domingo, 9 de fevereiro de 2020

Parlamentarismo Orçamentário e Déficit Primário

Os investimentos do governo federal em 2019 tiveram um ligeiro aumento em relação a 2018, ao somar R$ 57,3 bilhões (0,78% do PIB), mas a tendência para 2020 é cair para R$ 45,1 bilhões (0,58% do PIB). Se confirmada a dotação inicial, será o menor volume desde 2008.

Isso deve acontecer porque a ampliação do investimento no ano passado está diretamente ligada ao aumento da participação da União no capital das empresas estatais. Do investimento de R$ 57,3 bilhões, R$ 10,1 bilhões se referem à capitalização de empresas, próxima a dotação orçamentária prevista para 2020. Se não fosse isso, o montante de investimento já seria o menor em 11 anos.

Nos últimos anos, após o golpe de 2016, os investimentos têm sido comprimidos com o sucessivo aumento das despesas obrigatórias.

Em 2019, o governo federal desembolsou R$ 317,9 bilhões, o equivalente a 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB), com pagamento de benefícios previdenciários para os trabalhadores da iniciativa privada, servidores públicos civis e militares. Do total, R$ 217,5 bilhões foram destinados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), e R$ 100,4 bilhões, ao Regime Próprio.

“Os déficits acentuados na Previdência (regimes geral e próprio) têm retirado espaço para a realização de políticas sociais e de investimentos públicos”, informou o relatório do Tesouro.

Mariana Ribeiro e Edna Simão (Valor, 30/01/2020) informam: a concentração de capitalização de empresas estatais no fim do ano passado fez com o déficit primário do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) fechar o ano em R$ 95,065 bilhões, acima das projeções mais recentes da equipe econômica. Houve um repasse de R$ 9,6 bilhões a empresas estatais somente em dezembro.

Essas capitalizações estavam previstas para 2020 e acabaram sendo antecipadas para 2019. É o caso, por exemplo, da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron): recebeu R$ 7,6 bilhões no mês passado. A decisão sobre o aumento da participação da União na estatal foi tomada em novembro. As alocações orçamentárias são fruto de decisões políticas. Não cabe ao Tesouro questionar.

O programa de capitalização da estatal já estava aprovado e deveria ser executado ao longo dos próximos anos. Havia consenso sobre o fato de que os navios da Marinha estavam sucateados e precisavam ser substituídos, assim, com espaço no Orçamento, foi optado pela antecipação integral do repasse.

No ano passado, foram repassados também R$ 1,5 bilhão para a Infraero e R$ 1 bilhão para a Telebras. Devido às antecipações, o volume de capitalizações deve ser baixo em 2020, na ordem de R$ 4 milhões. Mas vão surgir outras demandas por recursos em 2020. Dificilmente o governo terá recursos para atendê-las.

No ano passado, as contas do governo central ficaram no negativo pelo sexto ano seguido. Esse foi, no entanto, o menor rombo desde 2014. O déficit primário ficou bem abaixo da meta para o ano, negativa em R$ 139 bilhões, foi puxado pela Previdência Social. Ela ficou no vermelho em R$ 213,179 bilhões. No período, Tesouro Nacional e Banco Central tiveram superávit de R$ 118,114 bilhões.

A arrecadação do país no ano passado foi fortemente influenciada por receitas extraordinárias, ou seja, podem não se repetir. No ano, a arrecadação com concessões e permissões subiu 306% em relação ao ano anterior, puxada pelos recursos do leilão da cessão onerosa, realizado em novembro. Além disso, houve uma alta de 160% nas receitas com dividendos e participações.

Grande parte das receitas de concessão entrou nos caixas da União no fim de 2019, o que levou a maior empoçamento (limite autorizado, mas não gasto por ministérios) e consequente melhora do primário. Também ajudaram o resultado do ano passado despesas programadas que não ocorreram, como despesas com pessoal superestimadas em R$ 5,7 bilhões.

A queda no gasto do governo, mesmo após a criação do teto de gasto, tem sido pequena. Pela regra, a despesa precisa cair quatro pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) até 2026 e, até agora, só caiu 0,5 ponto.

Em 2019, sete órgãos do Poder Judiciário e dois do Ministério Público ficaram acima do teto e só conseguiram cumprir a regra graças à compensação de R$ 2,496 bilhões feita pela União, o que não será mais permitido neste ano. A Justiça do Trabalho foi a que necessitou de maior compensação (R$ 1,633 bilhão).

Envolto em uma crise por causa dos problemas na correção do Enem, o Ministério da Educação teve uma forte queda nos seus gastos discricionários (aqueles que podem ser livremente direcionados pelo gestor) em 2019. De acordo com os dados do Tesouro Nacional, essas despesas (cujo fluxo depende das autorizações de limite orçamentário e financeiro pelo ministério da Economia) caíram R$ 3,2 bilhões, um recuo real (atualizado pelo IPCA) de 16%. Os valores pagos nessa área totalizaram R$ 21,8 bilhões no ano passado, segundo o Tesouro.

Entre os setores relacionados pelo Tesouro, a Educação estava entre os com pior desempenho, junto com Transportes (17,1% de queda real) e Administração (-16,9%). A Saúde teve recuo de 4,3% além da inflação em sua despesa discricionária.

Nos gastos obrigatórios, mas com possibilidade de controle de fluxo financeiro ao longo do ano, também houve queda nas despesas com Educação: -14,4% em valores corrigidos pelo IPCA!

