sexta-feira, 26 de junho de 2020

Teoria da Demanda Endividada

Atif R. Mian, Ludwig Straub, and Amir Sufi no paper Indebted Demand (NBER Working Paper No. 26940. April 2020) propõem uma Teoria da Demanda Endividada, capturando a ideia de grandes dívidas sobrecarregarem famílias e governos diminuírem a demanda agregada e, portanto, as taxas de juros naturais. No centro dessa teoria está a observação simples, porém subestimada, de tomadores de empréstimo e poupadores diferirem em suas propensões marginais a economizar na renda permanente.

Incorporando esse insight em um agente duplo – idosos mais enriquecidos e jovens em início de carreira –, sem sobreposição de gerações, descobriram tendências recentes de desigualdade de renda e a liberalização financeira ter levado à demanda endividada das famílias, reduzindo as taxas de juros naturais.

Além disso, políticas expansionistas populares, como a política monetária acomodatícia e política fiscal com déficit público, geram um boom de curto prazo, financiado por dívidas, às custas da demanda endividada no futuro. Quando a demanda está suficientemente endividada, a economia fica presa em uma armadilha da liquidez, baseada em dívidas, ou armadilha da dívida.

Escapar de uma armadilha da dívida exige a consideração de fatores macroeconômicos e políticas fora do padrão. Por exemplo, as focadas na redistribuição de renda ou as redutoras das fontes estruturais de alta desigualdade social.

O aumento da dívida e a queda nas taxas de juros caracterizaram economias avançadas nos últimos 40 anos. A taxa média real de juros caiu de 6% em 1980 para menos de zero em 2019 (Rachel e Summers 2019), e a relação dívida média / PIB quase dobrou de 139% em 1980 para mais de 270% (Figura 1 abaixo).

As consequências econômicas da crise de saúde COVID-19 provavelmente acelerarão esses padrões daqui para frente, à medida que os governos adotam políticas agressivas de estímulo financiado por dívida.

Essa situação levanta questões críticas de pesquisa: como os fenômenos gêmeos (contrapartidas) de altos níveis de endividamento e baixas taxas de juros vêm a ser? Deve haver uma reconsideração do padrão macroeconômico no conjunto contumaz de ferramentas de política monetária e fiscal, dado o ambiente desafiador dos altos níveis de dívida e baixas taxas de juros? Existe um papel mais proeminente para políticas focadas na redistribuição?

Este estudo desenvolve uma nova estrutura para lidar com essas questões difíceis. O quadro mostra como o aumento da desigualdade de renda e a liberalização do setor financeiro podem impulsionar as economias em um ambiente de dívida com taxa de juros baixa e alta. Por um lado, políticas macroeconômicas tradicionais, como a política monetária e a política fiscal acabam sendo menos eficazes em longo prazo nesse ambiente. Por outro lado, políticas menos padronizadas, como regulamentação macroprudencial, política de redistribuição, e as políticas atacando as fontes estruturais de alta desigualdade são mais poderosas e duradouras.

O modelo introduz um comportamento não homotético de economia de consumo (por exemplo, Carroll 2000, De Nardi 2004, Straub 2019) em uma economia de dotação determinística de dois agentes convencional.

A suposição de não homoteticidade implica o poupador no modelo economizar uma fração maior de renda vitalícia em comparação com o mutuário. Esta não é uma ideia nova em economia. De fato, é difundido no trabalho de luminares como John Atkinson Hobson, Eugen von Bohm-Bawerk, Irving Fisher, e John Maynard Keynes, e empiricamente apoiado por trabalhos recentes (por exemplo, Dynan, Skinner e Zeldes 2004, Straub 2019 e Fagereng, Holm, Moll e Natvik 2019).

No modelo, os ricos emprestam ao resto da população, o que torna a dívida das famílias um importante ativo financeiro na carteira dos ricos.

A suposição de não homoteticidade em nosso modelo gera a propriedade crucial de grandes os níveis de dívida pesarem negativamente na demanda agregada: à medida que os mutuários reduzem seus gastos para pagamentos de dívidas a poupadores, estes últimos, com maiores taxas de poupança, apenas imperfeitamente compensam o déficit nos gastos dos mutuários. Nos referimos a uma situação onde a demanda é deprimida, devido ao aumento da dívida em níveis elevados, como demanda endividada.

O conceito de demanda endividada tem amplas implicações para a compreensão do que levou ao ambiente atual de dívida alta e baixa taxa de juros e para avaliar quais políticas podem potencialmente ajudar as economias avançadas a escapar desse equilíbrio. Um tema abrangente do modelo é as mudanças ou políticas capazes de aumentarem a demanda hoje através do acúmulo de dívida necessariamente reduzem a demanda no futuro, transferindo recursos de tomadores para poupadores. Portanto, tais mudanças ou políticas realmente contribuem para taxas de juros persistentemente baixas.

A estrutura de demanda endividada prevê uma série de padrões encontrados nos dados, cujo modelagem supondo não homoteticidade no comportamento econômico do consumo dos agentes tem dificuldade de explicar. Por exemplo, desde os anos 80, muitas economias avançadas experimentaram um grande aumento das faixas de renda mais alta, em conjunto com um declínio substancial nas taxas de juros e aumentos em dívidas domésticas e governamentais.

