sábado, 8 de fevereiro de 2020

Economia das Favelas

Bruno Villas Bôas (Valor, 24/01/2020) informa: os moradores das favelas brasileiras reúnem um poder de consumo de R$ 119,8 bilhões por ano, o que supera a massa de rendimento de 20 das 27 unidades da federação do país. É superior, inclusive, ao de países inteiros, como Paraguai, Uruguai e Bolívia. São 13,6 milhões de pessoas em comunidades, com renda domiciliar per capita de R$ 734,10.

Os indicadores fazem parte da pesquisa “Economia das Favelas”, dos institutos Data Favela e Locomotiva, que foi a campo de 8 a 16 de dezembro em 465 comunidades de 116 cidades. No total, foram entrevistadas 2.670 pessoas de 16 anos ou mais e que declararam-se moradores de favelas.

O levantamento mostra a maior parte da massa de rendimento das favelas ter origem no trabalho. Dos moradores com alguma renda, 71% declaram ter renda do trabalho (formal ou informal). Também do total, 40% recebem auxílio-desemprego, e 24%, recursos do programa Bolsa Família. Somente 15% vivem com aposentadoria ou pensão.

A pesquisa revela também as favelas formarem um grande mercado consumidor, com um universo de pessoas com poder de compra, conectadas à internet e bancarizadas. No entanto, é um mercado ainda subestimado pelas grandes empresas.

Vemos empresas expandindo para cidades de 7 mil habitantes antes de se apropriar das favelas. Elas têm mais consumidores. Entender as favelas como território aberto ao consumo pode ser um atalho para expansão das empresas brasileiras.

O levantamento detalhou o perfil de consumo das comunidades, inclusive das novas tecnologias. Seis em cada dez moradores de favelas declararam ter usado a internet para solicitar serviços de transporte (como Uber, 99 e Cabify) nos 30 dias anteriores à pesquisa. Mais 43% usaram o celular para consumir conteúdo pago em sites, e 33%, para solicitar entrega de comida.

Já os bens duráveis seguem no topo dos desejos dos habitantes das comunidades. A pesquisa mostra que 29% dos entrevistados manifestam a intenção de comprar um carro nos próximos 12 meses. Também estão na lista eletrodomésticos (24%), móveis (23%), moto (17%), smart TV (14%), notebook (14%) e smartphone (12%), por exemplo.

As pessoas têm uma imagem errada das comunidades e se surpreendem quando entram na Rocinha. As pessoas têm de tudo lá: televisão, carro, moto, casa de tijolo. São pessoas com renda. Elas trabalham na zona sul do Rio.

As favelas são repletas de pequenos negócios, como salões de beleza, lojas de roupa, calçados, brinquedos, mercadinhos, farmácias, restaurantes. Para as grandes marcas de varejo, no entanto, existem diferentes barreiras para acessar as comunidades. A mais lembrada delas é a falta de segurança, reflexo do convívio com o tráfico e as milícias.

Na Rocinha, por exemplo, algumas marcas aproximaram-se nos últimos anos. A rede de lanchonetes Bob’s abriu uma unidade na comunidade antes mesmo da pacificação. Em 2013, com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a favela ganhou franquias da Cacau Show e da Subway. Com a piora da violência e a crise, só a Subway permanece das três.

Além da insegurança, fatores logísticos desafiam as companhias. Parte das favelas é formada por becos e vielas, sem CEP, impossibilitando serviços de entrega. De acordo com a pesquisa do Data Favela e do Locomotiva, 33% do moradores da favela compram pela internet. Dos que compram, porém, cerca de um terço não consegue receber o produto na porta de casa.

Os moradores acabam indicando algum lugar perto de casa (como a associação de moradores ou agência dos correios) para receber produtos, além de casa de parentes. Muitas vendas on-line podem ter deixado de ser feitas devido a esse tipo de limitação. Mas existem iniciativas para contornar o problema.

Para preencher parte dessas lacunas e aproveitar o potencial de consumo das comunidades, empresas vêm buscando parceiros locais. Foi assim que surgiu, por exemplo, a Favela Log, uma distribuidora de produtos especializada em favelas. Os entregadores são, em sua maioria, ex-detentos e moradores da comunidade.

Para a Favela Holding, controladora da empresa de logística, o primeiro cliente foi a Procter & Gamble Brazil. Na sequência, a empresa passou a realizar a distribuição de chips da TIM nas favelas. Mais tarde, atuou nas vendas das “raspadinhas”. Hoje, um dos clientes é a empresa de cosméticos Natura.

Parte das consultoras de vendas direta da Natura é moradora de favelas e não conseguia receber produtos em casa para revender aos clientes. Era preciso marcar em locais fora da comunidade para receber as mercadorias, como postos de gasolina. Não só por causa do roubo, mas também pela dificuldade do ambiente.

Fundada em 2015, a Favela Holding é um braço empresarial da Central Única das Favelas (Cufa), organização social fundada por Athayde e pelo rapper MV Bill. Esse grupo inclui a Data Favela, uma das responsáveis pela pesquisa nas comunidades, além de outras dezenas de empresas de serviços espalhadas pelas comunidades brasileiras.

