quinta-feira, 25 de junho de 2020

Como a economia tenta reagir à Grande Depressão Deflacionária?

Atif Mian e Amir Sufi dizem, no livro “House of debt: how they (and you) caused the Great Recession, and how we can prevent it from happening again” (Chicago; The University of Chicago Press; 2014),  a primeira maneira pela qual a economia tenta evitar uma catástrofe econômica, quando as famílias endividadas cortam seus gastos, é através de uma forte redução nas taxas de juros.

À medida que os mutuários reconstroem seus balanços, reduzindo os empréstimos, a demanda por economizar na economia aumenta. Isso empurra as taxas de juros para baixo, se o dinheiro fluir para o sistema financeiro, onde ninguém empresta.

Eventualmente, as taxas de juros devem ficar baixas o suficiente para induzir as empresas a tomar empréstimos e investir. Isso deve ajudar a compensar os gastos mais baixos dos consumidores.

Além disso, os poupadores da economia, os menos afetados pelo declínio dos preços das casas, devem ser induzidos a gastar mais – taxas de juros extremamente baixas devem incentivar os poupadores a comprar um carro novo ou a reformar sua cozinha.

Esse processo é auxiliado pelo Banco Central. Este, normalmente, responde a uma crise pressionando as taxas de juros de curto prazo para baixo. Os gastos dos poupadores e os investimentos das empresas devem preencher a lacuna deixada pelos mutuários. Desse modo ideal, a economia agregada deve escapar ilesa.

A economia também tenta evitar uma catástrofe econômica no mercado de bens: quando os gastos entram em colapso, as empresas reduzem os preços. À medida que os preços caem, os compradores devem retornar ao mercado.

Da mesma forma, para um país menor, muito dependente de exportações, um declínio nos gastos domésticos levará à depreciação da taxa de câmbio. Isso torna as exportações desse país mais baratas para estrangeiros e deve aumentar a produção doméstica.

No conjunto, a combinação de taxas de juros mais baixas, preços domésticos mais baixos e uma moeda depreciada é como a economia tenta lidar com um choque de demanda negativo maciço por conta de corte de gastos de famílias endividadas.

Mas Atif Mian e Amir Sufi já anunciaram esses ajustes não funcionarem. Na Grande Recessão, a economia foi incapaz de reagir ao choque maciço da demanda por famílias endividadas. Deve haver atritos possíveis de impedem esses ajustes. Esses atritos ampliam o declínio nos gastos das famílias alavancadas em uma recessão nacional com alto desemprego.

O atrito mais conhecido é chamado de limite inferior zero [“the zero lower bound”] às taxas de juros nominais. O limite inferior zero significa as taxas de juros não poderem ficar baixas o suficiente para realmente induzir os poupadores da economia a começar a comprar.

Se as taxas de juros não puderem diminuir o suficiente, a lacuna nos gastos deixados pelas famílias alavancadas ao cortarem seus gastos permanece sem preenchimento. Isso também é chamado de “armadilha da liquidez“, porque quando uma taxa de juros é mantida em zero quando precisa ser negativa, as pessoas economizam seu dinheiro em instrumentos líquidos Como dinheiro e as Letras do Tesouro Nacional dos Estados Unidos. Em vez de gastar, os poupadores acumulam dinheiro em ativos sem risco.

O limite zero mais baixo das taxas de juros existe porque o governo emite dinheiro em papel-moeda – e ele não pode ter um retorno negativo. Normalmente, os consumidores valorizam o dinheiro para fins de transação: pagar a babá ou o manobrista de um restaurante.

Mas o dinheiro também é um ativo, isto é, uma forma de manutenção de riqueza. Teoricamente, qualquer um poderia manter todos os seus ativos em dinheiro. Se você colocar todo o seu dinheiro em dinheiro, qual é a pior taxa de juros obtida? A resposta: 0%.

Na ausência de inflação, a disponibilidade imediata de caixa sempre produzirá uma taxa de juros de 0% para o investidor. Ela é livre de riscos.

Como qualquer investidor sempre pode deter um ativo livre de risco (dinheiro plenamente líquido) e garantir um retorno de 0%, nenhum ativo pode jamais ter um retorno nominal esperado negativo. Isso significa haver um limite zero mais baixo nas taxas de juros: nenhuma taxa de juros nominal na economia pode ser inferior a 0%.