O modelo prevê exatamente esse resultado: um aumento nas principais faixas de renda no modelo transfere recursos de tomadores para poupadores, reduzindo as taxas de juros, devido ao maior desejo dos poupadores de economizar. Taxas de juros mais baixas estimulam mais dívidas, causando demanda por endividamento, pois a dívida nada mais é senão uma mudança adicional de recursos na forma de serviço da dívida nos pagamentos de mutuários a poupadores.

A estrutura também prevê a liberalização financeira. Ela tem sido uma característica proeminente das economias avançadas, desde os anos 80. O neoliberalismo leva a um declínio nas taxas de juros, resultado difícil de gerar na maioria dos modelos macroeconômicos tradicionais.

No modelo de demanda endividada, a liberalização financeira aumenta o montante da dívida assumida pelos tomadores. Isso reforça a redistribuição de recursos para poupadores. Para os mercados de mercadorias serem estimulados, essa redistribuição requer as taxas de juros caírem, uma vez que os poupadores têm uma menor propensão marginal a consumir esses pagamentos de dívida maiores recebidos.

De um modo mais geral, o modelo oferece uma perspectiva diferente sobre o crescimento do tamanho da situação do setor financeiro desde a década de 80. Modelos tradicionais onde o setor financeiro permite as empresas tomarem empréstimos das famílias não pode explicar o aumento global da relação dívida / PIB. Este tem sido concentrado em dívidas domésticas e governamentais. Além disso, a relação investimento / PIB e a produtividade dos negócios realmente tiveram menor crescimento durante esse período.

O modelo de demanda endividada concentra-se em como forças seculares, como o aumento da desigualdade e a liberalização financeira, podem promover um grande aumento de famílias capazes de tomarem empréstimos de outras famílias. Tanto no modelo quanto nos dados, o setor doméstico é crucial para entender por que os níveis de dívida aumentaram.

O conceito de demanda endividada também fornece insights em discussões sobre políticas monetárias e fiscais. Por exemplo, a política fiscal financiada por déficit no modelo está associada a um aumento de curto prazo das taxas de juros naturais. Elas se revertem em uma redução das taxas de juros no longo prazo, quando o governo precisa aumentar impostos ou cortar gastos para financiar a maior dívida pública.

Enquanto alguns impostos são impostos aos mutuários, os governos com os gastos financiados por títulos de dívida pública são semelhantes a qualquer política com tentativa de aumentar a demanda através do acúmulo de dívida. Essa política transfere recursos de tomadores para poupadores, deprimindo a demanda agregada e, portanto, taxas de juros em longo prazo.

Um argumento semelhante se aplica à política monetária, para a qual estendemos nosso modelo para incluir a rigidez nominal. Evidências empíricas sugerem um importante canal de acomodação à política monetária operar através de um aumento na acumulação de dívida. Este canal também está ativo em nosso modelo, aumentando a demanda no curto prazo.

No entanto, esse impulso reverte à medida que o estímulo monetário desaparece e a dívida precisa ser atendida, começando a arrastar a demanda. Devido à presença de demanda endividada, esse arrasto pode causar uma mudança persistente nas taxas de juros naturais após intervenções temporárias de política monetária.

Por esse motivo, a política monetária limitou sua munição no modelo: intervenções sucessivas de política monetária aumentam os níveis de dívida e provocam redução das taxas naturais. Isso força as taxas fixadas politicamente a continuarem caindo com elas para evitar uma recessão, aproximando-se do limite inferior efetivo.

Quando os poupadores comandam recursos suficientes em nossa economia, por exemplo, devido à alta desigualdade na renda e grandes níveis de dívida, a taxa natural em nossa economia pode ficar persistentemente abaixo do limite inferior efetivo. Nesse ponto, nossa economia está em uma armadilha de liquidez, dirigida por dívida, ou armadilha de dívida. Este é um estado estável bem-definido da nossa economia.

O aspecto mais marcante desse estado é ele agir como uma espécie de “buraco negro”. As políticas convencionais, baseadas no acúmulo de dívidas, como gastos com déficit, só funcionam no curto prazo. Eventualmente, a economia é “puxada de volta” para a armadilha da dívida.

Certas políticas não convencionais, no entanto, podem facilitar uma fuga da armadilha da dívida. Por exemplo, políticas tributárias redistributivas, tais como impostos sobre a riqueza ou políticas estruturais voltadas para a redução da desigualdade de renda geram um aumento sustentável da demanda, elevando persistentemente as taxas de juros naturais para seu limite inferior efetivo.

Políticas únicas de perdão de dívida também podem tirar a economia da armadilha da dívida, mas precisam ser combinadas com outras políticas, como as macroprudenciais, para evitar um retorno à armadilha da dívida ao longo do tempo.

A ideia de demanda endividada ajuda a explicar a situação enfrentada pelos principais líderes mundiais e banqueiros centrais, especialmente a ausência de normalização da taxa de juros. Por exemplo, um artigo recente do Wall Street Journal critica as autoridades monetárias, em todo o mundo, ao afirmar: “os empréstimos ajudaram tirar os países da recessão, mas dificultou o aumento das taxas de juros pelos formuladores de políticas”. Mark Carney, governador do Banco da Inglaterra, observou: “a sustentabilidade dos encargos da dívida depende das taxas de juros permanecerem baixas.” Philip Lowe, governador do Reserve Bank of Australia, alertou: “se as taxas de juros subirem. . . muitos consumidores podem ter de reduzir severamente seus gastos manter seus pagamentos.” Este artigo formaliza essas intuições.

Teoria da Demanda Endividada publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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