Atif Mian e Amir Sufi dizem, no livro “House of debt: how they (and you) caused the Great Recession, and how we can prevent it from happening again” (Chicago; The University of Chicago Press; 2014): nos primeiros quatro anos da Grande Depressão, os preços e os salários caíram notáveis 30%. As famílias acumularam enormes dívidas e essa rápida deflação devastou a economia em geral.
Os salários caíram vertiginosamente, mas as obrigações de dívida permaneceram as mesmas em termos de dólar. Assim, as famílias, antes já cortando os gastos devido ao alto endividamento, foram forçadas a cortar ainda mais. Durante a Depressão, dívida e deflação criaram uma mistura mortal. Ela ampliou as forças de perdas alavancadas discutidas pelos coautores.
Dívida e deflação são cúmplices naturais no “crime”. Quando famílias endividadas cortam gastos, as lojas cortam preços para aumentar as vendas em geral. No entanto, isso é sustentável apenas se as empresas ao abaixarem preços também baixarem salários para reduzir custos.
Assim, uma demanda menor se traduz em salários mais baixos, o que agrava ainda mais o problema, aumentando o peso da dívida das famílias em comparação com sua renda. Isso força as famílias a reduzir ainda mais os gastos. E assim por diante.
O grande economista americano Irving Fisher chamou esse ciclo vicioso de “deflação da dívida”. Como ele colocou em 1933, “eu tenho. . . uma forte convicção de essas duas doenças econômicas, a dívida e a do nível dos preços, são, nos grandes booms e depressões, causas mais importantes no lugar de todas as outras reunidas.”
O argumento dele era distributivo. Como os contratos de dívida são fixados em termos de dólares, a deflação torna mais oneroso para o mutuário pagar suas dívidas. Por outro lado, o credor ganha com a deflação, porque pode comprar mais mercadorias com o mesmo pagamento de juros recebido em seu empréstimo. A deflação é um mecanismo capaz de transferir poder de compra ou riqueza de devedores para credores.
Portanto, se a deflação retira o poder de compra dos devedores, a inflação ajuda a amenizar o golpe devolvendo o poder de compra aos devedores? Em princípio sim.
Um aumento de preços e salários torna mais fácil para os mutuários usarem seus salários mais altos para pagar suas obrigações de dívida fixa. Da mesma forma, preços mais altos reduzem o valor dos pagamentos de juros aos credores se os empréstimos não forem indexados ao índice de preços.
A maior propensão marginal a consumir para os devedores significa essa transferência no poder de compra ser benéfica para a economia em geral. Os devedores gastam com um aumento no poder de compra mais em relação ao corte de gastos dos credores em resposta à mesma perda.
Isso nos leva à importância da política monetária. Pela lógica acima, se a política monetária pode impedir a deflação e apoiar a inflação, pode reduzir os efeitos negativos de uma recessão impulsionada por dívida.
Durante a Grande Depressão, o Federal Reserve não impediu a deflação e foi amplamente criticado. Milton Friedman e Anna Schwartz, por exemplo, em seu clássico de 1963, A Monetary History of the United States, criticaram o Fed por manter o suprimento de dinheiro muito apertado e por impedir a deflação.
Por ocasião do nonagésimo aniversário de Milton Friedman, em 2002, Ben Bernanke – um ex-professor de economia de Princeton e especialista em Grande Depressão – prometeu publicamente: “Gostaria de dizer a Milton e Anna: a respeito da grande depressão. Você está certo, nós fizemos. Lamentamos muito. Mas, graças a você, não faremos isso de novo.”
Bernanke provou ser um homem de sua palavra. Quando o teste real foi realizado em 2007 e 2008, as torneiras do Fed fluíram desinibidas. A abordagem agressiva do Fed de fato ajudou a impedir a repetição da espiral deflacionária da Grande Depressão.
Ainda assim, não vimos uma inflação mais alta durante a Grande Recessão, mesmo caso isso diminuísse o dano macroeconômico da dívida. Por que o Fed simplesmente não eliminou o problema das perdas alavancadas?
Infelizmente, nenhum Banco Central tem um botão mágico de modo a simplesmente pressionar para criar inflação. Prevenir a deflação é uma coisa; gerar inflação significativa é muito mais difícil.
