quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Corporativismo Militar: Aliança das Castas dos Guerreiros e dos Mercadores contra a Casta dos Sábios-Tecnocratas

Editorial do jornal Valor (06/02/2020) escancara o corporativismo vigente aos olhos de todos não cegos pela ideologia neoliberal-evangélica: “governo do ex-capitão reformado dá a primazia aos militares“. Clama: ele deveria governar para a nação, não para sua corporação!

O Orçamento da União é finito, mas as demandas por recursos, não. Entre os dois surgem para se apropriar das verbas os lobbies, que, na atual administração, ganharam um integrante visível, o militar – encabeçado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Ao dar prioridade aos salários, aparelhamento e emprego dos militares, o dinheiro escasso tem de ser cortado de algum lugar – de hospitais, da educação etc. Para o país, não é uma política correta, austera e sequer liberal.

As contas públicas encerraram 2019 com um déficit primário menor do que o esperado, mas, ainda assim, surpreenderam ao fechar em R$ 10,5 bilhões acima do esperado – para surpresa do próprio secretário do Tesouro. A lei do teto de gastos exclui a capitalização das estatais e no apagar das luzes surgiram aportes de R$ 7,6 bilhões para a Emgepron, que existe desde 1982, para a construção de corvetas para a Marinha.

No governo Temer, havia sido feito um pedido de R$ 1,5 bilhão para a estatal e a expectativa no atual governo era a de que ela recebesse dinheiro ao longo dos próximos anos, e não tudo de uma vez.

O argumento é o mesmo de antes, o de que o país não tem essas embarcações para a defesa da costa brasileira, mas a urgência é discutível. O ataque mais ameaçador ao litoral brasileiro veio na forma de manchas de óleo, cujo combate prescindiu, obviamente, de corvetas.

Outro R$ 1 bilhão foi destinado à Telebras, que ainda existe e serve de desafio ao encalhado programa de privatizações do governo – aquele estimado em R$ 1 trilhão pelo ministro Paulo Guedes.

Depois de piorar a execução orçamentária de 2019, o presidente deu sua contribuição ao de 2020, ao proibir que as verbas para o Ministério da Defesa sejam contingenciadas, assim como as do Ministério da Ciência e Tecnologia – neste caso, uma medida interessante, se houvesse política e diretrizes claras sobre o que se pretende fazer.

Mas, como o ano sempre começa com incertezas sobre a execução orçamentária, e exige contingenciamento, a preservação da Defesa implica que haverá contenção de despesas sobre orçamentos já comprimidos de boa parte de gastos sociais ou regulatórios.

Não se justifica aí a primazia dos militares. As dotações de pesquisas da Capes, por exemplo, se reduzirão à metade (de R$ 4,5 bilhões a R$ 2,2 bilhões) e algo semelhante ocorrerá com recursos para a rubrica nas universidades federais.

À espera da aprovação do Emprego Verde e Amarelo pelo Congresso, que pretendia taxar o seguro-desemprego para cobrir custos, o governo cortou as verbas para inspeção de condições de trabalho e saúde ao menor valor da história – R$ 26 milhões, recuo de 63%.

Na mesma linha, o orçamento da Secretaria da Mulher caiu de R$ 119 milhões para R$ 5,3 milhões. Para programas contra violência da mulher foram reservados alguns trocados: R$ 194,7 mil (eram R$ 34,7 milhões).

Diante das críticas à destruição ambiental no Brasil, o governo criou um Conselho da Amazônia e o entregou ao vice-presidente, Hamilton Mourão. Mas o orçamento do Ibama foi cortado em quase um terço, para R$ 76,8 milhões, e o do Ministério, que já sofrera talho de 21,5% em 2019, caiu mais ainda, para R$ 561 milhões, sugerindo que a iniciativa tem fôlego curto, provavelmente propagandístico.

Bolsonaro, com apoio do Congresso, deu enormes vantagens aos militares em seu projeto de previdência, acompanhado de uma reestruturação salarial ampla. A economia com a previdência militar mal chegará a R$ 1 bilhão por ano.

Nela, foi criado um dispositivo para que militares da reserva atuem no setor público com aumento de soldo de 30%. Além de arregimentar 2.500 militares para ministérios e autarquias, o governo se apressou em propor a convocação de 7 mil reservistas para eliminar a fila de pedido de aposentadorias do INSS. Foi barrado pelo Ministério Público, que disse não haver “reserva de mercado” para eles.

Há outras chances de emprego a explorar, porém, como os colégios cívico-militares, patrocinados por Bolsonaro. Ao lado do mal-educado ministro da Educação, Abraham Weintraub, ele disse que os resultados da iniciativa seriam “top em todo o mundo”.

O mundo tem motivos para incredulidade, pois desconhece exemplos de países que deram salto qualitativo na educação apelando para regime semelhante. A divulgada exigência de como devem ser os cortes de cabelo dos homens e os trajes das mulheres nessas escolas sugerem o progresso civilizatório que proporcionarão. Bolsonaro deveria governar para a nação, não para a corporação.”

