quinta-feira, 27 de junho de 2019

Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar

Ronaldo Pilati apresenta seu livro “Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar”: “esta obra procura contribuir para a divulgação científica, mais especificamente para divulgar como a ciência funciona e a relação desse funcionamento com a psicologia do conhecimento. Quais as propriedades do conhecimento científico? Como ele se diferencia de outros sistemas de crença explicativos do universo onde vivemos? Quais as características da psicologia do conhecimento? Como a psicologia humana se beneficia do fazer científico para compreender a realidade? Ao longo das páginas deste livro, explico as características do conhecimento científico e sua relação com a psicologia do conhecimento”.

Em primeiro lugar, diferencia conhecimento científico do conhecimento não científico. Existe uma enorme quantidade de publicações e divulgadores (livros, revistas, palestrantes, programas de TV, rádio, instituições etc.) pretendentes a serem lidos e vistos como científicos. Mas apesar da aura acadêmica criada por currículos invejáveis, boa parte desses meios se afasta, de forma intencional ou não, do caráter fundamental do conhecimento científico.

O que caracteriza o conhecimento científico não é o currículo acadêmico de quem lhe transmite o conhecimento, mas sim o fato de sempre reconhecer: o que sabemos pode ser falho. Mas, mesmo eventualmente falho, é útil naquele momento porque existem evidências capazes de sustentarem aquele conhecimento.

Um grande número de autores vende a cientificidade de suas ideias quando não possuem esse predicado. Neste livro, Pilati fornece alguns subsídios para você distinguir crenças pseudocientíficas, paracientíficas e de ciência picareta, dando-lhe ferramentas para compreender como seu cérebro constrói crenças e informando critérios para diferenciar conhecimento científico do não científico. Este livro pode servir como um guia para você avaliar criticamente as informações consumidas.

Em segundo lugar, ele aborda um dilema para muitas pessoas: a coexistência, em nossa mente, de crenças de naturezas diferentes. Como podemos crer em explicações científicas sobre muitas coisas, mas, ao mesmo tempo, nutrir crenças religiosas para a compreensão de tantas outras?

Muitos identificam a incompatibilidade de sistemas de crença tão diferentes, mas, mesmo assim, são capazes de conviver com ambos. Algumas vezes, essa incompatibilidade causa desconforto, outras não. Neste livro, Pilati conceitua o mecanismo psicológico manejador dessa questão: os Escaninhos Mentais. Não fornece, portanto, um guia, mas uma ferramenta para o autoconhecimento.

A Teoria da Dissonância explica o mecanismo por meio do qual as pessoas acomodam incoerências entre suas crenças e seu comportamento. Ela nos ajuda a compreender como e por que somos capazes de acreditar em coisas sem possuírem evidências na realidade. Acreditamos mesmo termos evidências contrárias àquilo acreditado.

Sistemas de crença infalíveis são fundamentais para compreendermos nossa tendência em acreditar naquilo que queremos acreditar. Crenças infalíveis são aquelas, por sua natureza ou estrutura argumentativa, não possíveis de serem consideradas falsas.

A ideia de infalibilidade de uma crença ou de um sistema de crenças é fundamental neste livro. Um ponto de partida interessante para se aprofundar nessa questão da crença infalível é um vídeo publicado pelo canal Minutos Psíquicos em 2014, intitulado “Ideias à prova de balas”: https://goo.gl/6jnFCa.

Graças à possibilidade de declarar uma crença como falsa houve o aprimoramento de o que sabemos sobre o universo.

Quando os sistemas de crença infalíveis se aliam a sistemas sociais para os fortalecerem, tal combinação pode levar a atos extremados para validação do acreditado. O exemplo de uma seita refere-se a um sistema social dessa natureza.

Os sistemas sociais, por meio de fenômenos como influência social e conformidade, são os mecanismos mais poderosos existentes para o estabelecimento, a manutenção e a transmissão de crenças para diferentes gerações.

Conformidade é o processo pelo qual nosso comportamento é determinado pelas circunstâncias sociais onde vivemos. Nesse sentido, conformar-se diz respeito a pensar, agir e julgar o que está à nossa volta de uma maneira coerente e parecida com a forma pela qual os grupos sociais aos quais nos sentimos como integrantes pensam, julgam e agem.

Em geral tendemos a subestimar a influência desses laços sociais sobre nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Os sistemas de crença endossados são parte essencial desses grupos sociais. A pesquisa em Psicologia Social nos mostra: quanto mais ambígua uma situação é para nós, maior importância damos à forma como nosso grupo entende os fatos. Isso faz com que sejam também nossas as crenças de nosso grupo.

Romper o ciclo de conformidade demanda motivação dos indivíduos. O esforço feito para validar sistemas de crença leva a suplantar a análise racional de uma situação, fazendo com a lógica fracassar e o endosso a crenças despossuídas de qualquer respaldo na realidade continuar a existir.

Mesmo quando as pessoas adeptas de seitas são vistas como desajustadas e isso não ocorrer com a maioria das pessoas, a ciência cognitiva nos mostra: acreditar no desejado vale para todos. A crença em sistemas infalíveis está presente na nossa vida diária, como nas previsões do horóscopo, nas soluções de boa parte da medicina alternativa, em uma parcela significativa do mercado de suplementos alimentares, nas ideologias políticas salvadoras das mazelas do país, entre inúmeras outras questões. Ainda sem nos envolvermos em seitas, somos afetados, direta ou indiretamente, por algum sistema de crenças infalível.