De fato, quando uma economia sofre excessivos ônus da dívida e se encontra no limite inferior zero, a capacidade da política monetária de elevar os preços se torna seriamente prejudicada. Mesmo além das limitações bem documentadas, impostas pelo limite inferior zero, o problema de perdas alavancadas enfraquece substancialmente o poder da política monetária.
Para entender o porquê, precisamos analisar os detalhes de como o Federal Reserve opera. A maneira mais direta de obter inflação é através de um grande aumento na quantidade de moeda em circulação.
À medida que mais dinheiro persegue a mesma quantidade de bens e serviços, preços e salários devem subir. [Este é um raciocínio “ceteris paribus”, típico de economistas, porque pressupõe a oferta agregada dada em um corte temporal estático.]
A base monetária dos Estados Unidos inclui tanto a moeda em circulação – as moedas e notas impressas geralmente consideradas “dinheiro” – quanto as reservas bancárias. As reservas bancárias são dinheiro mantido dentro do sistema bancário, como moeda em cofres bancários e como depósitos compulsórios ou voluntários mantidos pelos bancos no Federal Reserve.
As reservas bancárias não contêm moeda em circulação. Quando o Fed quer aumentar a base monetária, compra títulos (geralmente títulos do Tesouro dos EUA) de bancos e os paga com reservas bancárias. Em outras palavras, o Fed cria reservas bancárias, mas não consegue por si só colocar moeda em circulação.
Um aumento nas reservas bancárias leva a um aumento na circulação da moeda somente se os bancos aumentarem os empréstimos em resposta ao aumento das reservas [e se houver elevação da demanda por crédito como efeito do crescimento econômico]. Se os bancos não emprestam mais – ou, equivalentemente, se os mutuários não tomam mais emprestado – um aumento nas reservas bancárias não afeta o dinheiro em circulação.
Foi o que aconteceu na Grande Recessão. As ações agressivas tomadas pelo Fed incluíram empréstimos a bancos. Isso aumentou as reservas bancárias e reduziu as taxas de juros interbancárias, mas teve um efeito limitado nos empréstimos reais e, portanto, um efeito limitado na moeda em circulação.
Como mostrado no capítulo 9 por Atif Mian e Amir Sufi, os empréstimos bancários despencaram durante a Grande Recessão, assim como as reservas bancárias dispararam.
Muitos leitores podem se surpreender, mas é verdade: o Federal Reserve não tem controle direto sobre a moeda em circulação. Não imprime dinheiro [via ordem para Casa da Moeda]; expande sim reservas bancárias [escriturais via registros eletrônicos].
Após a Grande Depressão, um grupo de economistas de prestígio, incluindo Irving Fisher, ficou furioso com essa falta de controle e defendeu fortemente políticas para dar total autoridade ao Fed. Eles escreveram: “[As políticas atuais] dão a milhares de bancos comerciais poder para aumentar ou diminuir o volume de nosso meio circulante, aumentando ou diminuindo empréstimos e investimentos bancários. Os bancos exercem, portanto, o que sempre e justamente foi considerado uma prerrogativa do poder soberano.”
No entanto, esses economistas não conseguiram implementar essas propostas de políticas. O mesmo problema afetou a política monetária, em resposta à Grande Recessão, setenta anos depois.
No contexto de uma recessão de perdas alavancadas, contar com os bancos para aumentar os empréstimos enfraquece gravemente a política monetária. Lembre-se, em um episódio de perdas alavancadas, as famílias e até as empresas lutam para conseguir pagar a dívida acumulada antes e os bancos sofrem altas taxas de inadimplência.
Em tal situação, os bancos não desejam conceder mais empréstimos e as famílias não desejam dívidas adicionais. Assim, quando a política monetária precisa de mais empréstimos para colocar a moeda em circulação, as forças naturais da economia desencorajam os empréstimos.
Podemos ver como isso aconteceu na Grande Recessão, comparando o crescimento das reservas bancárias com a moeda em circulação. Nos cinco meses de agosto de 2008 a janeiro de 2009, as reservas bancárias aumentaram dez vezes – de US $ 90 bilhões para US $ 900 bilhões – o que reflete a postura extremamente agressiva do Fed. A política monetária agressiva continuou até 2013, com reservas bancárias acima de US$ 2 trilhões enquanto Atif Mian e Amir Sufi escreviam em 2014.
