segunda-feira, 24 de junho de 2019

Exame do Ciclo Econômico-financeiro

Ray Dalio, no livro “Crise da Grande Dívida” ([“Big Debt Crises”] Bridgewater; sept 2018), ao desenvolver o modelo de Ciclo Arquetípico em Longo Prazo com Grande Dívida, vai se concentrar em:

  1. período até a depressão,
  2. período de depressão em si e
  3. período de desalavancagem, costumeiramente acompanhante da depressão.

Como existem dois grandes tipos de grandes crises de dívidaas deflacionárias e as inflacionárias (em grande parte dependendo se um país tem muita dívida em moeda estrangeira ou não) –, vai examiná-las separadamente.

As estatísticas refletidas nos gráficos das fases foram derivadas pela média de 21 casos de ciclo de dívida deflacionária e 27 casos de ciclo de dívida inflacionária, começando cinco anos antes da base da depressão e continuando por sete anos depois dela.

Nomeadamente, os ciclos da dívida de longo prazo parecem semelhantes em muitos aspectos aos ciclos da dívida de curto prazo, exceto serem mais extremos, tanto porque os encargos da dívida são mais elevados, como também porque as políticas monetárias capazes de resolvê-los são menos eficazes. Na maior parte, os ciclos de dívida de curto prazo produzem solavancos – pequenos booms e recessões – enquanto os grandes de longo prazo produzem grandes expansões e colapsos.

No último século, os EUA passaram por uma crise de dívida de longo prazo duas vezes:

  1. uma vez durante o boom dos anos 20 e a Grande Depressão da década de 1930, e
  2. novamente durante o boom do início dos anos 2000 e a crise financeira a partir de 2008.

No ciclo de dívida de curto prazo, os gastos são limitados apenas pela disposição dos credores e devedores de fornecer e receber crédito. Quando o crédito está facilmente disponível, há uma expansão econômica. Quando o crédito não está facilmente disponível, há uma recessão. A disponibilidade de crédito é controlada principalmente pelo Banco Central. A Autoridade Monetária é geralmente capaz de tirar a economia de uma recessão, facilitando as taxas para estimular o ciclo de novo.

Mas com o tempo, cada parte inferior e superior do ciclo termina com mais atividade econômica em relação ao ciclo anterior e com mais dívidas. Por quê? Porque as pessoas o empurram – elas têm uma inclinação para pedir emprestado e gastar mais em vez de pagar a dívida. É a natureza humana. Como resultado, durante longos períodos de tempo, as dívidas aumentam mais rapidamente em lugar das rendas. Isso cria o ciclo de dívida de longo prazo.

Durante o auge do ciclo de endividamento de longo prazo, os credores estendem o crédito livremente, mesmo quando as pessoas ficam mais endividadas. Isso porque o processo é auto reforçado no lado ascendente – o aumento dos gastos gera rendimentos crescentes e aumento do patrimônio líquido, o que aumenta a capacidade dos mutuários para emprestar, o que permite mais compras e gastos, etc. A maioria está disposta a assumir mais riscos.

Muitas vezes novos tipos de intermediários financeiros e novos tipos de instrumentos financeiros se desenvolvem fora da supervisão e proteção das autoridades reguladoras. Isso os coloca em uma posição competitiva e atraente para oferecer retornos mais altos, assumir mais alavancagem e fazer empréstimos com maior liquidez ou risco de crédito.

Com o crédito abundante, os tomadores geralmente gastam mais além do sustentável, dando a impressão de serem prósperos. Por sua vez, os credores, aproveitando dos bons momentos, são mais complacentes em vez de focarem a segurança. Mas as dívidas não podem continuar a subir mais rapidamente se o dinheiro e a renda necessários para atendê-las não crescem para sempre. Então, elas estão caminhando para um problema de endividamento.

