sexta-feira, 26 de junho de 2020

Estamos Juntos Nisto: ‘tamo junto, Mano!

Atif Mian e Amir Sufi dizem, no livro “House of debt: how they (and you) caused the Great Recession, and how we can prevent it from happening again” (Chicago; The University of Chicago Press; 2014): quando os devedores diminuem drasticamente os gastos das famílias, atritos como o limite inferior zero impedem os poupadores compensarem o déficit.

Mas os efeitos econômicos desastrosos da menor demanda não são suportados exclusivamente pelos devedores. Eles se espalham por toda a economia. As perdas alavancadas afetam mesmo aqueles prudentes sem nunca terem assumido dívidas durante o boom.

O efeito arrasador mais devastador da menor demanda impulsionada por perdas alavancadas é um aumento maciço no desemprego. Mesmo os trabalhadores, vivendo em áreas completamente imunes à crise imobiliária, perdem seus empregos por causa do declínio nos gastos das famílias.

Por exemplo, o norte de Indiana não tinha altos níveis de dívida nem um grande colapso nos preços das casas. Por qual razão seus trabalhadores perderam os empregos?

Lidar com as razões do alto desemprego é um sério desafio. Ainda hoje, os macroeconomistas continuam um longo e acalorado debate sobre as razões. Até os ideólogos defensores do livre-mercado, imaginado com autorregulação, discutem a existência de desemprego involuntário.

Os modelos macroeconômicos padrão lutam contra o desemprego involuntário, porque os salários devem se ajustar aos choques, a fim de equiparar a quantidade desejada pelas famílias trabalhar (“oferta de trabalho”) à quantidade desejada pelas empresas contratar (“demanda de trabalho”). O desemprego involuntário só pode existir em um modelo macroeconômico se houver alguma “rigidez” no livre-mercado – sobrenatural porquanto onipresente, onipotente e onisciente – capaz de impedir o ajuste dos salários e os trabalhadores encontrarem empregos.

Atif Mian e Amir Sufi começam com um exemplo simples para ilustrar a dinâmica do emprego diante de perdas alavancadas. Suponha uma economia ser composta de duas ilhas, a Ilha de Devedor e a Ilha de Credor. Todos na primeira ilha têm encargos de dívida muito grandes, enquanto ninguém na ilha do credor tem qualquer dívida.

As famílias das ilhas de devedor e de credor consomem dois bens: automóveis e cortes de cabelo. Os automóveis podem ser trocados entre a ilha de devedor e a ilha de credor, enquanto os cortes de cabelo não. Em outras palavras, o emprego na indústria automobilística em cada ilha é uma função da demanda total nas ilhas Devedor e Credor, enquanto o emprego nas barbearias depende apenas do número de cortes de cabelo exigidos na ilha local. Os economistas assumem a hipótese de as pessoas não poderem se deslocar pelas ilhas; eles estão presos onde estão.

Supõem os preços das casas entrarem em colapso na Ilha Devedora. As perdas alavancadas levam a uma forte retração nos gastos com carros e cortes de cabelo naquela ilha.

Se os salários e os preços se ajustam de maneira flexível, o que devemos esperar? A demanda por cortes de cabelo vem apenas daqueles habitantes da Ilha Devedora; como resultado, uma menor demanda por cortes de cabelo reduzirá o preço dos cortes de cabelo. Por sua vez, isso reduzirá o salário dos barbeiros na ilha de devedores. Os barbeiros não gostam de salários mais baixos; muitos barbeiros vão parar de trabalhar na indústria automobilística.

Porém, mais trabalhadores da indústria automobilística também reduzirão os salários na fábrica de automóveis até os salários na fábrica de automóveis e na barbearia sejam equalizados. Os fabricantes de automóveis terão mais trabalhadores disponíveis e, portanto, pagarão menos.

Para a Ilha de Devedor, o resultado final será maior emprego na indústria automobilística, menos barbeiros e salários mais baixos. Mas o emprego total não vai mudar. Os trabalhadores deixarão as barbearias e entrarão na indústria automobilística e serão forçados a aceitar salários mais baixos.

A Ilha do Credor está conectada à Ilha do Devedor através da indústria automobilística. Portanto, mesmo se a Ilha do Credor não tenha sofrido perdas alavancadas, ela será afetada. Os salários caíram na indústria automobilística da Ilha do Devedor, o que permite os fabricantes de automóveis venderem carros mais baratos.

Como os automóveis produzidos na ilha de devedor podem ser vendidos na ilha de credores, os fabricantes da ilha de credores também devem responder diminuindo os preços dos automóveis – e os salários pagos aos trabalhadores de automóveis. Na ilha do credor, os trabalhadores da indústria automobilística respondem aos salários mais baixos, deixando a fábrica de automóveis para se tornar barbearia. Mas, é claro, isso reduz o salário dos barbeiros até que seja novamente igualado ao salário mais baixo da fábrica de automóveis.