A pasta comandada pelo polêmico Abraham Weintraub, um dos mais fervorosos bolsonaristas e seguidor de Olavo de Carvalho (ideólogo do bolsonarismo), teve o maior “empoçamento” de recursos, categoria no qual o dinheiro fica disponível, mas não é gasto pelo ministério. Ficaram parados R$ 4,5 bilhões no MEC no ano passado!

Apesar de o resultado do governo central ter ficado aquém do projetado, o que interessa, em termos de meta, é o déficit do setor público consolidado. Ele inclui os governos federal, estaduais e municipais e estatais.

O resultado será divulgado pelo Banco Central e deve ficar negativo entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões, frente a uma meta negativa em R$ 132 bilhões.

Questionado sobre a promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao assumir o cargo, de zerar o déficit público já em 2019, Mansueto disse que “o que vale é o que o ministro escreveu” na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),onde há projeção de déficit até o fim do governo. Segundo ele, no melhor dos cenários, o país voltará a registrar superávit em 2022.

Ribamar Oliveira (Valor, 30/01/20) informa: o Congresso criou, nos últimos anos, o que já está sendo chamado na área técnica de “parlamentarismo orçamentário”. Além de toda a peça orçamentária ter se tornado impositiva, mais de 50% dos investimentos da União foram alocados no Orçamento de 2020 por meio de emendas parlamentares. Isto significa que deputados e senadores vão dizer, neste ano, na maioria dos casos, onde e em que obras as verbas serão gastas.

A nova realidade orçamentária abrirá a primeira crise entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional neste início de ano legislativo. Já está negociada pelas principais lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado a derrubada do veto do presidente da República ao artigo 64-A da lei 13.957. Ele alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2020.

A lei 13.957 torna obrigatória as emendas ao Orçamento feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral. O artigo 64-A, motivo da disputa entre Executivo e o Congresso, determina que a execução das programações das emendas deverá observar as indicações de beneficiários e a ordem de prioridades feitas pelos respectivos autores.

Traduzindo o economês, o parlamentar é quem vai indicar o órgão para onde os recursos de suas emendas serão destinados, as obras ou serviços que serão realizados e, em caso de contingenciamento das dotações orçamentárias, qual é a ordem de prioridade. O parlamentar será, portanto, o verdadeiro gestor do recurso orçamentário.

Além disso, o artigo vetado pelo presidente determina que o governo, ao fazer o contingenciamento das dotações orçamentárias, reduza as emendas feitas pelas comissões do Senado e da Câmara e pelo relator-geral na mesma proporção das demais despesas. Bolsonaro vetou dispositivos que darão efetivo controle sobre a execução das emendas parlamentares aos seus autores.

Na mensagem do veto, o presidente argumenta o dispositivo proposto pelos parlamentares ser contrário ao interesse público, pois “é incompatível com a complexidade operacional do procedimento estabelecer que as indicações e priorizações das programações com identificador de resultado primário derivado de emendas sejam feitas pelos respectivos autores”.

É muito provável o Bolsonaro perder também nesta questão, pois o artigo vetado tem o apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Os deputados e senadores não abrem mão de gerir suas emendas e da proporcionalidade no contingenciamento.

As emendas parlamentares ao Orçamento deste ano somam R$ 48,5 bilhões – um recorde histórico. Do total, R$ 9,4 bilhões são de emendas individuais, R$ 8,2 bilhões, de emendas de bancadas estaduais, e R$ 687,3 milhões, de comissões. Só o relator- geral do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), apresentou emendas no total de R$ 30,1 bilhões (ver tabela abaixo). Do total das emendas parlamentares, R$ 23,8 bilhões foram destinados aos investimentos, que estão programados em R$ 41 bilhões para este ano.

Com a derrubada do veto, os parlamentares passarão a gerir, diretamente, mais da metade dos investimentos da União. Na prática, isto significa que serão eles que dirão aos ministros de cada área onde deverão aplicar os recursos orçamentários. Irão escolher a obra e definir prioridades. Toda a lógica orçamentária que predominou até agora será alterada.

Era comum encontrar deputados e senadores nos gabinetes de autoridades, às vezes sem conseguir serem recebidos, com pedidos para que os recursos das emendas fossem liberados e que a destinação ocorresse para as obras que desejavam. As solicitações eram atendidas, muitas vezes, depois de assegurados os votos favoráveis a projetos de lei de interesse do Executivo.

A partir deste ano, serão os ministros que terão que procurar os deputados e senadores para que eles destinem suas emendas para as obras que o governo considera prioritárias. Os encontros de ministros com parlamentares com esse objetivo já começaram. “Agora, é o ministro que está indo atrás do parlamentar”, sintetizou um líder partidário.

Mesmo que o veto do presidente não seja derrubado, o artigo quarto da lei orçamentária deste ano (lei 13.978/2020) proíbe, em seu parágrafo 7o, o cancelamento de valores incluídos ou acrescidos no Orçamento por emendas parlamentares. Tudo terá que ser feito com a concordância ou sugestão do autor da emenda.

A emenda constitucional 100 estabelece ser um dever da administração executar as programações orçamentárias. A emenda 102 esclarece que a execução obrigatória se aplica exclusivamente às despesas primárias discricionárias, que são, justamente, os alvos das emendas parlamentares.

Nas próximas semanas, o governo deverá editar o primeiro decreto de programação orçamentária e financeira do Tesouro neste ano, com um contingenciamento das dotações. Neste documento, saberemos como o governo entendeu a impositividade das emendas parlamentares.

Parlamentarismo Orçamentário e Déficit Primário publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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