É curiosa a discordância entre editores neoliberais do jornal Valor Econômico. Entre o antipetista/antidesenvolvimentista e a adesista chapa-branca não se chega a um consenso a respeito do estado atual da economia brasileira.
Cristiano Romero é editor-executivo e publicou coluna (Valor, 29/01/2020) intitulada “a estagnação brasileira“. Claudia Safatle é diretora-adjunta de redação e publicou coluna (Valor, 17/01/2020) anunciando “a economia está em recuperação cíclica“.
Pior em relação ao seu falso diagnóstico é a proposta de terapia: “o caminho pela frente não comporta nem euforia nem depressão, mas persistência nas reformas e no mix da política econômica com ênfase no rigor fiscal e no afrouxamento monetário”. Ora, ora… mais do mesmo discurso-ladainha neoliberal.
Confira as diferenças entre os neoliberais, um anti-oposição, outra pró-situação, primeiro lendo Romero, depois Safatle.
“Um olhar sobre a trajetória da economia brasileira nas últimas quatro décadas, quando o ritmo de crescimento caiu para um patamar bem inferior ao registrado nas décadas anteriores, mostra que, muito provavelmente, o país ainda não acabou de desmontar o modelo de desenvolvimento que faliu em 1982. Naquele ano, por causa da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos a inacreditáveis 20% ao ano, países em desenvolvimento, como o Brasil, que se endividaram na década de 1970 simplesmente quebraram.
Em vez de reconhecer o fato de que, dali em diante, o modelo de Estado-empresário e de substituição de importações não teria mais como ser mantido por causa da enorme e abrupta restrição fiscal e creditícia surgida em 1982, os governantes optaram, nos anos seguintes, principalmente durante o governo Sarney (1985-1990), por insistir na salvação do que não tinha mais como dar certo.
A extensão do modelo de forte intervenção do Estado na economia e de fechamento comercial criou dificuldades que visivelmente até hoje impedem o país de voltar a crescer de acordo com seu potencial histórico. A insistência, ademais, permitiu que os setores da sociedade beneficiados por aquele regime econômico – a burocracia estatal e a indústria – se organizassem e reagissem a mudanças.
A fatura do atraso – a escalada permanente dos preços a níveis crônicos e depois hiperinflacionários – foi paga por todos, mas especialmente pelos pobres, de quem o chamado “imposto inflacionário” mais retira renda.
Crises econômicas costumam ser semeadas durante períodos de bonança, quando cidadãos e empresas perdem a noção do risco ao acreditar que o ciclo econômico em que estão jamais acabará. A explosão do preço do petróleo no início da década de 1970 elevou a níveis impensáveis a liquidez mundial.
A derrama de “petrodólares” derrubou fortemente as taxas de juros cobradas pelos bancos internacionais. Ato contínuo, essas instituições ofereceram crédito a um custo muito baixo a países como o Brasil, que, sendo estruturalmente uma economia importadora de capitais, foi à banca buscar esses recursos.
O país terminara a década de 1960 com dívida externa em torno de US$ 6 bilhões. Dez anos depois, graças ao funding dos “petrodólares”, essa dívida saltou para algo próximo de US$ 100 bilhões.
O Brasil precisava desse dinheiro? Não se tenha dúvida. Foi isso que permitiu promover um ambicioso investimento em infraestrutura, absolutamente necessário para uma economia que, naquele momento, crescia acima de 10% ao ano, o ritmo mais veloz do planeta.
Com o dinheiro da dívida externa, o país criou um sistema elétrico integrado nacionalmente, expandiu fortemente a capacidade geradora de energia, implantou um sistema de telefonia federal razoavelmente moderno, construiu rodovias federais cortando praticamente todo o território, inspiradas no modelo americano, ampliou aeroportos, ferrovias etc.
A crença de que a dívida seria honrada se baseava na percepção, correta, de que, como a economia avançava num ritmo veloz, não faltariam receitas para pagar os débitos.
O problema é que as taxas de juros, embora baixas, eram flutuantes. Como a segunda crise do petróleo, em 1979, provocou nova escalada nos preços dos combustíveis, a inflação americana assanhou-se, chegando a atingir mais de 20%
A reação do Federal Reserve (Fed) foi a que se espera de um banco central independente: elevar a taxa de juros para conter a demanda e, consequentemente, os preços. A pancada no custo do dinheiro bateu nos juros flutuantes das dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo e então a quebradeira foi generalizada.