Mesmo neste exemplo onde os salários e os preços se ajustam de maneira flexível, as famílias da Ilha Credor são diretamente afetadas por perdas alavancadas na Ilha do Devedor. Eles agora devem aceitar salários mais baixos.

Mas existem problemas muito mais graves se os salários e os preços não se ajustarem completamente. Se os economistas supõem ter rigidez total de preço e salário, portanto, nem os preços nem os salários se ajustam diante da menor demanda das famílias da Ilha Devedora. Quando os preços das casas caem nessa Ilha de Devedor, as famílias cortam novamente os gastos com automóveis e cortes de cabelo. As fábricas de automóveis e as barbearias trarão menos receita e precisarão cortar custos. Mas se eles não puderem baixar os salários em resposta a esse declínio na demanda, as fábricas de automóveis e as barbearias serão forçadas a demitir trabalhadores. A Ilha Devedora experimenta um forte aumento no desemprego.

Mas aqui está o insight crucial: a Ilha do Credor também sofre alto desemprego. Quando as famílias da Ilha do Devedor reduzem os gastos com automóveis, as fábricas da Ilha do Credor têm uma demanda menor por seus carros na Ilha do Devedor e, portanto, uma receita menor.

Se eles não puderem reduzir os custos, diminuindo os salários, demitirão trabalhadores. Trabalhadores autônomos demitidos tentarão ser contratados na barbearia, mas a incapacidade dos salários de declinar os impedirá de conseguir um emprego. Como resultado, os trabalhadores na Ilha dos Credores ficam desempregados, mesmo caso nunca tenham dívidas.

Este exemplo simples assume rigidez salarial para impedir a realocação necessária para manter o emprego pleno. Os trabalhadores da ilha devedora precisam mudar da barbearia para a indústria automobilística, e os funcionários da Ilha do Credor precisam mudar da indústria automobilística para a barbearia.

Quando uma economia local sofre um choque de demanda, os trabalhadores precisam ser realocados de setores de modo atenderem à demanda local para setores capazes de atendem à demanda externa. Salários flexíveis permitiriam a realocação, enquanto salários rígidos a impediriam.

Mas, é claro, existem muitos outros atritos capazes de servirem para o mesmo papel. Neste exemplo, se os barbeiros precisarem de treinamento extensivo para se tornarem trabalhadores da indústria automobilística e vice-versa, também veremos um aumento no desemprego quando o choque da demanda ocorrer.

Os economistas dizem não querer dar a impressão de salários flexíveis serem a solução. Já vimos como uma redução de salários para famílias endividadas exacerba o problema de gastos, devido ao chamado por Irving Fisher de ciclo de “deflação da dívida”.

A conclusão de Atif Mian e Amir Sufi é serem necessários ajustes muito sérios na economia quando famílias alavancadas cortam gastos. Os salários precisam cair e os trabalhadores precisam mudar para novas indústrias. Os atritos nesse processo de realocação traduzem o declínio dos gastos em grandes perdas de empregos.

Realocação?

Um argumento comum apresentado durante a contração é devermos confiar no processo de realocação para nos salvar de um desastre. Permitir os salários caírem e os trabalhadores se realocarem, continua o argumento ortodoxo pré-keynesiano.

Mas essa abordagem enfrenta enormes obstáculos. A economia requer ajuste rápido em resposta a um declínio tão grande nos gastos. Qualquer atrito capaz de impedir ajustes rápidos prejudicará toda a economia.

Uma abordagem mais eficaz impediria o declínio acentuado dos gastos, visando diretamente o problema das perdas alavancadas. Este será um tema importante das recomendações de política economia mais adiante neste livro.

A lição importante deste exemplo é, segundo Atif Mian e Amir Sufi, estarmos juntos nessa confusão. Mesmo as famílias da economia longe de dívidas tóxicas, durante o boom, sofrem as consequências do colapso dos gastos das famílias durante a crise.

Por exemplo, muitas fábricas de automóveis nos Estados Unidos estão em áreas do país completamente fora do boom e da explosão da bolha imobiliária: Indiana, Ohio e Kentucky. No entanto, os trabalhadores automobilísticos nesses estados sofreram durante a Grande Recessão porque as famílias altamente alavancadas em outras partes do país pararam de comprar carros.

O emprego é o canal mais importante através do qual as perdas alavancadas se propagam pela economia. Mas também existem outros canais.

Quando as famílias altamente alavancadas deixam de cumprir suas obrigações, as execuções de hipotecas pelos bancos deprimem os preços das casas em todo o bairro. A inadimplência também leva os bancos a reduzir os empréstimos a outras famílias. O país inteiro sofre em crise sistêmica.

Em uma crise econômica provocada por perdas alavancadas, as reações naturais são julgamento moral e indignação. Um refrão comum ouvido é: “os proprietários de casas irresponsáveis ​​tomaram emprestado muito dinheiro e eles devem sofrer”.

Mas essa moralização, durante a crise, também é contraproducente. O problema das perdas alavancadas se espalha rapidamente por toda a economia. A forte retração nos gastos das famílias alavancadas afeta a todos nós.

 

 

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