sábado, 6 de junho de 2020

Pregação de Politica Monetária Expansiva

Obs.: gráfico acima pré-pandemia. Atualmente, o crescimento do IPCA em 12 meses está em 2,4%.

Carlos Kawall foi secretário do Tesouro Nacional e Luiz Fernando Figueiredo foi diretor de Politica Monetária do Banco Central do Brasil. Artigo em coautoria (Valor, 02/04/2020) defende a queda da Selic ser mais urgente em relação à do juro longo.

Os ex-tecnocratas agora defendem o “consenso” de O Mercado. “No plano fiscal, o consenso é as medidas emergenciais, eventualmente tratadas via PEC em um ‘orçamento de guerra’, não devem comprometer o ajuste estrutural em curso, expresso no teto de gastos, na reforma da previdência e nas PECs atualmente tramitando no Senado, notadamente a emergencial [corte de salários dos servidores] e a do pacto federativo [corte de gastos estaduais]”.

Criticam, aparentemente, o conservadorismo dos atuais tecnocratas no BCB. “No Brasil, ao contrário do resto do mundo, há enorme polêmica para usar com mais intensidade a política monetária, mesmo a convencional (queda da Selic), sendo o ponto principal o efeito desta medida nas condições financeiras.”

Entendem serem dois os canais pelos quais isso pudesse ocorrer:

  1. caso houvesse aumento considerável da inclinação da curva de juros, com os juros longos abrindo, e/ou
  2. caso de desvalorização do real em função da redução do diferencial de juros.

Acreditam esta preocupação ser relevante, mas carecer de sustentação empírica. Analisam, para ilustração, a decomposição do Indicador de Condições Financeiras (ICF) introduzido pelo próprio BCB no último Relatório de Inflação. A piora do ICF observada nas últimas semanas foi decorrente principalmente da elevação de medidas de risco (CDS e VIX), mercados de capitais (bolsas internacionais e Ibovespa), moeda (índices dólar e BRL) e, em menor medida, preços de commodities.

“A maior parte destes indicadores reflete a dinâmica externa. Dos movimentos possíveis de ser resultantes da política monetária doméstica, temos o movimento recente do CDS brasileiro, mas este tem se mostrado em linha com outros emergentes, não parecendo refletir algum componente idiossincrático brasileiro. Sobra então o câmbio”.

Perguntam: sua piora recente foi, de fato, consequência do reduzido diferencial de juros entre Brasil e restante do mundo, podendo piorar sobremaneira no caso de quedas adicionais da taxa Selic?

Para responder a esta pergunta, dizem usar o Estudo MCM 543, onde os autores decompõem a variação cambial em uma série de condicionantes financeiras. No ano, mais de 70% do movimento da moeda brasileira parece responder a quedas nos preços de commodities (em março, como os autores enfatizam, tal percentual alcançou 77%). O diferencial de juros parece responder por apenas 16% do movimento recente da moeda.

Esse apelo à opinião de uma autoridade irrelevante ou vaga é uma apelação! Embasar um argumento na opinião de uma autoridade reconhecida é um apelo à modéstia das pessoas ou ao bom senso de sempre haver outros com maior conhecimento: o que pode até ser verdade, mas nem sempre é. Mas qual leitor leigo conhece o MCM 543?

Kawall e Figueiredo destacam a importância da queda da Selic por seu efeito estimulante direto, uma vez que parcela muito elevada da dívida corporativa (debêntures) e do crédito concedido às pessoas jurídicas é indexada ao CDI. Segundo a ANBIMA, mais de 80% dos títulos corporativos são atrelados ao CDI, com a maior parte (55% do total) concedidos como percentual do CDI.

Hoje, sendo muito necessário as empresas conseguirem acesso a empréstimos de capital de giro (feitos em geral em CDI), como aliás proposto pelo governo na linha de crédito do BNDES para pagamento de folha, defendem sua tese: a queda da Selic é mais urgente se comparada à redução do juro longo.

“Há risco de desancorar a inflação para baixo, o que elevaria o juro real e reduziria o grau de estímulo monetário, em circunstância de provável queda do juro real neutro de curto prazo. Não há risco inflacionário, e sim o de redução do estímulo monetário.”

Apelam até para o mau argumento da Popularidade ou Prova Social: o fato de a maioria das pessoas acreditar em uma ideia não prova ela ser verdadeira. “Vale também citar a experiência de outros bancos centrais de países emergentes. Estão enfrentando a atual crise em condições similares ao brasileiro. Nestes casos, não parece haver constrangimento do uso da política monetária.”

Recorrem também à Falácia da Sabedoria Antiga: uma ideia ser presumida como verdadeira somente porque ter sido originada em um passado distante. É espécie de prova social.

“Lembramos que na crise de 2002 tivemos uma importante experiência quando o Banco Central, em coordenação com o Tesouro Nacional, atuou via troca de títulos longos por papéis mais curtos ou LFT, reduzindo prêmios de risco, no mesmo formato de políticas não convencionais agora adotadas por diversos bancos centrais, inclusive emergentes.”

Nesse contexto, o papel da política monetária é extremamente relevante, não só no formato convencional (redução do juro básico), como também por intermédio de medidas de expansão do balanço do BCB, comprando títulos de dívida corporativa ou mesmo dívida pública, caso persista o quadro disfuncional do mercado de juros.

Carlos Kawall e Luiz Fernando Figueiredo (02/04/2020) julgam de grande importância a PEC proposta pelo governo permitindo ao BCB comprar títulos de crédito. É um momento de whatever it takes [“fazer o que for preciso a qualquer custo” em linguagem de tupiniquim].

Pregação de Politica Monetária Expansiva publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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