Edna Simão (Valor, 06/02/2020) informa: enquanto o número de servidores públicos concursados da União recuou nos últimos cinco anos, a contratação de temporários não parou de crescer. Segundo levantamento feito pelo Ministério da Economia, de 2015 a 2019, a quantidade de servidores públicos, que integram o chamado Regime Jurídico Único, caiu 7,5%, passando de 566,3 mil para 523,5 mil trabalhadores. A queda, no entanto, foi mais que compensada pela contratação de temporários no mesmo período, que cresceu 48% de 52 mil para 77 mil.

Os temporários já representam 12,7% dos servidores. Em 2019, o governo federal contabilizava 607,8 mil funcionários ativos e a despesa da folha somou R$ 304,6 bilhões.

A contratação de funcionários temporários poderia ter sido maior se não fosse a forte restrição fiscal e, ao mesmo tempo, as limitações impostas pela lei 8.745/93, que estabelece as situações em que a contratação de temporários pode acontecer. Atualmente, essa contratação pode ser feita com a “finalidade temporária de excepcional interesse público” – quando ocorrem desastres naturais, por exemplo.

Diante do engessamento, o governo pretende revisar essa lei para atender demandas previamente mapeadas, antes de situações emergenciais se materializarem, conforme antecipado pelo Valor. Essa questão será debatida no âmbito da reforma administrativa, que o governo quer encaminhar ao Congresso.

Essa reforma, com foco nos servidores do Executivo, visa, por exemplo, aumentar o tempo de progressão na carreira dos novos servidores e diminuir a diferença entre salários pagos por administração pública e iniciativa privada e, com isso, diminuir o peso do gasto com pessoal. A mensagem enviada pelo governo ao Congresso fez menção sobre a necessidade de formação de arcabouço legal para o “novo serviço público”.

Segundo técnico da área econômica, o Executivo precisa ter mais flexibilidade na contratação de funcionários, principalmente, no que diz respeito a contratos por tempo determinado. Ele lembrou situações como o desastre da barragem de Brumadinho (MG), da Vale. A contratação é permitida para prestação de serviço pois acidente, mas não para vistoria de barragens que visam evitar novos acidentes.

O mesmo aconteceu recentemente no caso da necessidade de número maior de servidores para análise de processo no INSS. O governo teve que chamar, por exemplo, militares da reserva por não poder contratar de forma temporária. “O modelo de contratação atual não atende as necessidades”, explicou o técnico.

Nos últimos dois anos, conforme o técnico, houve um forte aumento de aposentadorias dos servidores e as vagas não foram repostas com a realização de concursos devido à forte restrição fiscal do governo. Isso provocou a redução de servidores concursados na folha de pagamento.

A necessidade de reposição foi feita, nos casos em que foi possível, por meio de contratos temporários. Esse tipo de contrato é mais utilizado para empregar, por exemplo, médicos residentes, para o programa Mais Médicos. “Temos uma margem limitada [para contratação] que é o espaço fiscal”, disse um técnico, ressaltando o Orçamento prever limites para contratação de servidores.

Ribamar Oliveira já trabalhou nos principais jornais e revistas do país. Foi assessor de imprensa do Ministério do Planejamento e do BC, e ganhou o Prêmio Esso de Economia. Publicou uma artigo oficioso (Valor, 06/02/2020),  tipo “chapa-branca”, intitulado “incentivos distorcidos na escolha da profissão”.

“Além de tornar a máquina estatal mais eficiente, para que preste melhores serviços aos cidadãos, a reforma administrativa a ser proposta pelo governo tem um outro objetivo que não é facilmente perceptível. Ela pretende corrigir os incentivos distorcidos dados aos trabalhadores na escolha de uma profissão, informa uma nota produzida pela Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, divulgada por ele em primeira-mão.

O governo avalia, atualmente, existir um prêmio salarial para o ingresso no setor público, que paga melhores salários do que o setor privado para ocupações semelhantes. Ao reduzir esse prêmio, o governo acredita que contribuirá para uma melhoria alocativa na economia.

O pressuposto é que a alocação dos talentos é direcionada de acordo com o retorno em cada ocupação. Uma economia com elevado nível de burocracia, observa a nota da SPE, tende a estimular ocupações orientadas por busca de renda (rent-seeking, no termo em inglês), em vez de busca pelo lucro (profit-seeking), que seria a recompensa do empreendedorismo e da produção.

[Ora, neoliberais, interferindo na “liberdade de escolha” dos cidadãos?!]

“Ao invés de enviesar as escolhas de carreiras através do pagamento de um prêmio salarial artificial, a nova estrutura de salários e carreiras do setor público (que será proposta pela reforma administrativa) tornará os incentivos mais adequados à alocação dos talentos, onde eles têm maior vocação e logo maior retorno”, diz a nota, intitulada “Redução do Misallocation para a Retomada da Produtividade Brasileira”.