Na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), o “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos” – na célebre frase de um de seus ex- presidentes, Porfirio Díaz – foi o primeiro a se declarar incapaz de honrar os vencimentos das dívidas contraídas na década anterior. Na sequência, outras economias fizeram o mesmo, generalizando o calote e iniciando um período terrível de nossa história econômica, marcado pela falta de acesso a poupança externa para financiar nosso desenvolvimento.
Os calotes se sucederam, o país foi obrigado a promover maxidesvalorizações de sua moeda frente ao dólar para elevar a competitividade das exportações e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial, suficientes para pagar os vencimentos da dívida externa. Numa decisão drástica, o Banco Central centralizou o câmbio – basicamente, passou a definir a quem pagaria a dívida lá fora, uma vez que não havia divisas para pagar a todos.
As consequências vieram em forma de mais inflação, arrocho salarial, imprevisibilidade dos principais indicadores econômicos, enfim, uma situação que apenas os brasileiros com mais de 40 anos hoje viveram na pele. E, a partir dali, sem acesso a poupança externa e com inflação fora de controle, a taxa média de crescimento caiu a níveis nunca vistos nas três décadas anteriores.
Olhemos os números:
- da primeira década do século XX até a década de 1970, o Brasil cresceu a uma taxa média anual de 4,6%;
- de 1971 a 1980, esse ritmo saltou para 8,8%;
- na década de 1980, a taxa média de expansão recuou para 3%;
- na década de 1990, caiu para 1,8%;
- nos primeiros dez anos deste século, aumentou para 3,4% ao ano;
- na última década, a década perdida do novo século, o crescimento anual médio da economia brasileira foi de apenas 1,4%, a menor das 12 décadas desde 1900.
“Muita gente continua falando da recessão que acabou, mas alguns ignoram que estamos ainda numa depressão e, mais ainda, que estamos numa estagnação que acaba de completar quatro décadas”, diz o economista Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
“Essa grave estagnação não vem sendo pautada pela mídia e tampouco está na pauta dos políticos. Meu objetivo é fazer com que cresça a percepção dessa tragédia, com a esperança de que venham ações para saná-la. É humilhante o fato de que a década passada foi a de pior desempenho do PIB desde 1901.”
Roberto Macedo está correto. Incorreto está Cristiano Romero em até hoje, 40 anos depois, querer imputar o problema da economia brasileira ser responsabilidade do desenvolvimentismo e/ou do ciclo de endividamento. Não há desenvolvimento no capitalismo, seja de mercado, seja de Estado, sem a alavancagem financeira e o consequente ciclo: alavancagem-bolha-auge-crash-depressão-desalavancagem-“empurrando corda”-normalização. A vida é difícil. Lide com isso…
Claudia Safatle trabalhou na “Gazeta Mercantil” por 18 anos, foi repórter especial da “Folha”, diretora do “JB” e assessora do Banco Central: quando? Sob qual governo? Hoje é diretora-adjunta de redação. Defende a economia brasileira estar em recuperação cíclica. Leiamos seus argumentos neoliberais contumazes.
“Sobre a direção, não há muitas dúvidas: o país vive um momento de recuperação cíclica da atividade econômica. Quanto à velocidade, há divergências. Com o carregamento estatístico de 1% já garantido, as expectativas giram entre pouco mais de 2% de crescimento do PIB este ano e algo mais próximo a 3%.
Os indicadores decepcionantes de novembro e dezembro de 2019 não afetam os prognósticos para 2020. A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, crava 2,2% de expansão da atividade econômica para 2020 calcula 1,2% para o ano passado. Carlos von Doellinger [ex-EPGE-FGV], presidente do Instituto de Economia Aplicada (Ipea), arrisca um resultado melhor, mais perto de 2,7%.
Ambos asseguram: o país está em recuperação cíclica, com volatilidade nos indicadores. O último trimestre de 2019 deverá trazer um crescimento de 0,6% a 0,7% sobre o período anterior, quando a expansão foi de 0,6%. Quem esperava uma aceleração se frustrou, sobretudo pelo comportamento da indústria de transformação, muito dependente do setor automobilístico, que teve uma “ressaca”, avaliam.
Novembro e dezembro foram “um soluço que não compromete o futuro”, garante Doellinger.
