Adriana Cotias (Valor, 27/01/2020) informa: o Brasil deve somar 457 mil milionários até 2022, com patrimônio de R$ 1,7 trilhão – um crescimento real composto de 5,3% e 4,4% ao ano, respectivamente, desde 2018. A confirmar essa ordem de grandeza, será uma expansão 7% acima da média projetada mundialmente na acumulação de ativos financeiros e de 5,3% no passo de brasileiros ascendendo ao clube dos mais ricos.
Tais cifras, estimadas pela Roland Berger, ensejam anos promissores para os serviços de Private Banking. Eles acolhem normalmente quem tem patrimônio financeiro a partir de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões. Mas o maior deles, o do Itaú, exige R$ 10 milhões de volume de negócios financeiros.
Só que a oferta de produtos de terceiros e a segmentação baseada apenas nos volumes sob gestão são hoje insuficientes para reter o investidor nos serviços de private tradicionais, diz o presidente da Roland Berger no Brasil e América Latina. Para o executivo, os bancos falham em só dividir o cliente por faixa patrimonial, subestimando assim o seu porte.
Não é incomum o investidor ter R$ 1 milhão em um banco e outros R$ 14 milhões em outro lugar. A segmentação tradicional existe mais para o banco definir qual o seu custo de servir o cliente do que olhar de fato para o valor gerado para ele.
Normalmente, os bancos distribuem os clientes em três caixas:
- os milionários afluentes, com valores entre R$ 3 milhões a R$ 5 milhões, até R$ 10 milhões ou R$ 15 milhões;
- o “high net worth individuals”, entre R$ 10 milhões a R$ 15 milhões até algo entre R$ 50 milhões e R$ 70 milhões; e
- o “ultra high net worth individuals”, com fortunas de R$ 50 milhões a R$ 70 milhões para cima.
Com o uso da inteligência artificial é possível ter uma segmentação comportamental do cliente por idade, momento de vida e pelas preferências. Dessa forma o “banker” pode filtrar o tipo de aconselhamento que o cliente demanda, se o viés é só monetário ou se a assessoria se estende a ativos imobiliários ou até ao mercado de arte, por exemplo.
Além do ajuste fino no perfil, outro aspecto dos serviços de fortuna dos bancos será trabalhar os objetivos de longo prazo, porque apenas mostrar o retorno em relação a certos indicadores vai frustrar o investidor, porque haverá uma percepção de rentabilidade mais baixa à frente. Tem de saber se os clientes têm plano de fazer sucessão, em qual momento de vida estão, outros talvez estejam mais preocupados com questões tributárias.
Esse é um tipo de serviço onde as gestoras de patrimônio independentes se tornaram especialistas. “O ‘family office’ não se limita à decisão financeira, engloba todos os aspectos patrimoniais do cliente. Quando vai fazer a gestão, a preocupação é preservar o patrimônio familiar por 20, 50 anos”, diz uma sócia e executiva-chefe da Alocc, escritório de gestão de fortunas no valor total de R$ 5,5 bilhões.
O movimento de queda de juros nos últimos anos contribuiu para uma maior procura pela gestão independente. As pessoas não pensavam sobre isso e ficavam na renda fixa com seu 1% [ao mês], mas agora, se não se preocuparem com uma boa alocação, o patrimônio não cresce, as famílias não vão atingir suas metas atuariais aplicando na renda fixa no patamar que está hoje.
Os private banking vêm mudando, mas ainda existe a questão do conflito de interesse. Quem remunera a gestão é o cliente, por a gestão independente não estar atrelada a nenhuma instituição financeira, a nenhum prestador de serviço, a estrutura é 100% alinhada aos interesses do cliente, independentemente de onde o recurso está.
Do lado da remuneração, alguns competidores passaram a apresentar propostas mais amigáveis. Aos poucos, começam a desenhar modelos levando em conta o valor criado para a carteira do investidor em lugar de um comissionamento fixo em cima do patrimônio administrado.