Oferecer acesso ao poder de consumo das comunidades também virou negócio para o administrador Leonardo Ribeiro, 41 anos. Ele criou em 2016 a Comunidade Door, empresa hoje contando com 10 mil outdoors de dois metros por um metro instalados nos muros de casas de comunidade. Os espaço já receberam campanhas como Uber, Coca-Cola, Del Valle e Claro.

Ribeiro diz ter faturado em 2018 e 2019, somados, R$ 20 milhões com o negócio e ter gerado renda para aproximadamente 15 mil moradores de favelas. “Temos mapeados os moradores das comunidades para oferecer às marcas segmentação de campanhas, por renda, faixa etária e gênero”, explica o empresário, que fundou a empresa em 2016.

A dificuldade de acessar o consumidor da favela não se limita, porém, ao território físico. Esse público não se identifica com as grandes marcas, diz Meirelles, do Instituto Locomotiva. Para ele, um dos motivos seria o distanciamento cultural e social dos executivos das empresas com os moradores da favelas e do público de menor renda.

De acordo com levantamento, pouco mais de 70% moradores das favelas pesquisadas se consideram muito confiáveis, honestos, felizes e preocupados com os outros, por exemplo. Quando demandados a avaliar as marcas sobre esses mesmos aspectos, menos de 50% atribuem as mesmas qualidades. Por exemplo: apenas 28% consideram as empresas “muito honestas”.

Por outro lado, os habitantes das comunidades atribuem a si com menos frequência a percepção de serem muito inovadores, inteligentes ou ricos. São características que veem com frequência nas marcas. “Favela gosta de samba, rap e funk. Os executivos não entendem disso. Então ainda existe uma grande distância cultural para as favelas”, resume Athayde, da Favela Holding.

Pior, o atual governo entende menos ainda de política pública em favor de urbanização das favelas.

Edna Simão (Valor, 29/01/2020) informa: apesar do desejo do Ministério do Desenvolvimento Regional, a criação do chamado voucher para famílias de baixa renda – que funciona como vale-compra para a construção e reforma de imóveis – esbarra no elevado custo de implementação. Para fugir de embates, técnicos da área econômica dizem que não são contrários à ideia, porém o custo da transação, neste cenário de forte restrição fiscal, inviabiliza o voucher.

A avaliação é de que não faz sentido retirar recursos do orçamento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV) para contratação de unidades habitacionais neste ano para direcionar ao desenvolvimento de um sistema para controle e fiscalização do voucher. Para 2020, o orçamento prevê R$ 2,8 bilhões para o programa.

“Não é que a gente não goste do voucher. Concordamos com o conceito. Mas talvez seja mais adequado para locação de imóvel, e não para a compra”, disse um técnico da equipe econômica.

A Caixa Econômica Federal, que seria a responsável por operar o voucher, também é contrária a ideia por temer que o custo do voucher se torne um ônus para o banco como aconteceu com o Minha Casa Melhor. Esta linha de crédito subsidiado tinha como objetivo atender mutuários do MCMV para compra de móveis e eletrodomésticos e acabou gerando prejuízo ao banco devido à elevada inadimplência.

Segundo o técnico da área econômica, se quiser criar o voucher, o Ministério do Desenvolvimento Regional terá que usar de seu orçamento para isso. O problema, no entanto, é que os recursos da pasta para este ano, conforme vem dizendo o ministro Gustavo Canuto, são suficientes apenas para as obras já contratadas no MCMV, ou seja, não haveria verba para novas contratações.

O ministro pediu à equipe econômica um complemento no orçamento, mas, por enquanto, não foi atendido. Ele conta com reforço de recursos para lançar a nova versão do programa neste semestre.

Conforme noticiado pelo Valor, os repasses dos recebíveis dos clientes de imóveis enquadrados nas faixas 1,5 e 2 do Minha Casa foram suspensos por falta de orçamento. No ano passado, para interromper as recorrentes suspensões de repasses, foi publicada portaria que liberava a necessidade de direcionamento de recursos do Tesouro para subsídios das faixas 1,5 e 2. A portaria teve validade até 31 de dezembro. Uma nova portaria está em análise no Ministério da Economia.

Na avaliação do técnico do Ministério da Economia, a faixa 1 do Minha Casa (para famílias com renda de até R$ 1,8 mil) precisa ser repensada. Até porque, o percentual de pagamento do mutuário é baixo em relação ao valor do imóvel adquirido, porém, a inadimplência chega a quase 50%. Além disso, esses imóveis não vinham sendo retomados devido à orientação de governos anteriores. A política do voucher atenderia as famílias das faixas 1,5 e 2 -com renda entre R$ 1,8 mil a R$ 4 mil.

Pelo que já foi noticiado, a nova versão do Minha Casa prevê uma redução do limite da faixa 1 R$ 1,8 mil para R$ 1,2 mil. Para esse grupo, será um recurso a fundo perdido. O governo boçal pretende eliminar a subvenção com recursos do Orçamento para as faixas 1,5, 2 e 3 do programa.

Economia das Favelas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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