sábado, 22 de junho de 2019

Crises da dívida são inevitáveis?

Ray Dalio, no livro “Crise da Grande Dívida” (“Big Debt Crises”; Bridgewater; sept 2018) narra: ao longo da história, apenas alguns países bem disciplinados evitaram as crises da dívida. Isso porque os empréstimos nunca são feitos com perfeição e muitas vezes são mal feitos devido a como o ciclo afeta a psicologia das pessoas para produzir bolhas e crashes.

Embora os formuladores de políticas, geralmente, tentem acertar, na maioria das vezes eles erram por ficarem muito frouxos ao contratarem o crédito, porque as recompensas de curto prazo (crescimento mais rápido) parecem justificá-lo. Também é politicamente mais fácil permitir crédito fácil (por exemplo, fornecendo garantias, facilitando políticas monetárias) em vez de ter crédito apertado. Essa é a principal razão pela qual vemos grandes ciclos de endividamento.

Por que as crises da dívida vêm em ciclos?

Dalio sempre quando começa a falar de ciclos, particularmente de ciclos grandes e de longo prazo, percebe as sobrancelhas das pessoas subirem. As reações vistas são similares àquelas esperadas se ele estivesse falando sobre Astrologia.

Por essa razão, quer enfatizar não estar falando de nada mais além de uma série de eventos movidos por lógica capazes de se repetirem nos padrões. Em uma economia baseada no mercado, expansões e contrações nos ciclos econômicos, afetando a carteira de crédito, ocorrem por razões perfeitamente lógicas. Embora os padrões sejam semelhantes, as sequências não são predestinadas a repetir exatamente da mesma maneira, nem tomar exatamente a mesma quantidade de tempo.

Para colocar essas questões complicadas em termos muito simples, você cria um ciclo praticamente sempre quando pedir dinheiro emprestado. Comprar algo sem você não poder pagar significa gastar mais além do ganho por você. Você não está apenas pedindo emprestado ao seu emprestador; você está tomando emprestado do seu futuro eu. [Endividamento pode ser encarado como a antecipação de esperados rendimentos futuros.]

Essencialmente, você está criando um tempo no futuro quando precisará gastar menos do ganho para poder pagá-lo de volta. O padrão de empréstimo, gastando no presente mais além do ganho, e depois gastando menos do padrão de gastos de consumo face à renda esperada se assemelha a um ciclo. Isso é tão verdadeiro para uma economia nacional quanto para um indivíduo. Emprestar dinheiro coloca em movimento uma série de eventos mecânicos e previsíveis.

Se você entender o jogo do Monopoly®, você pode muito bem entender como os ciclos de crédito funcionam no nível de toda a economia. No início do jogo, as pessoas têm muito dinheiro e apenas algumas propriedades, por isso vale a pena converter seu dinheiro em propriedade. À medida que o jogo avança e os jogadores adquirem mais e mais casas e hotéis, é necessário mais dinheiro para pagar os aluguéis cobrados quando você pousa em uma propriedade com muitos deles. Alguns jogadores são forçados a vender sua propriedade a preços com desconto para levantar esse dinheiro. No início do jogo, “a propriedade reina”, e mais tarde no jogo “o dinheiro reina”. Quem joga melhor entende como manter a seleção certa de propriedade e dinheiro à medida que o jogo avança.

Agora, vamos imaginar como esse jogo do Monopoly® funcionaria se permitíssemos um sistema bancário fazer empréstimos e receber depósitos. Os jogadores poderiam pedir dinheiro emprestado para comprar uma propriedade e, em vez de ficar com o dinheiro à vista, depositariam no banco para ganhar juros, o que, por sua vez, daria ao banco mais dinheiro para emprestar.

Vamos imaginar também os jogadores neste jogo poderem comprar e vender propriedades uns dos outros a crédito, ou seja, prometendo devolver o dinheiro com juros em uma data posterior. Se Monopoly® fosse jogado dessa maneira, forneceria um modelo quase perfeito para a maneira como nossa economia opera.

A quantidade de gastos financiados por dívidas em hotéis aumentaria rapidamente para múltiplos da quantia em dinheiro existente. Mais adiante, os devedores detentores desses hotéis ficarão com pouco dinheiro para pagar seus empregados e pagar suas dívidas. O sistema bancário também terá problemas, porque a crescente necessidade de dinheiro dos seus depositantes fará com eles o saquem, mesmo com mais e mais devedores ficando atrasados em seus pagamentos.

Se nada for feito para o governo intervir no problema, tanto os bancos quanto os devedores irão à falência e a economia se contrairá. Com o passar do tempo, à medida que esses ciclos de expansão e contração ocorrem repetidamente, as condições são criadas para uma crise de grande dívida e em longo prazo.

Emprestar naturalmente cria movimentos ascendentes auto reforçadores. Eles acabam se invertendo para criar movimentos descendentes em retroalimentação. Eles devem reverter por sua vez.

Durante as altas, os empréstimos apoiam gastos e investimentos, o que, por sua vez, sustenta os rendimentos e os preços dos ativos. O aumento da renda e dos preços dos ativos sustentam novos empréstimos para gastos com bens e investimentos em ativos financeiros. O endividamento eleva, essencialmente, os gastos e a renda acima do crescimento consistente da produtividade da economia.

Perto do pico do ciclo ascendente, os empréstimos baseiam-se na expectativa de o crescimento acima da tendência continuar indefinidamente. Mas, claro, isso não pode acontecer. Eventualmente, o rendimento ficará abaixo do custo dos empréstimos.