Quando os limites do crescimento da dívida em relação ao crescimento da renda são atingidos, o processo funciona em sentido inverso:

  1. os preços dos ativos caem,
  2. os devedores enfrentam problemas para pagar suas dívidas e
  3. os investidores ficam assustados e cautelosos, o que os leva a vender ou não captar seus empréstimos.
  • Isso, por sua vez, leva a problemas de liquidez, o que significa as pessoas reduzirem seus gastos.
  • Como os gastos de uma pessoa são a renda de outra pessoa, a renda começa a cair, o que torna as pessoas ainda menos dignas de crédito.
  • Os preços dos ativos caem, comprimindo ainda mais os bancos, enquanto os pagamentos da dívida continuam a subir, fazendo com os gastos caírem ainda mais.
  • A bolsa de valores cai e as tensões sociais aumentam junto com o desemprego, à medida que as empresas de crédito e com falta de dinheiro reduzem suas despesas.
  • A coisa toda começa a se alimentar do outro lado, tornando-se uma contração viciosa e auto reforçada e não facilmente corrigida.
  • Os encargos da dívida tornaram-se simplesmente grandes demais e precisam ser reduzidos.

Ao contrário das recessões, quando as políticas monetárias podem ser facilitadas pela redução das taxas de juros e pelo aumento da liquidez, o que, por sua vez, aumenta as capacidades e incentivos para emprestar, as taxas de juros não podem ser reduzidas nas depressões. Eles já estão em (ou perto de) zero e liquidez / dinheiro não podem ser aumentados por medidas ordinárias.

Essa é a dinâmica criadora de ciclos de dívidas de longo prazo. Ela existe desde quando houve crédito, voltando a antes dos tempos romanos. Até mesmo o Antigo Testamento descreveu a necessidade de acabar com a dívida a cada 50 anos. Este foi chamado de Ano do Jubileu. Como a maioria dos dramas, este surge e transparece de maneiras a se repetirem ao longo da história.

O dinheiro serve a dois propósitos:

  1. ser um meio de troca e
  2. ser uma reserva de riqueza.

E porque tem dois propósitos, serve a dois mestres:

1) aqueles com objetivo de obtê-lo apenas para as “necessidades da vida”, geralmente trabalhando para ele, e

2) aqueles com meta de armazenar a riqueza líquida ligada ao seu valor.

Ao longo da história, esses dois grupos foram chamados de coisas diferentes – por exemplo:

  1. o primeiro grupo foi chamado de trabalhadores, o proletariado e “os que não têm”, e
  2. o segundo grupo foi chamado de capitalistas, investidores e “os ricos”.

Por simplicidade, Dalio chama:

  1. o primeiro grupo de trabalhadores do proletariado [aqueles possuidores apenas de “prole”, isto é, filhos] e
  2. o segundo grupo de capitalistas-investidores.

Os trabalhadores proletários ganham dinheiro vendendo seu tempo e os capitalistas-investidores ganham seu dinheiro “emprestando” aos outros o uso de seu dinheiro em troca de:

  1. a) uma promessa de pagar uma quantia de dinheiro maior do que o empréstimo (que é um instrumento de dívida), ou
  2. b) um pedaço de propriedade no negócio (que chamamos de “capital” ou “ações”) ou um pedaço de outro ativo (por exemplo, imóveis).

Esses dois grupos, juntamente com o governo (definidor das regras), são os principais atores desse drama. Embora, geralmente, ambos os grupos se beneficiem de empréstimos e empréstimos, às vezes um ganha e outro sofre como resultado da transação. Isto é especialmente verdade para os devedores e credores.

Os ativos financeiros de uma pessoa são passivos financeiros de outra empresa, por exemplo, promessas de entrega de dinheiro. Quando as reivindicações sobre ativos financeiros são muito altas em relação ao dinheiro disponível para atendê-las, uma grande desalavancagem deve ocorrer.

Então, o sistema de crédito de livre mercado financiador dos gastos deixa de funcionar bem. Ele tipicamente funciona de forma reversa por meio de uma desalavancagem, exigindo o governo intervir de forma significativa. É quando o Banco Central se torna um grande comprador de dívidas (emprestador em última instância) e o governo central se torna um redistribuidor de gastos e riqueza.