Nos países desenvolvidos, a gestão de patrimônio independente está mais consolidada. Aqui, se parar para pensar só tivemos uma geração de acúmulo de capital, há uma perspectiva enorme pela frente.
Em seu estudo, os especialistas da Roland Berger citam nos próximos 15 anos, um percentual relevante do total de ativos sob gestão do público do private vai ser transferido para os herdeiros. Nessa transição, em geral, os serviços de fortunas dos bancos conseguem reter cerca de 30%.
Atentos a essa realidade, os bancos buscam se aproximar dos herdeiros. No fim do ano passado, o Banco do Brasil realizou um programa em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a PWC, juntando executivos do banco para falar de gestão de carteira e de planejamento fiscal e sucessório. Trazendo esse herdeiro para dentro de casa podem perpetuar o relacionamento deles com o banco.”
O BTG Pactual também tem um trabalho dedicado às novas gerações. A instituição faz anualmente, em Nova York, um encontro com 50 filhos de clientes que podem se tornar líderes. Nesses eventos tem percebido, por exemplo, uma atenção maior a investimentos de impacto.
Outra tendência para o setor é a mudança de famílias para outros mercados. A Roland Berger estima, desde 2015, mais de 14 mil milionários deixaram o país. Os destinos escolhidos são, principalmente, Portugal, Estados Unidos e Espanha.
Só em Portugal, as famílias brasileiras têm R$ 10 bilhões em ativos. Não é por outra razão, alguns bancos têm colocado o pé no país. Assim como a Suíça ou Luxemburgo, Portugal tem se transformado em uma praça financeira, e com a vantagem de ser mais barata fiscalmente. Com os acordos de troca de informações globais e os programas de regularização de ativos, diminuiu a percepção de valor do sigilo suíço.
Itaú e BTG já fizeram esse caminho.O diretor comercial do private do Itaú, diz não pretender abrir um banco em Portugal, mas já tem um profissional dedicado ao público private, com a função de prospectar clientes e de ser o conselheiro financeiro para quem queira abrir conta na Suíça ou nos Estados Unidos.
Dos cerca de R$ 500 bilhões no private, mais de R$ 110 bilhões estão fora do Brasil. A tendência é essa diversificação prosseguir, dado o diferencial de juros menores.
O BTG inaugurou um escritório em Lisboa, em janeiro, para ficar mais perto do cliente decidido a fixar residência fiscal fora do Brasil. Antigamente, o investidor procurava por proteção, por medo de o câmbio andar muito ou algum problema macro maior pelos ciclos eleitorais. Hoje, ele quer sair pela diversificação de patrimônio mesmo.
Dos clientes do private do banco, há mais de R$ 20 bilhões fora do país. Estima em alguns anos a parcela investida no exterior chegar a 25% dos ativos sob gestão. Esta é a contribuição dos milionários extrativistas ou exploradores do país tupiniquim: fazer fuga de capital!
Para isso, têm apoio dos serviços de Private Banking oferecidos pelos bancos.
Os cinco maiores bancos do país – Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander e Caixa – têm perdido market share no segmento de private banking desde 2015. A fatia saiu de 74% para 70% até a metade de 2019, para R$ 1,203 trilhão, segundo mapeamento feito pela Roland Berger.
Ainda que o grupo top 5 do ranking bancário brasileiro mantenha posição dominante, o decréscimo de participação tem pressionado o retorno sobre o patrimônio dessa linha de negócios, saindo da casa dos 30% para algo perto de 20%, de acordo com a consultoria alemã.
No intervalo avaliado, avançaram instituições menores e grupos estrangeiros, com destaque para nomes como BTG Pactual, XP Investimentos, Credit Suisse, BNP Paribas e GPS/ Julius Baer. A seguir a dinâmica dos últimos anos, se não fizerem nada os grandes grupos financeiros vão perder mercado e receitas, diz António Bernardo, presidente da Roland Berger no Brasil e América Latina. A consultoria estima um recuo potencial de market share de dez pontos percentuais nos próximos cinco anos.