As economias cujo crescimento é apoiado de forma significativa pela construção financiada por dívidas de investimentos fixos, imóveis e infraestrutura são particularmente suscetíveis a grandes oscilações cíclicas, porque as taxas rápidas de construção desses ativos de longa duração não são sustentáveis ao longo do tempo do endividamento. Se você precisa de melhores moradias para a população e construí-las, a necessidade incremental de construir mais habitações naturalmente diminuirá no futuro.

Como os ciclos de gastos com moradia diminuem, o impacto da habitação sobre o crescimento também diminui. Por exemplo, se você estiver gastando US$ 10 milhões por ano para construir um prédio de escritórios, pagando a contratação de trabalhadores, compra de aço e concreto, etc. Quando o prédio estiver concluído, os gastos cairão para US$ 0 por ano, assim como a demanda por trabalhadores e materiais de construção.

A partir desse ponto, o crescimento, a renda e a capacidade de serviço da dívida dependerão de outras demandas. Esse tipo de ciclo, quando uma forte ascensão do crescimento impulsionada por imóveis financiados por dívida, investimentos fixos e gastos com infraestrutura é seguida por uma desaceleração impulsionada por uma desaceleração da demanda desafiada pela dívida, é muito típica das economias emergentes. Elas têm muita construção de habitações de interesse social para fazer.

Contribuindo ainda mais para a evolução cíclica das economias dos países emergentes estão as mudanças em sua competitividade, devido a mudanças relativas em suas rendas. Normalmente, eles têm mão-de-obra muito barata e infraestrutura ruim, por isso constroem infraestrutura, têm um boom de exportação e experimentam renda crescente. Mas a taxa de crescimento, devido às exportações, diminui naturalmente à medida que os seus níveis de rendimento aumentam e a sua competitividade salarial relativamente a outros países diminui. Há muitos exemplos desses tipos de ciclos. Por exemplo, a experiência do Japão nos últimos 70 anos.

Em “bolhas”, as expectativas irreais e os empréstimos irresponsáveis ​​resultam em uma massa crítica de empréstimos ruins. Em um estágio ou outro, isso fica evidente para banqueiros comerciais e banqueiros centrais – e a bolha começa a se esvaziar. Um sinal de alerta clássico de uma bolha estar sendo inflada é quando uma quantidade crescente de dinheiro está sendo emprestada para fazer pagamentos do serviço da dívida. Esse refinanciamento, obviamente, aumenta o endividamento dos tomadores de empréstimo.

Quando o crescimento do dinheiro e do crédito são reduzidos e/ou são impostos padrões de empréstimos de custos mais elevados, as taxas de crescimento da renda e gastos do crédito se tornam mais lentas e surgem mais problemas de pagamento do serviço da dívida. Neste ponto, o topo da fase ascendente do ciclo da dívida está próximo.

Percebendo o crescimento do crédito ser perigosamente rápido, os bancos centrais apertam a política monetária para contê-lo, o que muitas vezes acelera o declínio, embora ele acontecesse de qualquer maneira, só um pouco depois. Em ambos os casos, quando os custos do serviço da dívida se tornam maiores, acima do valor possível de ser emprestado para refinanciar os gastos, o ciclo ascendente se inverte.

Não só os novos empréstimos abrandam, como também aumentam as pressões sobre os devedores para os pagamentos da dívida serem feitos. Quanto mais claro se torna os devedores estarem lutando contra a falência, menos novos empréstimos existirão. A resultante desaceleração nos gastos e investimentos reduz ainda mais o crescimento da renda e os preços dos ativos diminuem.

Quando os mutuários não conseguem cumprir suas obrigações de serviço da dívida com as instituições de empréstimo, essas instituições não podem cumprir suas obrigações com seus próprios credores. Os tomadores de decisões de política econômica devem lidar com isso, lidando com as instituições de crédito em primeiro lugar.

As pressões mais extremas são geralmente experimentadas pelos credores. Eles são os mais altamente alavancados e têm as exposições mais concentradas nos mutuários falidos. Esses credores representam os maiores riscos de criar efeitos indiretos para compradores dignos de crédito e em toda a economia.

Normalmente, eles são bancos, mas à medida que os sistemas de crédito se tornaram mais dinâmicos, surgiu um conjunto mais amplo de credores, como seguradoras, fundos não-bancários, corretoras e até veículos para fins especiais.

Os dois principais problemas de longo prazo emergentes desses tipos de ciclos de dívidas são:

  1. As perdas decorrentes dos pagamentos esperados do serviço da dívida não estão sendo efetuadas. Quando prometido
  2. o pagamento do serviço da dívida não pode ser feito, isso pode levar a pagamentos periódicos menores e/ou a redução do valor da dívida, ou seja, concordar em aceitar menos do lhe devido. Se você estava esperando uma dívida anual pagamento de serviço de 4% e de 2% ou 0%, há esse déficit para cada ano, ao passo que se a dívida for reduzida, a perda desse ano seria muito maior, por exemplo, 50%.
  3. A redução dos empréstimos e os gastos foram refinanciados, comprometendo o futuro. Mesmo depois de uma crise da dívida ser resolvida, é improvável as entidades, antes tendo tomado emprestado demais, possam gerar o mesmo nível de gastos no futuro, similares aos antes da crise. Isso tem implicações a ser consideradas.

 

 

Crises da dívida são inevitáveis? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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