Francesc Miralles (El País, 26/05/2019) é escritor e jornalista, especialista em Psicologia Comportamental. Afirma nosso extrato bancário refletir mais fielmente quem somos em vez de muitos testes de personalidade.
Embora na nossa cultura o dinheiro seja quase um tabu, um assunto sobre o qual muitos evitam falar, certo é o dinheiro falar de nós. A forma de usá-lo revela se somos reflexivos ou impulsivos. As coisas com as quais gastamos mostram nossas prioridades vitais.
Segundo o espanhol Joan Antoni Melé, promotor da ética nos bancos e da economia consciente, o extrato bancário permite fazer uma radiografia das motivações da pessoa e dos seus pontos fracos. Esse é um dos temas abordados em Money Mindfulness, um ensaio de Cristina Benito. Ele foi traduzido a sete idiomas (não ao português). A economista traça cinco perfis psicológicos conforme nossa relação com o dinheiro.
O piromaníaco define a pessoa cujo dinheiro “queima nas mãos” e, portanto, gasta de maneira compulsiva. Segundo a autora, por trás de um consumismo desenfreado há muitas vezes uma grande insatisfação. Quem não está contente com o trabalho ou com a vida precisa “se premiar” para compensar tudo aquilo não apreciado, dando-se presentes cujo prazer evapora tão rápido quanto o próprio dinheiro.
O desprendido é uma variante altruísta do perfil anterior, mas, em seu extremo patológico, pode sofrer consequências igualmente nefastas. A pessoa precisa entregar seu dinheiro e seu tempo – ambos estão associados – aos demais. Quem se relaciona dessa forma com o dinheiro se apressará em pagar a conta de um jantar entre amigos ou emprestará uma quantia sem garantia de depois ser devolvida. Sobre este último ponto, o romancista Henry Miller reconhecia ter vivido em Paris pedindo dinheiro sem devolver. Justificava, para que aconteça essa relação de abuso, ser necessário um encontro entre dois doentes: o viciado em pedir e o viciado em dar. Por trás da Síndrome do Desprendido, costuma haver uma baixa autoestima. Esta leva a pessoa a comprar o amor dos outros.
O neurótico com a pobreza é menos habitual, mas ocorre com frequência entre artistas e pessoas de índole idealista. Nelas está presente a crença de o enriquecimento ser ruim. Este sentimento as leva a boicotar a si mesmas. Se as coisas saem bem, isso significa estarem traindo seus princípios ou prejudicando os outros. A ideia de ser preciso ser pobre para ser puro está enraizada na cultura judaico-cristã. A Bíblia nos recorda: “é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. O sujeito com essa neurose face à pobreza também pode ter medo de ser criticado, ou inclusive de perder afetos, se melhorar seu nível de vida. Por isso, profissionais competentes muitas vezes não se atrevem a pedir um aumento de salário ou a cobrar honorários mais altos.
A formiguinha é um perfil muito comum e, dentro da moderação, sua relação com o dinheiro pode ser saudável. O problema é quando a pessoa vive em um estado de carestia permanente, inclusive tendo uma renda além do suficiente para atender todas suas necessidades básicas. A fixação doentia com a austeridade pode fazê-la passar dificuldades e privações injustificadas. Levada ao extremo, essa atitude se apoia no temor. Há um medo de surgirem gastos inesperados, de perder o trabalho, de uma catástrofe geral da qual ela só se livrará graças às economias. Mas fazer tanta reserva pode nos tornar incapazes de curtir os prazeres simples da vida.
A nuvem do não saber, o último perfil mencionado em Money Mindfulness, diz respeito às pessoas com preferência de deixar outra pessoa se ocupar do seu dinheiro. Delegam essa responsabilidade ao companheiro, à família ou a um representante. A despreocupação pode acabar em desastre, como foi o caso de Leonard Cohen. Ele, depois de se aposentar, com mais de 70 anos teve de voltar a fazer turnês devido à má gestão de sua assessora financeira. Em um nível mais modesto, muitas pessoas descobrem, ao se divorciarem, o companheiro com responsabilidade por suas finanças só deixou “um buraco sem fundo”.
Seja qual for a nossa relação com o dinheiro, tomar consciência sobre o que fazemos com ele nos ensina não apenas quem somos e como temos que mudar, mas também como evitar vínculos tóxicos com os outros, tornando-nos responsáveis por nossa vida.
PS:
Ingvar, o pão-duro:
É célebre a obsessão do fundador da IKEA, Ingvar Kamprad, em poupar dinheiro. Ele chegou a ter uma das maiores fortunas do mundo, com mais de 50 bilhões de euros (225 bilhões de reais). Apesar disso, vestia roupa barata, usava transporte público e ia ao supermercado com vale-desconto para economizar centavos em cada compra. Consumia laticínios no limite da data de validade porque eram mais baratos. Voou a vida inteira em classe turística e se hospedou em hotéis simples.
O empresário, morto em 2018, levou essa ânsia de economizar à sua empresa. Apesar dos grandes lucros da multinacional sueca, sua filosofia era: “Tudo o que ganhamos nós necessitamos como reserva.”
Cinco Perfis Psicológicos conforme nossa relação com O Dinheiro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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