“Os bancos têm de se ajustar. Esse é um negócio de R$ 3 trilhões e vale a pena porque não consome muito capital e o retorno pode ser de mais de 30%”, diz Bernardo, referindo-se às projeções para os valores de quem tem mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro até 2022, fatia local e externa. No private banking, as instituições atendem quem tem a partir de R$ 3 milhões a R$ 5 milhões. Para o executivo, as mudanças não têm sido feitas na velocidade necessária.
O surgimento de novos modelos de negócios, com plataformas como a XP Investimentos ou o BTG Pactual chegando ao investidor por meio da assessoria casada com tecnologia e oferta de fundos de investimentos típicos do universo do private banking estão na raiz da transformação em curso, afirma Guilherme Vitolo, diretor-executivo da Roland Berger.
A queda da Selic do fim de 2016 para cá, de 14,25% a 4,5% ao ano, por sua vez, levou o investidor a sair da renda fixa tradicional e trouxe mais valor a serviços de aconselhamento prestados pelos escritórios de gestão de fortunas independentes, ou pelos agentes autônomos de investimentos. “São modelos que têm buscado proximidade e relacionamento com o cliente que antes tinha a maior parte do dinheiro com os principais bancos e, pouco a pouco, vem dividindo em duas ou mais”, diz Vitolo.
Nos três últimos anos, o BTG Pactual praticamente dobrou o volume de ativos sob o seu guarda-chuva na área de gestão de riquezas, para R$ 160 bilhões. Em 2019, até o fim do terceiro trimestre, teve uma captação líquida da ordem de R$ 20 bilhões. Para Rogerio Pessoa, sócio responsável pela área no banco, os próximos anos tendem a ser igualmente promissores, muito em função de o Brasil transitar para um modelo macro que permite ter juros nominais baixos e taxas reais menores ainda.
“É um cenário nunca visto no Brasil. Os dias de ficar sentado em LCI e LCA de grande banco estão contados”, diz. O investidor tem buscado outros ativos não só na renda variável, em empresas listadas, mas também em private equity, venture capital, crédito privado e opções no exterior.
O crescimento de uma estirada pegou carona no desenvolvimento da plataforma do BTG Pactual Digital, conta Pessoa, ao trazer mais velocidade para o atendimento. “Os grandes usuários são integrantes da segunda ou terceira geração [das famílias], mas os mais antigos também têm se tornado mais sofisticados e passaram a usar a tecnologia.”
Antes de sua oferta de ações na Nasdaq, a XP Investimentos declarava a intenção de atingir R$ 250 bilhões em ativos no private até o fim de 2020, dentro da meta global da empresa de chegar à marca de R$ 1 trilhão em custódia. “Estamos bem adiantados, na metade do sonho”, diz Beny Podlubny, chefe global da plataforma de private, sem expor os números atuais. No mercado, estima-se que a XP tenha cerca de R$ 90 bilhões nessa área.
Uma combinação de atendimento próprio com a capilaridade dos agentes autônomos tem auxiliado na expansão. “Os grandes bancos, de maneira geral, passaram muito tempo no mundo dos juros altos, comprando [para o cliente] renda
fixa do próprio banco em operações muito triviais. A XP foi a casa que buscou investimentos [diversos] com um pouco mais de tecnologia e educação [financeira]”, diz. “Quando quer LCI, LCA ou CDB, o cliente vai no bancão, mas quando busca algo diferente já procura a XP.”
Podlubny conta que o investidor que já testou algum produto da XP tem ampliado a parcela na plataforma, que nos últimos anos ficou mais conhecida – o anúncio da compra de quase metade da empresa pelo Itaú em 2017, e todos os holofotes que se seguiram até a aprovação do negócio pelos órgãos reguladores, além do IPO recente, deram a sua contribuição.
