda maior nas expectativas de inflação para níveis próximos a 1,85% “deve sustentar a alta do ouro, como tem feito ao longo deste ano e no último ciclo de avanço do metal precioso”.
Os analistas do Goldman Sachs esperam que os juros reais americanos caiam a níveis ainda mais negativos, especialmente no curto prazo. Na expectativa do banco americano, o juro real de cinco anos nos EUA pode testar o nível de -2%, o que apoiaria adicionalmente os preços do ouro. Os analistas do Goldman reiteraram sua recomendação de compra em relação ao metal precioso e elevaram a projeção para o preço do ouro em 12 meses de US$ 2 mil para US$ 2,3 mil.
Para a estrategista sênior de câmbio e metais preciosos do ABN Amro, Georgette Boele, “as estrelas estão alinhadas” para que o ouro atinja o nível de US$ 2 mil por onça-troy. Ela, contudo, se diz preocupada com a exposição dos investidores em relação ao metal amarelo e lembra que as posições em fundos de índice (ETFs) de ouro estão em níveis recordes. “Se o sentimento do investidor se deteriorar, algumas dessas posições provavelmente serão fechadas. Isso causará maior volatilidade nos preços do ouro e ainda esperaríamos uma correção considerável para o metal se, em um cenário de risco, o dólar voltar a subir.”
A estrategista do ABN Amro acredita que uma correção nos mercados tenha vida curta e sirva de oportunidade para alguns investidores. Para ela, após uma possível correção, os preços do ouro poderão voltar a subir novamente e devem testar US$ 2 mil no curto prazo. “Mas ainda esperamos alguma realização de lucro depois disso”, afirma. Nas projeções do banco holandês, o ouro deve encerrar o terceiro trimestre deste ano em US$ 1,850 e terminar 2020 em US$ 1,9 mil. O ABN espera, ainda, que o metal precioso encerre 2021 em US$ 2 mil.
Assim como o banco holandês, os analistas do J.P. Morgan esperam que o ouro sofra uma correção em breve. “Depois de mantermos uma visão otimista sobre os preços do ouro por mais de dois anos e meio, acreditamos que o metal provavelmente
passará por um último ‘hurrah’ antes que os preços se tornem mais baixos no fim do ano”, escrevem em relatório.
Na avaliação do J.P., o preço atual do ouro está próximo do pico. “Com base em nossa estrutura de avaliação, para que o ouro ultrapasse US$ 2 mil de forma sustentada, o juro real americano de dez anos precisa cair mais 0,75 ponto, para -1,65%. Embora isso não seja improvável, nos parece ser dadas as nossas previsões de política macroeconômica atuais”, afirma. Assim, para o J.P., o preço do metal amarelo deve ser, em média, de US$ 1.933 no terceiro trimestre e de US$ 1.880 no quarto trimestre.
Os analistas do J.P. notam, também, que os investidores de mercados emergentes, especialmente China e Índia, estiveram ausentes no rali dos preços do ouro. “Embora seja verdade que a pandemia da covid-19 reduziu a demanda por joias para um recorde de baixa em todo o mundo, o impacto foi exacerbado com os preços altos do metal, o que fez com que a demanda diminuísse. Isso ajuda a corroborar nossa visão de que não estamos no início de uma nova era dourada, mas que o ouro está quase chegando ao fim de seu rali típico de fim de ciclo”, dizem os analistas do banco americano.
Ouro vale mais que Dinheiro?! Ganha com ele o que, hein? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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