Nesses momentos, é necessário haver uma reestruturação da dívida na qual as reivindicações [antecipações de renda futura] sobre os gastos futuros, ou seja, a dívida, sejam reduzidas em relação ao reclamado, ou seja, o dinheiro.

Este desequilíbrio fundamental entre o tamanho dos créditos em dinheiro (dívida) e a oferta de dinheiro, ou seja, o fluxo de caixa necessário para atender a dívida, ocorreu muitas vezes na história. Ele sempre foi resolvido por meio de uma combinação das quatro alavancas descritas anteriormente.

O processo é doloroso para todos os agentes econômicos. Tanto causa uma batalha entre os operários proletários e os capitalistas-investidores, quanto pode ficar tão ruim a ponto de novos empréstimos serem prejudicados ou mesmo banidos.

Os historiadores dizem os problemas surgidos pela criação de crédito foram o motivo pelo qual a usura (emprestar dinheiro para juros) era considerada um pecado tanto no catolicismo quanto no Islã.

Durante toda a Idade Média, os cristãos geralmente não podiam cobrar legalmente juros a outros cristãos. Esta é uma das razões porque os judeus tiveram um papel importante no desenvolvimento do comércio, já que emprestavam dinheiro para empreendimentos comerciais e viagens financiadas. Mas os judeus também eram os detentores dos empréstimos que os devedores às vezes não podiam pagar. Muitos casos históricos de violência contra os judeus foram impulsionados por crises de dívidas

Neste estudo de Ray Dalio, no livro “Crise da Grande Dívida”, examina os grandes ciclos de dívida resultantes em grandes crises de dívida, explorando como eles funcionam e como lidar bem com eles. Mas antes de começar, quer esclarecer as diferenças entre os dois tipos principais: depressões deflacionárias e inflacionárias.

Nas depressões deflacionárias, os formuladores de políticas respondem à contração econômica inicial, baixando as taxas de juros. Mas quando as taxas de juros atingem cerca de 0%, essa alavanca não é mais um meio eficaz de estimular a economia. A reestruturação da dívida e a austeridade dominam, sem serem equilibradas por um estímulo adequado, especialmente, a impressão monetária e a depreciação da moeda.

Nessa fase, os encargos da dívida (dívida e serviço da dívida como percentual da renda) aumentam, porque a renda cai mais rapidamente em lugar da reestruturação, as maiores dívidas aumentam o estoque da dívida e muitos tomadores são obrigados a acumular ainda mais dívidas para cobrir esses custos mais altos de juros.

Como observado, depressões deflacionárias normalmente ocorrem em países onde a maior parte da dívida insustentável era financiada internamente em moeda local. Quando havia uma eventual inadimplência da dívida, ela produzia vendas forçadas e mais inadimplência, mas não era um problema de balanço de pagamentos por conta da depreciação da moeda nacional ou crise cambial.

As depressões inflacionárias, classicamente, ocorrem em países dependentes dos fluxos de capital estrangeiro. Portanto, acumularam uma quantidade significativa de dívida denominada em moeda estrangeira. Ela não pode ser monetizada, ou seja, comprada por dinheiro impresso pelo Banco Central.

Quando esses fluxos de capital estrangeiro diminuem, a criação de crédito se transforma em contração de crédito. Em uma desalavancagem inflacionária, a retirada de capital [repatriamento ou fuga do capital estrangeiro] seca os empréstimos e a liquidez, e ao mesmo tempo a queda da moeda produz inflação.

As depressões inflacionárias, nas quais muitas dívidas são denominadas em moeda estrangeira, são especialmente difíceis de administrar, porque as habilidades dos formuladores de políticas para espalhar a dor [socializar os prejuízos] são mais limitadas.

 

 

Exame do Ciclo Econômico-financeiro publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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