segunda-feira, 22 de junho de 2020

Falso Dilema: Vida acima do Pleno Emprego

Malu Delgado (Valor, 15/06/2020) informa: o Brasil vai agonizar por um longuíssimo período, com mortes diárias por covid-19, pelo fato de não ter adotado uma política pública mais radical de isolamento social. Praticamente todos os Estados anunciam processos graduais de retomada da atividade econômica, incluindo São Paulo. O alerta é feito pelo economista, professor do Insper e formulador de políticas públicas com base em evidências, Ricardo Paes de Barros. Ele recorre sempre aos números para argumentar: a escolha brasileira não é o melhor caminho.

Principal formulador do programa Bolsa Família, ele preparou estimativas que mostram qual seria o cenário do país se nenhuma política pública de distanciamento social fosse adotada. Considerando essa hipótese, o Brasil teria em torno de 325 mil mortes em um ano – cálculo baseado na atual média diária de óbitos.

Todas as evidências apontam, segundo o economista: “a melhor coisa para a saúde e para a economia é o maior nível de isolamento social possível, de tal maneira que se reduza a taxa de transmissibilidade para o nível mais baixo possível”. Ele afirma não compreender como os gestores brasileiros ignoram as evidências e as experiências exitosas – e as de fracasso – em várias partes do mundo.

Para chegar aos números, Paes de Barros considera a taxa de contágio (R0) igual a 4 (R0 = 4). Quer dizer: cada indivíduo contaminado tem potencial para transmitir o vírus a outros quatro. Esse indicador é adotado (o R basal), porque está muito próximo da capacidade real de transmissibilidade do vírus, considerando a taxa de contágio da síndrome respiratória aguda grave (Sars) é de 3,5 pessoas contaminadas por portador do vírus.

Todo mundo subestimou o R do coronavírus. Ele é mais contagioso e resiliente do que achávamos. Acho que o R0 = 4 não é má estimativa. É o que aconteceria se nós não fizéssemos nada. Evidentemente, quando se começa a tomar uma série de medidas, o R cai.

Afastamento radical reduz mais o R e isso faz com que a sua crise seja menor. Não só morrem menos pessoas, mas a epidemia dura menos tempo. Se você abrir a economia e voltar mais rapidamente, o R vai ser maior e você vai permanecer mais tempo com a epidemia. Toda evidência aponta não ser vantajoso para a economia essa abertura.

A estimativa de Paes de Barros é o Estado de São Paulo, hoje, ter um R em torno de 1,05. Está muito perto de R = 1. No Brasil também. Mas esse não é o R da doença, é o R da doença com todas as medidas tomadas para modificar o contágio. O grande problema é a flexibilização do isolamento social voltar rapidamente a impactar o R. Ele inevitavelmente subirá.

As mortes diárias, no Brasil e em São Paulo, estão quase estabilizando, mas não caem. E a velocidade com que essas mortes diárias vão cair depende de quão abaixo de 1 é o seu R.

Isolamento, uso de máscaras, fechamento das escolas e veto às aglomerações são obstáculos que tornam mais difícil para o vírus se propagar. Qualquer R acima de 1 vai lhe levar a uma proporção muito grande da população infectada. A grande meta é fazer o R ficar menor que 1.

Isso ocorre porque se reduz drasticamente o potencial de transmissão, até se vencer em definitivo a batalha contra o vírus. Na hora quando o R estiver abaixo de 1, consegue-se neutralizar e erradicar a doença. Como principal exemplo as políticas públicas radicais de isolamento da Nova Zelândia.

A reabertura gradual em São Paulo, na visão de Paes de Barros, é extremamente preocupante. O que vai acontecer com isso é ficar com um R perto de 1, mas vamos ter em São Paulo cem mortes por dia, todo dia, por um longo período. Desse jeito aqui e no Brasil, vai parar a atividade econômica por muito tempo.

Mais importante para tentar combater a crise é tentar reduzir o tamanho da crise. O tamanho da crise é controlável.

