Afinal, o que querem os políticos evangélicos? Andrea Dip, no livro “Em nome de quem?: A bancada evangélica e seu projeto de poder”, diz não haver uma resposta única para essa pergunta, a verdade absoluta ou um objetivo que seja comum a todos os políticos evangélicos. Mas, a partir da atuação da bancada no Congresso, nos estados e nos municípios do país nas últimas legislaturas, é possível traçar algumas hipóteses.
O desejo de controlar os corpos (principalmente os femininos) e a sexualidade pela religião é antiga e não é exclusividade da Igreja Evangélica. O uso político desse controle também não é novidade. Mas na esfera política atual, principalmente dentro das Casas Legislativas brasileiras, essa tentativa de controle tem sido capitaneada pelos políticos evangélicos de forma coesa e barulhenta:
- a proibição do aborto, mesmo em caso de estupro e risco de vida para a mulher – com projetos como a PEC 181/2011, implicando a proibição do uso de Levonorgestrel, conhecido como “pílula do dia seguinte”;
- o endurecimento de penas que recairiam sobre as mulheres que realizassem aborto;
- a apresentação de projetos que visam a retroceder com os direitos LGBTQ (como o Estatuto da Família, a proibição do uso do nome social por travestis e transexuais, a proibição do casamento e adoção de crianças por casais homoafetivos, a “cura gay”); e
- a tentativa de acabar com toda e qualquer discussão sobre gênero nas escolas têm sido as principais proposições dos parlamentares da bancada evangélica.
Os evangélicos só pensam em sexo? Na realidade, as bases culturais cristãs ocidentais, sob o domínio patriarcal, estabeleceram o corpo e o ato sexual como elementos com finalidade exclusiva para a procriação. Elas descartaram a dimensão da corporeidade e da sexualidade relacionada à realização plena do prazer, o que teria resultado na submissão do corpo da mulher e no rechaço à homoafetividade.
Os movimentos feministas têm lutado para desnaturalizar esses processos, garantir direitos e discutir questões relacionadas a gênero, descolando o sentido da sexualidade do da procriação. Há hoje uma reação a esses avanços da parte de grupos conservadores, defensores da cultura patriarcal de controle dos corpos e da negação da ampliação de direitos civis sexuais.
Mas não só: há reação também aos direitos de crianças e adolescentes, às ações afirmativas (cotas, por exemplo) e às políticas de inclusão social e cidadania.
Tudo dentro de um contexto de fortalecimento de posturas conservadoras na esfera pública brasileira, observado nos recentes movimentos pró-impeachment de Dilma Rousseff, de grupos saudosos da intervenção militar, o livre uso de armas mortíferas e explicitam apoio a políticos portadores de discursos fascistas.
Nessa articulação há o alinhamento de grupos religiosos. Eles tornam-se personagens de um processo sem precedentes na vida do país, com plataformas baseadas na retórica do terror “(‘querem acabar com a família’), pelo impedimento da garantia de direitos sexuais e reprodutivos e das ações de superação da violência de gênero.
Obviamente, isto tem pouco ou nada tem a ver com a defesa das famílias. Acaba por ser uma armadilha (instrumentalização) de grupos políticos para quem professa uma fé.
Para além dos temas morais, os interesses institucionais também unem fortemente a bancada evangélica. A conquista de dividendos para as Igrejas como a manutenção de isenção fiscal, a manutenção das leis de radiodifusão, a obtenção de espaços para a construção de templos e a transformação de eventos evangélicos em culturais para obtenção de verbas públicas estão nesse páreo.
A moeda de troca para muitos pentecostais é uma rádio, coisas ligadas à mídia. Mas ‘coisas ligadas à mídia’ não são mais apenas concessões de rádio e TV. Os interesses atuais envolvem reconhecimento público dos líderes evangélicos. Isso acompanha uma tendência conservadora crescente a cada dia no país.
Os pastores midiáticos migram para a política justamente para garantir as concessões de radiodifusão, porque as outorgas são ratificadas ou podem ser abolidas pelo Congresso. Então é uma retroalimentação: eles estão na televisão, influenciam a eleição de certos candidatos. Estes vão garantir sua permanência na televisão. Informação hoje é poder. A imagem é uma moeda valiosa. E os evangélicos estão na política como nunca.
Entre os temas mais citados pelos parlamentares evangélicos em projetos de lei e propostas, estão diferentes formas de isenções de impostos e taxas, em todas as casas legislativas.
Há um projeto de poder em franca construção, concordam pesquisadores e pastores. Esse é um projeto capaz de afetar o país em várias frentes. Segundo dados do censo, há quase 1.500 denominações evangélicas hoje no Brasil. Como um grupo desse tamanho vai se unir em um projeto?
Algumas lideranças têm se unido e tentado superar diferenças para pensar um plano pautado por uma orientação evangélica. Isso afeta política, cultura, direitos. O plano maior foi ocupar o Executivo. Mas pretende a partir daí, posteriormente, chegar ao Poder Judiciário e barrar temas relacionados aos direitos reprodutivos das mulheres e de LGBTQ.
A ascensão dos evangélicos ao poder é uma realidade e corre em ritmo acelerado. Trata-se do descortinar de uma nova realidade sociopolítica. Não há como negar ou menosprezar essa força.
“Se há diálogo possível ou não, se surgirá uma reação progressista de dentro da Igreja e se essa chegará às instâncias de poder ou se a onda reacionária que nos assola se intensificará, não há como prever. Por ora, é importante apenas garantir que a canalhice santificada, realizada e legitimada em nome de Deus, seja desmascarada para que, no futuro, não se repita como farsa.” Assim conclui o excelente livro de Andrea Dip, “Em nome de quem?: A bancada evangélica e seu projeto de poder”.
Metas Estratégicas dos Políticos Evangélicos publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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