Pelo lado da oferta, portanto, há sinais positivos vindos da agropecuária, da construção civil e da recuperação da indústria extrativa, que teve queda em 2019, decorrente do desastre na barragem da Vale em Brumadinho (MG), juntamente com uma esperada reação da indústria de transformação.
O IBC-Br, divulgado ontem pelo Banco Central, mostra um alento. O índice, que é uma proxy do Produto Interno Bruto (PIB), apresentou em novembro expansão de 0,2% na comparação mês contra mês e de 1,1% ano/ano. A expectativa de mercado era, respectivamente, de zero e 0,9%.
Foi o BC que alertou a área econômica, no fim do ano passado, para a piora dos indicadores em novembro e dezembro.
Neste ano, pela ótica da demanda, o grande protagonista é o consumo das famílias, que deve crescer 2,6% em comparação com 2% no ano passado, de acordo com a economista do Ibre.
O desempenho dos investimentos vai depender da contabilização da importação de plataformas de petróleo. A expectativa do Ibre é de uma expansão de 4,1% em 2020, contra cerca de 3,3% em 2019.
Silvia Matos chama a atenção para o papel positivo que a inflação teve no poder de compra das famílias [?!], que se somou ao saques do FGTS. O Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) foi de somente 0,5% acumulado de maio a outubro do ano passado. Metade, portanto, da inflação de novembro e dezembro. Esse é um efeito que não deve se repetir neste exercício.
A recuperação do PIB continua sendo sustentada pelo consumo das famílias, impulsionado pela liberação do Fundo de Garantia e pelo aumento da oferta de crédito, na esteira da flexibilização das condições monetárias. A perna do investimento privado, que deveria ser o motor da atividade nessa fase do ciclo econômico, permanece fraca.
O investimento público está sob forte restrição fiscal.
“Os investidores tanto estrangeiros quanto os nacionais estão esperando mais para crer”, diz o presidente do Ipea. Ele ressalta a queda do investimento estrangeiro direto (IED) no ano passado como expressão das expectativas ainda não satisfeitas.
Exemplo:
- o manicômio tributário em que vive o país à espera de uma reforma dos impostos; e
- a abertura comercial, que é uma agenda que ainda não se moveu a contento.
Esses são dois sinais importantes para quem está à espera de mais avanços nas reformas antes de colocar as mãos no bolso.
“Estamos defasados em tecnologia”, salienta Doellinger, lembrando que esse é um problema estrutural da indústria que terá que ser solucionado pelo mercado. Política industrial, para este governo, é “palavrão”, diz ele.
A economista do Ibre ressalta que a expansão da atividade econômica seguirá “devagar e sempre, sem milagres, sem bala de prata”.
O presidente do Ipea está um pouco mais otimista. Ele avalia que o crescimento de 2,5% em 2020 já é um “resultado garantido”, a não ser que aconteça algum choque imprevisto. Ele, no entanto, acredita que o PIB poderá crescer um pouco mais, apostando em 2,7%.
Silvia Matos não mudou seus prognósticos para a evolução da atividade econômica neste ano. Para ela, o crescimento econômico só será forte quando mostrarmos “eficiência”, com ganhos de produtividade. Isso dependerá da capacidade da economia local se modernizar, adquirindo maior densidade tecnológica, avançar bastante no quesito educação e enfrentar as tremendas falhas da infraestrutura e da logística.
Para o mercado de trabalho, os prognósticos são de um crescimento mais lento da população ocupada, redução da taxa de desemprego e elevação dos ocupados na formalidade acima dos informais e aumento da renda média, segundo o boletim do Ibre de dezembro.
Há, portanto, um longo caminho pela frente que não comporta nem euforia nem depressão, mas persistência nas reformas e no mix da política econômica com ênfase no rigor fiscal e no afrouxamento monetário, com a queda dos juros ao seu menor nível histórico.
O temor é de que uma eventual fraqueza dos indicadores macroeconômicos, diante das expectativas crescentes, leve a um desalento do país que venha a mudar a composição da política econômica em curso. Ou, nas palavras de Silvia Matos, “o risco é o de [a classe política] não perseverar e o populismo vencer”.
Ora o populismo de direita venceu a eleição de 2018 e os neoliberais não perceberam?! O eleito fala em nome do povo evangélico e dos milicianos e isso não é populismo?!
Para essa elite neoliberal, populismo é qualquer política favorável ao povo brasileiro e desfavorável à sua exploração por O Mercado…
Estágio Atual da Economia Brasileira: Estagnação ou Recuperação Cíclica? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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