Se não existirem evidências capazes de apoiar as crenças, incorreremos em vieses tolerantes em acomodar essa falta para justificar o sistema de crenças. Vieses como buscar só confirmação daquilo já acreditado, mesmo quando tal busca é feita seletivamente entre as evidências contrárias às nossas crenças.

Como você poderá ler no capítulo “A psicologia humana e o conhecimento científico”, a capacidade da psicologia humana de selecionar informações para sustentar crenças é fundamental para compreendermos por que somos suscetíveis a endossar sistemas de crença sem fundamentos nas evidências. Tal característica psicológica permite engajar, reforçar e manter crenças em sistemas inúteis para compreender, de forma acurada, a realidade. Essa característica potencializa sistemas pseudocientíficos, religiosos e ideológicos, pois estes possuem apelos afinados com muitas de nossas motivações para compreender o que nos rodeia.

O conhecimento científico tem como principal característica seu caráter falível, ou seja, ser passível de ser demonstrado falho. Além dessa, outra característica definidora de sua racionalidade é o ceticismo.

O que caracteriza o ceticismo é a incredulidade em relação ao que se sabe sobre um tema ou assunto. O ceticismo é o exercício direto de questionamento da credulidade e pode ser entendido como a antítese do dogmatismo. A ideia de ceticismo é facilmente compreendida pela maioria das pessoas, ainda quando o termo possa remeter-nos a uma ideia de algo complicado.

O ceticismo científico partilha dessa mesma preocupação. Ele é a faculdade de exercitar o constante questionamento sobre as verdades científicas possuída em determinado momento. Isso nos leva a questionar o que sabemos, motivando, assim, a busca constante pelo aprimoramento.

O critério para concluir se algo é sabido em ciência é a evidência produzida pela aplicação do método científico. O ceticismo, então, motiva o próprio caráter falseável do conhecimento científico. Mas vale a ressalva: devemos aprender a equilibrar nosso ceticismo.

Se o ceticismo for extremado, pode impedir que novas ideias penetrem seu pensamento, tornando-o “convencido de as tolices governarem o mundo” (Sagan, 1987: 4). Por outro lado, se o ceticismo for demasiadamente baixo, você “não saberá distinguir as ideias úteis das que não tem valor” (Sagan, 1987: 4, tradução nossa).

No final das contas, o exercício do ceticismo equilibrado, ou seja, nem se convencer de nenhuma ideia ter valor, mas também não julgar qualquer ideia ser útil, é algo necessário para a maioria das questões corriqueiras. Dessa forma, evitamos ser enganados por ideias inúteis por elas aparentarem possuir algum valor, nos mantendo ao mesmo tempo abertos a novas ideias possíveis de ser melhores em lugar das antigas. Em um mundo cada vez mais cheio de informações falsas a se propagarem pelas redes sociais, essa habilidade é ainda mais importante.

Entender e endossar uma forma racional e cética de compreensão da realidade não é intuitivo para nosso cérebro. Compreender como o conhecimento científico se organiza e estrutura exige esforço e aprendizado, pois o que é intuitivo e recorrente em nossa aprendizagem é a busca, endosso e transmissão de sistemas de crença crédulos, infalíveis, “perfeitos” por não serem abertos à falha.

Tratar da característica do conhecimento científico e de sua diferenciação do não científico é fundamental para divulgar a forma pela qual a ciência constrói sentido da realidade. Também permite compreender por que a ciência é o mais eficiente empreendimento para suplantar a limitação inerente à psicologia humana para apreender a realidade.

Outro problema nesta questão é a existência de sistemas de crença incompatíveis para os quais temos a capacidade de garantir um endosso simultâneo. Somos capazes de compreender e endossar sistemas baseados em princípios falíveis, como é o caso do conhecimento científico, mas, ao mesmo tempo, endossar sistemas infalíveis, como é o caso da religião, das ideologias políticas e da pseudociência. Isso é possível graças a mecanismos psicológicos que permitem a acomodação de sistemas incompatíveis.

Pilati nomeia tal mecanismo de “Escaninhos Mentais”. Esses Escaninhos são estruturas mentais nas quais construímos justificativas para endossar, simultaneamente, crenças, em sua gênese, são incompatíveis. Descrevo mais detalhadamente o conceito no capítulo “A psicologia humana e o conhecimento científico”.

Finalmente, vale mencionar as ideias apresentadas neste livro serem frequentemente sujeitas a uma crítica baseada em um argumento recorrente: o relativismo. Esse argumento defende a verdade ser relativa e, portanto, poderem existir múltiplas verdades.

Polati assume o pressuposto de que tal argumento é uma falácia, pois é inválido. Quando um filósofo afirma todo conhecimento ser relativo, ele deixa de reconhecer seu próprio princípio ser relativo e, portanto, falso. A crença em um relativismo exacerbado pode solapar a busca pela verdade, pois nos remete de forma circular à ideia de a realidade depende de várias coisas ou de vários observadores.

A realidade não é, necessariamente, relativa ao observador, mas independente dele. Sob um ponto de vista científico ou filosófico, não temos como chegar a uma resposta definitiva para essa questão.

Polati assume uma postura prática sobre isso: é útil possuir um critério para confrontar o que julga sabido sobre o universo. Graças ao critério, possui indícios se estuo mais ou menos próximo do conhecimento acurado. Esse critério são as evidências. Uma visão relativista impede o estabelecimento desse critério prático.

Sua premissa é a verdade não estar no observador. Isso porque a observação do mundo não passa de mais uma consequência de como nossa cognição funciona. A realidade do universo é indiferente ao observador, à nossa humanidade e, em última análise, à nossa existência. Ao final, acreditar na ocorrência de diversas verdades é atribuir mais importância à humanidade do que seu real significado no universo.

Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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