quarta-feira, 24 de junho de 2020

Estrutura de Perdas Alavancadas

Atif Mian e Amir Sufi dizem, no livro “House of debt: how they (and you) caused the Great Recession, and how we can prevent it from happening again” (Chicago; The University of Chicago Press; 2014), o primeiro ingrediente da estrutura de perdas alavancadas são as diferenças entre a população devido a dívidas.

Existem mutuários e poupadores/investidores na economia, e os mutuários têm alavancagem substancial. Eles tomam empréstimos sob a forma de contratos de dívida junto a poupadores, intermediados por bancos. Esses contratos de dívida exigem pagamento de juros a cada período.

O contrato de dívida dá ao poupador a reivindicação senior [direito à garantia oferecida como colateral dos empréstimos] acima de todos sobre os ativos do tomador. Em outras palavras, no caso de o mutuário não pagar, o poupador tem o direito de excluir os ativos do mutuário.

Se o preço da habitação cair e o mutuário vender, ele ainda deve pagar o valor total da hipoteca. O mutuário tem a reivindicação júnior na casa. Portanto, sofre as primeiras perdas associadas a qualquer queda nos preços da habitação.

Os tomadores de empréstimos tendem a ser famílias com baixo patrimônio líquido, razão pela qual precisam tomar emprestado dinheiro para comprar uma casa. Os poupadores tendem a ser famílias com alto patrimônio líquido.

No modelo, os poupadores emprestam diretamente aos mutuários, o que equivale a dizer: os ricos emprestam aos pobres. Na realidade norte-americana, é claro, os ricos poupadores colocam seu dinheiro em um banco, fundo de mercado monetário ou ativos diretos de ativos financeiros, como ações. No caso brasileiro, o maior funding em depósitos de poupança é propiciado pela agregação dos baixos saldos médios de pequenos poupadores.

Esse dinheiro encontra seu caminho em hipotecas para o mutuário. O ponto permanece: os poupadores, por meio de suas participações financeiras, têm o direito de reivindicar as casas subjacentes. Os ricos são protegidos contra a queda no preço da habitação, não apenas porque são ricos, mas também porque têm uma reivindicação sênior sobre a habitação.

O segundo ingrediente da estrutura de perdas alavancadas é um choque para a economia capaz de levar a uma forte retração nos gastos das famílias com dívidas. Esse choque pode ser visto, geralmente, como qualquer evento resultante na diminuição da posição de patrimônio líquido das famílias alavancadas ou dificultando seu empréstimo.

Na prática, um colapso nos preços dos imóveis é quase sempre o choque. Como Atif Mian e Amir Sufi mostraram, no capítulo 2, o colapso dos preços das casas durante a Grande Recessão destruiu o patrimônio líquido das famílias endividadas.

O impacto dos gastos da queda nos preços dos imóveis é amplificado no quadro de perdas alavancadas devido a dois efeitos.

  • O primeiro é a concentração de perdas naqueles com maior sensibilidade aos gastos em relação à riqueza da habitação: os devedores.
  • O segundo é a amplificação do choque original do preço da habitação, devido às execuções de uma hipoteca.

Quando a dívida concentra perdas em famílias endividadas, há várias razões pelas quais elas param de gastar. Uma é advém delas precisarem reconstruir sua riqueza para garantir terem dinheiro para gastar no futuro.

Por exemplo, considere um casal de quase cinquenta anos se aproximando da aposentadoria. Eles possuíam 20% do patrimônio em sua casa. Planejavam a usar para financiar sua aposentadoria, reduzindo ou vendendo essa casa ou fazendo um empréstimo com o valor do imóvel.

Quando os preços das casas caem em 20% e seu patrimônio doméstico desaparece, eles estão em apuros. Eles não têm mais riqueza suficiente para cobrir seus gastos planejados na aposentadoria. Como resultado, eles cortam os gastos para construir uma reserva financeira para poderem se aposentar.

Além do efeito imediato de querer economizar mais, devido à perda de riqueza, as famílias alavancadas também cortam os gastos, devido às restrições mais rígidas nos empréstimos. Por exemplo, as famílias alavancadas não têm mais patrimônio doméstico suficiente para usar como garantia para empréstimos.

Também é provável elas terem dificuldade em refinanciar com uma taxa de juros mais baixa sua hipoteca. Essas restrições mais rígidas dos empréstimos deprimem os gastos das famílias endividadas.

O declínio geral nos gastos no quadro de perdas alavancadas é maior caso seria se as perdas de moradias fossem distribuídas de forma mais igualitária pela população. Como Atif Mian e Amir Sufi demonstram no capítulo 3, o gasto de famílias endividadas é mais sensível às perdas de riqueza da habitação em lugar do gasto de poupadores. Em outras palavras, os poupadores podem absorver as perdas com muito mais facilidade, sem reduzir seus gastos.

O segundo canal através do qual a dívida amplifica o impacto do choque habitacional é a externalidade de encerramento, discutida no capítulo 2. Se o declínio inicial nos preços das casas for grande o suficiente, alguns dos proprietários de casas endividados podem dever para comprar a casa acima do seu valor de mercado.

É mais provável, nesse caso, as famílias racionais não pagarem seus pagamentos de hipotecas, seja porque o pagamento se torna proibitivamente caro ou por motivos estratégicos. Independentemente disso, esses padrões levam a execuções de hipoteca.

Isto, por sua vez, levam a reduções adicionais nos preços das casas. Os cortes nos gastos, impulsionados pelo declínio inicial nos valores das casas, são ainda mais amplificados, à medida que as execuções de hipoteca pressionam os preços das casas ainda mais.

Embora Atif Mian e Amir Sufi tenham focado no exemplo de famílias de credores e devedores na estrutura de perdas alavancadas, a intuição se aplica de maneira mais ampla.

Por exemplo, o mutuário pode ser um país, como a Espanha, se tomou emprestado substancialmente de outro país, como a Alemanha. Uma queda nos preços das casas na Espanha, neste exemplo, força as famílias espanholas a reduzirem drasticamente os gastos pelas mesmas razões discutidas acima. A Alemanha está protegida contra a queda no preço da habitação, porque os alemães são os que mais reclamam do estoque de moradias espanholas.

Atif Mian e Amir Sufi descrevem como ocorre um grande declínio nos gastos na estrutura de perdas alavancadas, um declínio cuja visão dos fundamentos não pode explicar facilmente. Mas, como apontaram nates, há uma falha adicional na visão dos fundamentos e eles devem a abordar. Nessa visão, a economia possui forças corretivas naturais pelas quais, supostamente, mantêm em plena capacidade, mesmo se houver um declínio severo nos gastos.

 

 

Estrutura de Perdas Alavancadas publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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