Com novos participantes na disputa é natural que os volumes das instituições líderes sejam diluídos, mas o segmento de private banking segue crescendo, diz Francisco Lassalvia, gerente de private bank do Banco do Brasil. Ele diz que ao longo do ano passado o volume sob gestão do BB cresceu cerca de 15%, para a casa dos R$ 200 bilhões, em linha com o mercado, considerando-se os dados da Anbima. No fim de novembro, a entidade reportava um total de R$ 1,259 trilhão, distribuído entre 57,2 mil grupos familiares, mas não há abertura do ranking.
Uma das estratégias de defesa tem sido ampliar a estrutura física. O BB abriu, no ano passado, 14 escritórios e vai inaugurar mais um nas próximas semanas para um total de 26 unidades, que se conectam a 84 plataformas dedicadas às famílias mais endinheiradas. “Ainda que tenhamos desenvolvido muita ferramenta digital, a necessidade é estar próximo do cliente porque o relacionamento pessoal é mais valorizado pelo público do private do que pela alta renda ”, diz Lassalvia.
Ele acrescenta que dos investimentos em tecnologia, o BB colocou à disposição do “banker” – o executivo que faz o relacionamento com o cliente – um cadastro relacional. Isso significa uma oferta mais assertiva de produtos de investimentos e também de certos “mimos”, como eventos esportivos ou gastronômicos.
Na plataforma aberta, hoje são 50 fundos de terceiros ou espelhos – que replicam a estratégia original de assets independentes -, com um total de 70 portfólios dedicados ao público private. A segmentação foi aperfeiçoada, com a criação de mais um perfil, para um total de sete, a fim de acomodar o investidor disposto a tomar mais risco, diz Lassalvia. “Com a Selic baixa, o cliente vai querer tomar mais risco. Dentro de casa, com as parcerias, vamos buscar mais volatilidade, sim. Em tesouraria, há ainda uma carteira de LCA [Letras de Crédito do Agronegócio] grande e o investidor tende a migrar.”
O Itaú teve, em 2019, um dos seus melhores anos no private banking, tendo atraído R$ 42 bilhões em dinheiro novo. Contando com a fatia internacional, atingiu a marca dos R$ 500 bilhões. Pelas métricas da instituição (base Anbima), com R$ 386 bilhões de recursos geridos localmente, o banco atingiu um market share recorde de 30,7% em 2019, em comparação a 28% de dezembro de 2017. Incluindo a competição nova – nem todos reportam seus números à entidade -, a participação de mercado ainda é alta, de mais de 20%, calcula.
Para reter o investidor e conquistar novos, o banco buscou ser inovador nas ideias de investimentos, valendo-se da estrutura da asset, de fundos de fundos e de opções internacionais. Fez muita pesquisa para ouvir o cliente e a partir disso percebeu que não bastava acertar nas recomendações. “Muitas vezes você acha que está próximo porque o patrimônio está bem gerido, mas ele também quer ouvir opinião de mercado, o que o banco acha do ambiente político e econômico internacional, por exemplo.”
Sem que o mercado brasileiro nos últimos anos tenha apresentado muitos eventos de geração de riqueza – em 2019, só 433 grupos econômicos entraram para o clube do private banking -, tem sido a combinação de plataforma aberta, com tecnologia e uma carteira de clientes por banker menor do que a média do mercado que ajuda o Safra a ter crescimento na casa de dois dígitos, diz Fernando Cruz, diretor de gestão de riqueza do banco.
“O que a gente tem feito é procurar produtos cada vez mais exclusivos”, diz. Ele cita fundos de venture capital, private equity, fundo quantitativo, de previdência com alocação em ações e ofertas 476 [restritas] que o banco estrutura. “Em geral, o private já é bem aberto [a terceiros] e o que a gente fez foi abrir mais com o crescimento de novas assets, além de trazer casas internacionais.”
457 mil Milionários no país até 2022 se não deixarem o País… publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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