Ray Dalio, no livro “Crise da Grande Dívida” ([“Big Debt Crises”] Bridgewater; sept 2018), afirma: em recessões normais (quando a política monetária ainda é eficaz), o desequilíbrio entre a quantidade de dinheiro e a necessidade de servir a dívida pode ser retificado cortando taxas de juros suficientes para:
1) produzir um efeito riqueza positivo,
2) estimular a atividade econômica, e
3) aliviar os encargos do serviço da dívida.
Isso não pode acontecer em depressões, porque as taxas de juros não podem ser reduzidas materialmente porque já alcançaram quase 0%. Nos casos quando as saídas de moeda e as fraquezas cambiais são grandes, o piso das taxas de juros é maior por causa do crédito externo ou considerações sobre risco cambial.
Esta é precisamente a fórmula para uma depressão. Isso aconteceu no estágio inicial da depressão de 1930-32 e da depressão de 2008-09. Em casos bem geridos, como os EUA em 2007-08, o Fed baixou as taxas muito rapidamente e depois, quando isso não funcionou, passou para meios alternativos de estimular, tendo aprendido com seus erros nos anos 1930, quando o Fed estava mais lento para aliviar e até mesmo apertado às vezes para defender a queda do valor do dólar em ouro.
O gráfico acima mostra a queda acentuada das taxas de juros em direção a 0% para a média das 21 crises de dívida deflacionária observadas por Dalio.
Quando a depressão começa, a inadimplência e as reestruturações da dívida atingem os vários participantes, especialmente os financiadores alavancados, por exemplo, bancos, como uma avalanche. Tanto os receios justificados dos credores e dos depositantes alimentam-se de si próprios, conduzindo a instituições financeiras normalmente sem dinheiro para cumprir suas obrigações de recolhimentos compulsórios, caso não estejam sob a égide das proteções do governo.
A redução das taxas de juros não funciona adequadamente, porque os máximos nas taxas livres de risco já foram atingidos e, enquando os spreads de crédito aumentam, as taxas de juros dos empréstimos arriscados aumentam, dificultando a manutenção das dívidas. Cortes de taxa de juros também não ajudam muito as instituições de crédito quando têm problemas de liquidez e sofrem com corridas bancárias. Nessa fase do ciclo, a inadimplência e a austeridade, isto é, as forças de deflação, dominam e não são suficientemente equilibradas com as forças estimuladoras e inflacionárias de imprimir dinheiro para cobrir as dívidas, ou seja, a monetização da dívida.
Com os investidores pouco dispostos a continuar emprestando e os mutuários lutando para encontrar dinheiro para cobrir seus pagamentos de dívidas, a liquidez, ou seja, a capacidade de vender investimentos por dinheiro, torna-se uma grande preocupação. Como ilustração, quando você possui um instrumento de dívida de US $ 100.000, presume ser capaz de trocá-lo por US $ 100.000 em dinheiro e, por sua vez, trocar o dinheiro por US $ 100.000 em bens e serviços. No entanto, como a proporção de ativos financeiros em relação ao dinheiro é alta, quando um grande número de pessoas corre para converter seus ativos financeiros em dinheiro e comprar bens e serviços em tempos difíceis, o Banco Central precisa fornecer a liquidez necessária imprimindo mais dinheiro ou permitir muitos calotes [“defaults”].
A depressão pode vir de, ou causar, problemas de solvência ou problemas de fluxo de caixa. Normalmente, muitos dos dois tipos de problemas existem durante esta fase.
Um problema de solvência significa, de acordo com as regras contábeis e regulatórias, a entidade não possuir capital próprio suficiente para operar — isto é, está quebrada e deve ser fechada. Assim, as leis contábeis têm um grande impacto sobre a gravidade do problema da dívida neste momento.
Um problema de fluxo de caixa significa uma entidade não ter dinheiro suficiente para atender às suas necessidades, normalmente porque seus próprios credores estão tirando dinheiro dela, ou seja, há uma “corrida bancária”. Um problema de fluxo de caixa pode ocorrer mesmo quando a entidade tem capital adequado, porque o patrimônio está em ativos ilíquidos. A falta de fluxo de caixa é um problema imediato e grave – e, como resultado, é o gatilho e principal problema da maioria das crises da dívida.
Cada tipo de problema requer uma abordagem diferente. Se existe um problema de solvência (ou seja, o devedor não tem capital próprio suficiente), ele tem um problema contábil / regulatório.
Ele pode ser resolvido tanto por:
- a) prover capital próprio suficiente ou
- b) alterar as regras contábeis / regulatórias, escondendo o problema.
Os governos podem fazer isso diretamente por meio de políticas fiscais ou indiretamente por meio de políticas monetárias inteligentes, se a dívida estiver em sua própria moeda. Da mesma forma, se existe um problema de fluxo de caixa, a política fiscal e / ou monetária pode fornecer dinheiro ou garantias para resolvê-lo.
