Barbara Bigarelli (Valor, 06/02/2020) avalia: o debate sobre o futuro do trabalho está concentrado prioritariamente nos trabalhadores a serem substituídos pelas máquinas. Os estudos com mais sucesso sobre o tema apresentam previsões da eliminação massiva de empregos já na próxima década. Dessa discussão de robôs versus humanos (e quem irá triunfar), Frank Neffke, diretor de pesquisa do Growth Lab – instituto do Center for International Development (CID), da Universidade de Harvard – prefere se ausentar.
Em um estudo recente, publicado no final de dezembro na Science Advances, preferiu analisar a probabilidade dos profissionais serem substituídos por seus próprios colegas. “O mecanismo é semelhante: se uma máquina ou uma pessoa entra no seu local de trabalho e pode fazer o que você faz, isso não é bom para a carreira. No momento, a discussão se concentra principalmente nas pessoas a serem deslocadas pelas tecnologias, não nas pessoas a serem complementadas por elas e como as últimas poderiam compensar as primeiras”.
Ao criar um “ecossistema de habilidades” a partir das informações educacionais de nove milhões de trabalhadores da Suécia, Neffke e seu time concluíram: apenas ter habilidades valiosas é insuficiente para um profissional ganhar mais, ser bem- sucedido e ajudar a elevar a produtividade de sua equipe profissional.
Tão importante quanto investir em educação e novas competências, estão as habilidades de seus colegas de trabalho. Se eles possuírem habilidades semelhantes, a interação será menos produtiva e a remuneração de ambos não aumentará com o tempo. Caso tenham habilidades completares, o cenário é o oposto e a tendência dessa colaboração é, no longo prazo, de melhorias na remuneração, salário e carreira.
Os efeitos salariais da complementaridade são fortes: para trabalhadores com formação superior, ter colegas de trabalho altamente complementares é tão valioso quanto o próprio diploma. A interação certa também ajudaria a diminuir o turnover, à medida que os profissionais qualificados tendem a deixar a empresa se seus colegas têm conhecimento parecido e podem substituí-los.
A maioria das economias classificam as pessoas pelo seu nível de educação, seja em tempo de escolarização, seja em diplomas (ensino médio, nível superior ou pós- graduação). No caso em estudo, conseguiram classificar as pessoas da mostra em 500 trilhas de educação diferentes. O que indica não somente o nível educacional, como o tipo de coisa que as pessoas estudaram: “panificação”, “tratamento capilar”, “transporte terrestre” ou “história da arte”. Essa especificidade é única nos estudos de capital humano.
Desse cruzamento de conhecimentos e trilhas educacionais, a equipe de Neffke criou um mapa interativo mostrando pontos de contato, em diversos campos e áreas de atuação, onde há sinergia, complementaridade ou sobreposição de competências.
“No artigo, argumento que, à medida que nos tornamos mais especializados, há cada vez mais coisas que nós não sabemos fazer. Isso significa que, quanto mais especialista, mais nós precisaremos encontrar pessoas que saibam realizar outros trabalhos que nós não sabemos para construir um projeto”.
O mundo do trabalho caminhou para um altíssimo nível de especialização nos últimos séculos, segmentando o conhecimento e tornando os profissionais extremamente dependentes de outros especialistas.
Por isso a pesquisa defende o valor de suas habilidades depender dos colegas com os quais trabalha. Não à toa, a palavra mais em voga na discussão do futuro do trabalho é a colaboração.
Entre atividades com mais contratações de times complementares, estão agricultura, mineração e indústria. Considerando as profissões tradicionais, que já trabalham em um “ambiente complementar rico” estão médicos, dentistas, advogados, pintores e encanadores. Do outro lado, atuando em ambientes que exigem pouca complementaridade estão faxineiros, recepcionistas e porteiros de prédios.
A pesquisa ajuda a responder, segundo o professor, questões de carreira recorrentes, como por que profissionais com a mesma formação e histórico ganham salários tão diferentes. Também indica as empresas deveriam olhar para o “fit” de um profissional. O que significa, segundo o professor, não apenas avaliá-lo segundo uma determinada posição, mas para habilidades possíveis dele agregar ao time.
Imagine uma plataforma de emprego que conecte candidatos às empresas e que leve em conta questões além da posição em si. Quem o contratado complementaria? Com quais profissionais ele seria mais parecido? O que a chegada dele significa para o futuro das carreiras dentro da organização?
Outra conclusão é: aqueles profissionais com níveis mais altos de educação são os que costumam mais se beneficiar do trabalho em equipes multidisciplinares, em comparação a trabalhadores com qualificação mais baixa.
Questionado se essa situação está, de certa forma, relacionada à desigualdade em vários países (à medida que profissionais mais graduados, geralmente aqueles com maior nível socioeconômico, têm maiores chances de encontrar profissionais com habilidades complementares e, assim ganhar, mais) – o professor afirmou não ser possível, com este estudo, chegar à essa relação.
“O que pode ocorrer é que profissionais com elevado nível de educação têm maior poder de barganha. Mas, na essência, times complementares tornam o time inteiro mais produtivo, aumentando a produtividade. Porém, isso não nos diz como as rendas diversas serão distribuídas, porque a relação é simétrica: um designer de moda é complementar a um alfaite, mas o designer tem muito mais poder de barganha nessa relação. E há muito mais pessoas podendo realizar o trabalho de um alfaite do que gente capaz de criar um design estonteante. É a mesma situação entre um chef e os garçons do restaurante”.
A complementaridade de habilidades, segundo o professor, foi medida nessa relação simples: “você é tão complementar a mim, quanto eu sou a você”. O poder de barganha não é simétrico e depende, exclusivamente, do nível de educação. Outra limitação, diz, é que o estudo não trabalhou com as habilidades que são adquiridas no ambiente de trabalho e que vêm à tona dependendo da mentalidade e da cultura da empresa.
Com as conclusões diretas, analisa, é possível auferir que o futuro do trabalho pressupõe que as pessoas precisarão se conectar, em diferentes e novas formas, a profissionais certos para realizar o que a empresa pede delas. “Nós já vemos isso ocorrendo em algumas plataformas que conectam pessoas. Algumas são usadas por empresas (Asana, Trello), enquanto outras não tem interferência corporativa, como o Github”.
Podemos esperar também por formas de conexão “impensáveis” e que surgirão para conectar especialistas de um modo mais flexível, por meio de longas distâncias e para times completares grandes. Ao que tudo indica, porém, não serão todas as pessoas que se beneficiarão de forma igualitária dessas novas oportunidades.
Complementariedade Profissional Cooperativa publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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