quinta-feira, 27 de junho de 2019

Apreender a Ciência

Ronaldo Pilati, no livro “Ciência e pseudociência: por que acreditamos naquilo em que queremos acreditar”, pergunta: O que você sabe sobre ciência? O que caracteriza a ciência e o que torna o estudo relatado na notícia científico? Você conhece conceitos científicos e é capaz de avaliar os princípios pelos quais aquele conhecimento adjetivou-se como científico? Como pode um estudo contrariar os resultados de outros? Isso lá pode ser considerado conhecimento científico se os cientistas não conseguem se entender nos resultados de suas pesquisas?

Compreender o que é o conhecimento científico vai bem além de compreender conceitos e ideias científicas ou conhecer a história e a obra de cientistas importantes. Apreender a ciência significa ter uma noção, ao menos básica, de como o conhecimento científico se estrutura e se diferencia de outros sistemas de crença.

Foram dois os propósitos motivadores da redação deste livro.

O primeiro é o convite feito ao leitor para compreender e aplicar os preceitos básicos de como a ciência funciona e produz sentido sobre a realidade da natureza. Para chegar lá é necessário trilhar um caminho sobre os pilares do pensamento científico, descrevendo as características centrais capaz de o diferenciar de outras formas de saber.

Aliado a isso, Polati também apresenta alguns problemas e limitações impostos pela organização social da ciência ao seu propósito primordial: conhecer acuradamente a realidade da natureza. Apesar dos dissabores e erros da ciência, até o momento, a humanidade não inventou nada melhor para desvelar o universo em torno, inclusive sobre a natureza humana.

O segundo propósito está associado à sua experiência como cientista. A área de pesquisa onde Polati atua lhe permite o contato diário com a forma pela qual compreendemos o mundo. O conhecimento das ciências cognitivas, produzido nas últimas décadas, nos lançou em uma jornada sem precedentes de compreensão da racionalidade e da irracionalidade. Essa compreensão ressalta ainda mais a ciência como uma ferramenta para ir além das nossas limitações cognitivas e fisiológicas capazes de impor uma barreira para entender a realidade. Por meio do emprego da ciência se torna possível transpor essa barreira.

Evidentemente ressas duas características se situarem em um momento histórico do desenvolvimento científico e do acesso à informação ocorrido nas últimas décadas. Atualmente a ciência tem passado por intensa renovação, o que permite aos cientistas fazer perguntas outrora impensáveis.

As barreiras ou os limites do conhecimento científico estão cada vez mais tênues. Perguntas, há pouco tempo, típicas de serem feitas por filósofos e religiosos, agora fazem parte dos projetos de investigação dos cientistas das mais diversas áreas. Esta é uma tendência geral do avanço permitido pelo conhecimento científico, pois o rompimento de tais limites é importante para o desenvolvimento da ciência moderna.

A profusão de divulgação de resultados científicos ao grande público deixa, invariavelmente, a maioria das pessoas atônitas. Isto porque não é incomum uma boa notícia contradizer ou apresentar informações conflitantes com outra, apresentada há pouco tempo.

Por que isso ocorre? O que estaria “errado” em tais resultados da pesquisa científica nas diversas áreas? Não seria a ciência um trajeto linear em busca da verdade final? Como poderia ela se contradizer em resultados divergentes?

Se você tem essa impressão é exatamente porque sua compreensão dos preceitos básicos sobre os quais a ciência se alicerça estão equivocados ou nebulosamente formados. No capítulo “O que caracteriza o conhecimento científico”, Polati aborda essa questão dos preceitos e por que tais características acabam por levar a resultados contraditórios.

Este livro foi escrito como uma conversa sobre os propósitos da ciência e sobre a importância de melhorar a vida em sociedade. Na verdade, Polati considera o entendimento de tais características seja útil para todas as pessoas, seja para proporcionar ferramentas para consumir informação de maneira crítica, seja para julgar melhor suas decisões e crenças sobre assuntos a respeito da sua vida.

A ciência versa sobre a maioria dos assuntos relacionados à nossa existência, inclusive aqueles raramente associados ao tema. A má compreensão da abrangência da ciência leva a outras questões, como o argumento de o conhecimento científico deixar a verdade distante, pois a fragmenta e a torna asséptica. Esse argumento da assepsia parece a Polati tão inadequado quanto intuir que o conhecimento científico não pode auxiliar a compreender nossos próprios sentimentos e emoções.

A compartimentalização do conhecimento produzido pela ciência é usual. Criar um Escaninho Mental onde a ciência e suas funcionalidades e aplicações são úteis para apenas algumas esferas da vida é subestimar o benefício de uma visão científica sobre seu dia a dia.

A experiência fornecida por uma visão cética e racional do mundo deveria ser alcançada por todas as pessoas nas mais diversas dimensões de suas vidas. Uma eventual concepção de incompatibilidade entre o conhecimento científico e os mais diferentes temas a respeito da vida cotidiana não faz sentido.

Na verdade, tal construção de barreiras acaba por distanciar o conhecimento científico de seu potencial de relacionamento com diferentes esferas da vida. Esses Escaninhos servem para a manutenção de um status quo, dando margem a uma visão anticientífica ou pseudocientífica do mundo.

A ideia de a ciência ser um exercício de humildade e formação de caráter é perfeitamente aplicável. O cientista deve exercer constantemente a faculdade do ceticismo. É um exercício árduo, inclusive não é alcançado por muitos. É uma habilidade essencial para desenvolver uma visão científica do mundo.

Ser cético sobre seus próprios sistemas de crença é uma tarefa paradoxal, pois aceitar a falibilidade do próprio conhecimento pode trazer instabilidade em suas asserções e significados. Mas é um exercício possível e importante, pois é o meio de criar novas formas, mais eficientes, de compreender a si mesmo e o mundo a sua volta.

A maioria das pessoas subestima o alcance e as possibilidades que uma visão científico-racional de mundo possui. Um olhar cético para o mundo pode permitir a redução dos preconceitos, mais tolerância a visões políticas e ideológicas divergentes, maior diálogo e consideração constante de que sua compreensão pode ser equivocada ou incompleta.

Mas, ao mesmo tempo, esse exercício permite reconhecer, ainda sendo falha, a compreensão válida naquele momento é a melhor possível à disposição. Tendo isso em mente, este livro quer mostrar uma postura racional e cética sobre o que você sabe a respeito do mundo e de si mesmo é uma excelente alternativa para encarar os percalços, sucessos e dificuldades da vida.

Apreender a Ciência publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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