Com base na superficial linha de pensamento denominada “Economia da Confiança”, alguns economistas pensam erroneamente as depressões serem psicológicas: os investidores transferem seu dinheiro de investimentos mais arriscados para mais seguros, por exemplo, de ações e empréstimos de alto rendimento para títulos de dívida pública e dinheiro, porque estão com medo. Mas, logo, com restauração do estado de confiança, a economia será restaurada. Então, eles poderiam ser persuadidos a transferir seu dinheiro de volta para investimentos mais arriscados.
Isso é errado porque, ao contrário da crença popular entre economistas malformados, a dinâmica de desalavancagem não é primariamente psicológica. É impulsionado principalmente pela oferta e demanda de, e as relações entre, crédito, dinheiro e bens e serviços – embora a psicologia naturalmente também tenha um efeito, especialmente em relação às posições de liquidez dos vários jogadores.
Ainda assim, se todos fossem dormir e acordassem sem nenhuma lembrança do acontecido, estaríamos na mesma posição, porque as obrigações dos devedores em entregar dinheiro seriam muito grandes em relação ao dinheiro possível de eles estarem absorvendo. Estariam confrontados com as mesmas escolhas e teriam as mesmas consequências, e assim por diante.
Relacionado a isso, se o Banco Central produzir mais dinheiro para aliviar a escassez, barateará o valor do dinheiro, tornando realidade a preocupação dos credores em receber de volta uma quantia em dinheiro valendo menos daquela emprestada. Enquanto algumas pessoas pensarem a quantidade de dinheiro existente permanecer a mesma e simplesmente passarem de ativos mais arriscados para ativos menos arriscados, isso não se torna verdade.
A maior parte do pensado pelas pessoas é dinheiro ser realmente crédito, e o crédito aparecer “fora do ar”, durante bons momentos, e depois desaparecer em momentos difíceis.
Por exemplo, quando você compra algo em uma loja com um cartão de crédito, basicamente diz “Eu prometo pagar”. Juntos, você e o dono da loja criam um ativo de crédito e um passivo de crédito. Então, de onde você tira o dinheiro? Lugar algum. Você criou crédito. Ele vai embora da mesma maneira. Suponhamos se o proprietário da loja passar a acreditar, corretamente, você e outras pessoas não pagarão a empresa do cartão de crédito e a empresa do cartão de crédito não pagará a ele. Então ele acredita corretamente o “ativo de crédito” possuído por ele não estar realmente lá. Não foi para outro lugar; simplesmente, desapareceu.
O processo de desalavancagem leva as pessoas a descobrirem grande parte do considerado antes riqueza própria era apenas uma promessa das pessoas lhes dar dinheiro. Agora, se essas promessas deixam de ser cumpridas, essa riqueza não existe mais.
Quando os investidores tentam converter seus investimentos em dinheiro para levantar dinheiro, eles testam sua capacidade de receber o pagamento. Nos casos quando falha, ocorrem “execuções” induzidas pelo pânico e a venda de títulos.
Naturalmente, quem tem experiência corre, especialmente os bancos, embora isso seja verdade para a maioria das entidades dependentes de financiamento de curto prazo. Todos têm problemas para levantar dinheiro e crédito para atender às suas necessidades, então a inadimplência da dívida tem um “efeito cascata”.
As políticas capazes de reduzirem os encargos da dívida se dividem em quatro grandes categorias:
1) austeridade,
2) inadimplência / reestruturações,
3) monetização da dívida / impressão de dinheiro, e
4) transferências de riqueza, ou seja, de quem tem para quem não tem.
Ao usar esses tipos de alavancas bem, os formuladores de políticas podem atenuar os piores efeitos de uma depressão e gerenciar tanto os credores e tomadores de empréstimos fracassados quanto as condições econômicas. Mas é importante reconhecer cada uma dessas alavancas ter diferentes impactos na economia e na qualidade de crédito. A chave é acertar a mistura, para as forças deflacionárias e depressivas serem equilibradas com forças inflacionárias e estimulantes.
Os dois maiores impedimentos para administrar uma crise de dívida são:
- a) a incapacidade de saber como lidar com isso bem e
- b) políticas ou limitações estatutárias sobre os poderes dos formuladores de políticas para tomar as ações necessárias.
Em outras palavras, a ignorância e a falta de autoridade são problemas maiores em vez de as próprias dívidas. Embora ser um gerente de investimento de sucesso seja difícil, não é tão difícil quanto ser um formulador de políticas econômicas bem-sucedido.
Nós, investidores, temos apenas de entender como funciona a máquina econômica e antecipar o que acontecerá a seguir. Os formuladores de políticas precisam fazer isso, além de fazer com que tudo dê certo, ou seja, eles precisam saber o que deve ser feito enquanto navegam em todos os obstáculos políticos a colocarem dificuldades em sua realização. Fazer isso requer muita inteligência, vontade de lutar e conhecimento político, isto é, habilidades e heroísmo. Às vezes, mesmo com todas essas coisas, as restrições sob as quais eles trabalham ainda impedem as políticas serem bem-sucedidas.
Depressão publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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