[“Juros negativos” é a cobrança de Banco Central por guardar dinheiro dos bancos em suas reservas bancárias, espécie de “tarifa para custódia”.]

Suponhamos os poupadores serem cobrados por economizar dinheiro depositado no banco. Se você investir US$ 100 hoje, receberá apenas US$ 90 em um ano. Em tal situação, o poupador seria induzido a comprar mercadorias em vez de economizar – por qual razão deixar o dinheiro perder valor no banco quando você poderia comprar uma nova casa ou carro? Os poupadores consumiriam em resposta a taxas de juros negativas, ajudando assim a compensar o declínio nos gastos dos mutuários.

Mas o limite inferior zero das taxas de juros impede as taxas se tornarem negativas. No exemplo acima, se um banco tentasse cobrar US$ 10 por guardar com segurança o dinheiro em uma conta de depósito, você o pegaria e guardaria em seu cofre em casa, o que garantiria um retorno de 0%, portanto, o limite inferior zero.

[Atif Mian e Amir Sufi adotam o individualismo metodológico e não avaliam os bancos com moeda eletrônica fiduciária deixarem as reservas bancárias registradas no Banco Central. Não têm todo seu dinheiro em encaixe monetário (papel-moeda em espécie), guardado em seus cofres-fortes.]

Como resultado, a economia está presa em uma armadilha de liquidez. Os mutuários não podem gastar à medida que reconstroem seus balanços patrimoniais e enfrentam severas restrições de empréstimos. Os poupadores se recusam a gastar porque as taxas de juros não são suficientemente negativas para induzi-los a consumir.

A atividade econômica passa a ser orientada pela demanda. Qualquer coisa capaz de induzir as famílias na economia a gastar aumentará a produção total. Não deveria surpreender quase todas as principais contrações econômicas da história econômica estarem associadas a taxas de juros nominais muito baixas. Enquanto escreviam este livro, em 2014, as taxas de juros dos títulos do tesouro dos EUA de curto prazo eram de 0% há cinco anos.

A inflação é uma maneira óbvia de colocar as taxas de juros reais em território negativo. A inflação age de maneira semelhante a um banco capaz de cobrar um poupador por guardar dinheiro. Por enquanto, Atif Mian e Amir Sufi ignoraram a inflação, mas voltarão a ela na seção de propostas de políticas econômicas no capítulo 11 do livro.

E quanto aos preços mais baixos para o consumidor? Eles não deveriam fazer as pessoas quererem gastar? A resposta novamente é não, inclusive uma queda nos preços ao consumidor pode até piorar o problema.

Preços mais baixos são possíveis apenas se as empresas reduzirem seus custos, reduzindo os salários. No entanto, um corte salarial esmaga as famílias endividadas. Elas têm encargos da dívida fixados em termos nominais. Se uma família endividada enfrenta um corte salarial, enquanto o pagamento da hipoteca permanece o mesmo, é provável ela cortar ainda mais os gastos.

Isso leva a um ciclo vicioso no qual as famílias endividadas cortam os gastos, o que leva as empresas a reduzir os salários, o que leva a maiores encargos da dívida para as famílias, o que as leva a reduzir ainda mais. Isso foi famoso por Irving Fisher, o ciclo de “deflação da dívida”, após a Grande Depressão resultante do crash de 1929.

Existem vários outros atritos importantes. Eles impedem a economia de se ajustar a um grave choque de gastos.

Por exemplo, os mutuários tendem a comprar tipos diferentes de produtos em relação aos poupadores ricos. Se os tomadores começarem a comprar menos, a economia precisará reduzir a produção de bens apreciados pelos tomadores e aumentar a produção de bens desejados pelos poupadores. Existem atritos no processo de realocação de capital.

A economia pode precisar transferir trabalhadores do setor de construção para outros setores. Pode ser necessário transferir trabalhadores do varejo local para indústrias exportadoras para outros países, em um esforço para aumentar a produção via depreciação da moeda nacional.

Pode ser necessário transferir os gastos dos mutuários para os poupadores ricos. Geralmente, qualquer atrito capaz de impedir tal realocação traduzirá o declínio nos gastos das famílias alavancadas em uma grave recessão econômica com alto desemprego.

Como a economia tenta reagir à Grande Depressão Deflacionária? publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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