[Leia-se: tudo a favor do setor privado, nada para o setor público, de modo predominar o Estado mínimo nessa Terra de Estagdesigualdade!]

A nota garante que “os impactos sobre o crescimento (com a redução do prêmio salarial do setor público) devem ser superlativos”. Ela cita um estudo feito pelos pesquisadores Tiago Cavalcanti, da Universidade de Cambridge, e Marcelo Santos, do Insper. [Ah, já entendi…]

Ele estima que a redução do prêmio salarial em seis pontos percentuais e o alinhamento das perspectivas de previdência entre o setor público e privado, conforme estabelecido pela reforma recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, produziriam um aumento de 17% no Produto Interno Bruto (PIB) per capita a longo prazo no Brasil.

A SPE, em sua nota, apresenta 11 diferentes medidas e propostas para aumentar a eficiência alocativa dos recursos na economia. Segundo a SPE, “a redução do ‘misallocation’ (alocação ineficiente) é a estratégia central de política pública do governo para o aumento da produtividade”.

Em entrevista a este colunista, o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, garantiu existir um problema sério de alocação de recursos na economia brasileira. Ele disse: o governo brasileiro gasta mal e direciona recursos para lugares menos eficientes, o que gera uma queda brutal na produtividade. E que é preciso corrigir isso com urgência. “A alocação ineficiente é pior do que queimar dinheiro”, afirmou.

Ele citou vários exemplos de alocação ineficiente, como as numerosas obras públicas inacabadas existentes no país, que, além de não poderem ser utilizadas, ainda custam recursos para serem conservadas, e alguns estádios que foram construídos para a Copa do Mundo de 2014 e continuam onerando os cofres públicos.

[Ora, ele não comenta a interrupção súbita do governo social-desenvolvimentista pelo golpe e a volta da Velha Matriz Neoliberal para fazer um desmanche privatizante de tudo de bom feito antes!]

Em sua nota, a SPE formula uma definição que torna o conceito de “‘misallocation” mais fácil de ser entendido. “Se uma firma apresenta retorno menor que outras, e, ainda assim, recebe mais investimento, este está sendo alocado de forma ineficiente, configurando-se ‘misallocation’.”

A SPE observa, entre os anos de 2010 e 2017, a produtividade da economia brasileira ter caído, em média, 2,1% ao ano, acumulando uma queda de 13,9% no período. A produtividade pode ser resultado de inovações tecnológicas, de melhores condições de infraestrutura, e de capital humano.

“Porém, nenhum desses aspectos mudou significativamente nos últimos dez anos. Assim, a explicação fundamental para esse movimento de queda da produtividade é a piora da ineficiência na alocação (misallocation) dos recursos da economia”, diz a nota.

A SPE cita a tese de doutorado do economista Rafael Vasconcelos, da Fundação Getulio Vargas (FGV), sobre essa questão. A tese indicou que a alocação ineficiente de recursos aumentou de forma dramática no Brasil desde 2006, o que, na avaliação da SPE, “fortalece o diagnóstico de que a perda de produtividade foi promovida por aumento da ‘misallocation’”.

Na mesma tese, o economista indica que há um espaço muito grande para o aumento da produtividade ao se eliminar falhas de mercado e/ou falhas de governo que promovam o “misallocation”. “Pode-se mais que dobrar a produtividade, e logo, o produto per capita, ao se eliminar tais ineficiências”, diz a nota da SPE.

Entre as 11 medidas e propostas para reduzir a “misallocation”, a nota cita a proposta de reforma tributária, que deve ser encaminhada ao Congresso pelo governo nas próximas semanas. A SPE explica que há uma variância substancial de alíquotas no sistema tributário brasileiro para firmas similares, ou entre setores, de forma a enviesar investimentos. Isto produz, segundo a nota, uma dispersão elevada e persistente da alocação dos recursos, o que configura um exemplo claro de perda de eficiência alocativa.

Há ainda no atual sistema tributário custos substanciais de conformidade e riscos judiciais intrínsecos ao sistema. “Tais características produzem perda de recursos em atividades não produtivas e estimulam comportamentos oportunistas para encontrar brechas no sistema tributário”, diz a nota. E acrescenta: “A reforma tributária buscará reduzir a variância de alíquotas, simplificar o sistema, reduzir riscos judiciais e eliminar parte dos custos de conformidade”.

A nota elenca ainda as medidas que já foram adotadas pelo governo na área do crédito (com a redução do crédito direcionado), a criação do “novo FGTS”, a proposta de extinção do seguro obrigatório DPVAT, a proposta de abertura comercial, entre outras. O objetivo da nota, segundo Sachsida, é estimular o debate sobre a atual alocação ineficiente de recursos na economia brasileira.

[Pergunta final: vão realocar verbas da má alocação no corporativismo militar? Ah, é? ]

Corporativismo Militar: Aliança das Castas dos Guerreiros e dos Mercadores contra a Casta dos Sábios-Tecnocratas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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