A moeda em circulação aumentou, mas apenas em uma quantia modesta em comparação com o aumento nas reservas bancárias. A Figura 11.1 ilustra esse padrão. A política monetária agressiva moveu significativamente as reservas bancárias, mas houve apenas um pequeno efeito indireto sobre a moeda em circulação.
Os bancos não desejam emprestar e as famílias não desejam contrair empréstimos. Ambos limitaram a eficácia da política monetária. O Fed evitou a deflação, mas é provável ele não ter gerado uma inflação significativa.
Figura 11.1: Base monetária durante a Grande Recessão nos Estados Unidos
A impotência dos banqueiros centrais durante um episódio de perdas alavancadas não é exclusiva da Grande Recessão nos Estados Unidos. O padrão da figura 11.1 também se manteve na Grande Depressão, como apontado por Paul Krugman e Peter Temin. Richard Koo mostrou tanto a Europa continental quanto o Reino Unido durante a Grande Recessão testemunharam um aumento semelhante nas reservas bancárias, enquanto a moeda a circulação permaneceu constante. O mesmo vale para o Japão a partir de 1994.
Os Bancos Centrais combatem uma recessão de perdas alavancadas inundando o sistema bancário de reservas, mas ninguém quer emprestar ou tomar empréstimos. Uma proposta seria tentar ainda mais comodamente os bancos emprestarem. Mas Atif Mian e Amir Sufi mostraram os problemas com essa abordagem no capítulo 9. Não faz sentido econômico os bancos emprestarem para uma economia atormentada por dívidas demais. Mais dívida não é a solução para um problema de dívida.
Uma abordagem melhor seria permitir os Bancos Centrais injetassem dinheiro diretamente na economia, ignorando completamente o sistema bancário. A imagem mais extrema vinda à mente é o presidente do Federal Reserve, autorizando quedas de dinheiro, lançado de helicóptero.
A ideia de injetar dinheiro diretamente na economia pode parecer à primeira vista maluca, mas economistas e comentaristas respeitáveis sugeriram exatamente essa política durante severas crises econômicas. Ben Bernanke, apenas alguns anos antes de ser presidente do Fed, sugeriu o lançamento de dinheiro de helicópteros, para os banqueiros centrais japoneses, nos anos 90, ganhando o apelido de “Helicopter Ben”.
O colunista do Financial Times, Martin Wolf, escreveu em fevereiro de 2013: “a visão de nunca ser certo responder a uma crise financeira com financiamento monetário de um déficit fiscal conscientemente expandido – o dinheiro dos helicópteros, em resumo – está errada. Ela simplesmente precisa estar no conjunto de ferramentas.”
Willem Buiter usou modelagem rigorosa para mostrar essas quedas de dinheiro de helicóptero, de fato, ajudariam uma economia presa no limite inferior zero das taxas de juros nominais. Seria melhor se os helicópteros visassem áreas endividadas do país para lança o dinheiro [porque em princípio pobres endividados pagariam suas dívidas e, depois, teriam maior propensão a consumir]. O exercício teria efeitos positivos semelhantes à reestruturação da dívida, proposta por Atif Mian e Amir Sufi no capítulo anterior.
Como você deve ter adivinhado, lançar dinheiro de helicópteros é apenas uma analogia. Na realidade, o Fed poderia injetar dinheiro imprimindo dinheiro e pagando salários dos professores, por exemplo.
No entanto, o problema é ser contra a lei o Fed imprimir dinheiro e entregá-lo às pessoas. A moeda é tecnicamente um passivo do governo, e a emissão de qualquer passivo do governo é uma ação fiscal. Somente o Tesouro pode realizar.
Isso explica porque o Federal Reserve deve trocar reservas bancárias por títulos. Eles não têm permissão para colocar em circulação reservas bancárias ou bancárias sem receber uma garantia em troca.
Além disso, acreditamos, de fato, em os banqueiros centrais adotarem tais ações, mesmo se tivessem autoridade? Nas economias mais avançadas, os banqueiros centrais constroem suas carreiras com as credenciais conservadoras de controle exclusivo da inflação. É difícil imaginá-los felizes depositando dinheiro nas cidades de todo o país. Atif Mian e Amir Sufi voltarão a esse ponto mais adiante neste capítulo.
Política Monetária e Fiscal publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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