Paes de Barros traz à luz evidências sobre o impacto da covid-19 no capital humano. Ao considerar uma média dos anos de vida perdidos pelos infectados pelo coronavírus que não sobreviveram, ele calculou que são 17,1 anos perdidos na existência dessas pessoas.

Poderiam morrer 965 mil pessoas em três anos no Brasil (com base na média de mortes diária atual), se nenhuma medida fosse adotada. Questionado se a manutenção do R próximo de 1 pode levar a um número de mortes semelhante, apenas mais espaçado ao longo do tempo, Paes de Barros explica: com o R = a 1, o número de mortes do dia seguinte vai ser o mesmo número de mortes do dia anterior. O Brasil tem mil mortes por dia. Se multiplicarmos mil mortes por 360 dias, com o R = 1, em um ano teremos 360 mil mortes”. Em três anos, diz, a estimativa se aproxima de 1 milhão de óbitos.

Levando-se em conta a média de anos perdidos, ele fez uma projeção global de quantos anos de vida, somados, todas essas vítimas perderão: 16,5 milhões de anos de vida (325 mil mortos por ano durante três anos).

Como cada ano de vida pode ser calculado como três vezes e meia o que as pessoas recebem (segundo cálculo da Organização Mundial de Saúde), é possível calcular, também, “qual é o valor, a perda, que esses anos de vida vão ter”. Mais uma vez, os números assustam: em números absolutos, o valor de vidas perdidas equivale a R$ 1,7 trilhão, ou seja, o equivalente a 23% do PIB nacional.

Paes de Barros enfatiza: “o ponto central é entender que o tamanho da crise de saúde e econômica não é exógena”. “Ela depende das nossas ações. Não consigo ver qual seria o argumento que alguém poderia usar para dizer que a melhor coisa não é parar tudo, vencer a luta contra o vírus e aí voltar tudo. Esse tratamento mais ou menos adotada pelo Brasil – copia da adotada pelos EUA e a Suécia – não me parece ser a melhor solução”, alerta. “A melhor solução seria um tratamento muito mais radical. Ela faria com que a epidemia parasse mais rapidamente.”

Talvez os gestores, como o governador de São Paulo, João Doria, e o prefeito Bruno Covas, enfrentem dificuldades para manter o isolamento, por não conseguirem convencer a população a ponto de o R cair abaixo de 1. As autoridades não conseguem mais parar as pessoas.

Gestores deveriam tentar outras saídas. “A gente corre sério risco de abrir um pouquinho, o R subir, e a gente ter que fechar tudo de maneira radical mais pra frente. Isso aconteceu no Irã, que diminuiu, controlou, e teve depois uma segunda subida. Estamos muito longe da imunidade de rebanho. Se o vírus voltar, ele tem todo espaço do mundo para se propagar no Brasil. Aí a gente pode gerar um segundo ciclo parecido com o primeiro. A melhor solução é reduzir o contágio.”

O economista aconselha uma abordagem: “Cabeleireiro, a melhor proteção pra você não é poder abrir seu salão e atender um cliente a cada duas horas. É acabar com o vírus de tal maneira que você possa atender um a cada meia hora. Isolamento temporário não ajuda em nada, a menos que com isso se consiga realmente erradicar o vírus.”

O Brasil, pelas opções feitas até o momento, não conseguirá fazer isso, diz. “O que é o melhor? Uma guerra prolongada ou a guerra rápida? Declara um feriado super prolongado, ninguém sai de casa, a gente baixa isso de maneira substancial e aí depois a gente retoma”, lamenta.

“Não chegamos na metade do ano e São Paulo já tem mais de 40 mortes por 100 mil habitantes. É meio que o dobro de homicídios por ano. Desse jeito, podemos chegar a 10 mil até fim 2020. Muito mais alto que todas as taxas de homicídio extremamente elevadas brasileiras.”

Falso Dilema: Vida acima do Pleno Emprego publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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