sábado, 20 de junho de 2020

Bancos Digitais e Fintechs

Roseli Loturco (Valor, 15/06/2020) informa: a área de tecnologia nunca foi tão colocada à prova pelos bancos como agora. Com o isolamento social e mais de 60% de seus funcionários trabalhando remotamente, os bancos tiveram que fazer rodar em nuvem e em tempo recorde – uma semana – todas as suas operações e serviços externos. O ponto mais sensível, o tráfego de dados de clientes, esteve no centro das preocupações estratégicas.

O fato é que por mais que este seja o setor que mais investe em tecnologia da informação (TI) e infraestrutura tecnológica do país – R$ 20 bilhões em 2019 – e que já vinha testando planos-piloto de colocar parte de seus colaboradores operando em casa, o projeto ainda era muito incipiente quando a pandemia chegou.

Algumas instituições financeiras, de olho no cenário externo, começaram o escalonamento três semanas antes, prevendo que o inevitável aconteceria. “Costumávamos rodar 3 mil pessoas em home office em caráter piloto e escalamos para 23 mil em três dias. Hoje, 52 mil dos 82,1 mil colaboradores estão em casa”, afirma Fábio Napoli, diretor de TI no Itaú Unibanco.

Para isso, foram feitos os acertos de infraestrutura, com a compra de 30 mil notebooks e 4 máquinas virtuais da AWS (Amazon Web Services), além de ajustes na engenharia de tráfego para suportar com segurança as operações.

Para o escalonamento das áreas que iriam primeiro para o home office, o banco usou o Business Impact Analysis (BIA), uma ferramenta que determina qual a ordem a priorizar. “O BIA seleciona as áreas mais críticas para o funcionamento do banco. Avalia as áreas de risco e a metodologia que segue. Formamos um núcleo entre as áreas de TI, negócios e riscos e seguíamos o BIA”, afirma Napoli.

Toda esta estrutura foi disponibilizada em nuvem. Em outra frente técnica, o BIA apontava as áreas específicas que não estavam homologadas em VPN, com protocolos de segurança e negócios do Itaú, como o contact center, que hoje tem 90% de seus atendimentos feitos em casa.

Para medir a eficiência operacional dos canais digitais que sofreram aumento de usuários únicos pessoas físicas de 12,6 milhões, em fevereiro de 2020, para 13,1 milhões, em maio, o banco mantém suas operações vigiadas o tempo todo e afirma ter elevado o índice de disponibilidade dos serviços no aplicativo do início da pandemia até agora em 9%, para 99,8%. “O tempo de recuperação de um incidente também caiu pela metade se comparado com o período de março a maio do ano passado”, garante Napoli. Até o fim do ano, o Itaú, que utiliza o aplicativo Teams, da Microsoft, para interação entre seus colaboradores, quer escalar para até 57 mil o total de profissionais trabalhando em casa.

Apesar de nenhum modelo de risco ter previsto o cenário atual, para o Bradesco, o que possibilitou uma mudança operacional tão ‘abrupta’ foram os investimentos massivos em tecnologia e, para este período, em especial, os aplicativos de vídeo para comunicação com os colaboradores. Em 10 dias, 70 mil de seus 100 mil profissionais estavam operando de casa com controle de segurança de dados e riscos. “Tínhamos que preservar a segurança dos clientes, funcionários e colaboradores. Cerca de 40 mil equipamentos foram deslocados para as casas das pessoas. Eu só tinha 5 mil notebooks à disposição para atividades críticas”, recorda Rogério Câmara, diretor executivo do Bradesco, que tem previsto investimento de R$ 6 bilhões em tecnologia este ano.

Na parte administrativa, de tesouraria, seguros, investimentos, crédito, TI e risco, 92% de seu pessoal estão em home office. Já no call center, o número sobe para 98%. Os últimos a aderirem ao trabalho em casa, no fim de março, foram os 12 mil gerentes de contas. “A experiência é de melhoria de produtividade. As pessoas estão mais organizadas e os apps de comunicação – Teams e o Webex, da Cisco – são fundamentais nisso. As lives internas e externas, que já eram da estratégia do banco se intensificaram e hoje são diárias”, conta Câmara.

Entre março e abril, o Bradesco registrou que 600 mil clientes saíram de atendimento de agência física para a digital. “Só no mobile, as transações diárias saltaram de 2,2 milhões em fevereiro para 2,7 milhões em abril e 2,9 milhões em maio”, diz o executivo.

O Santander atribui à revolução tecnológica dos últimos quatro anos sua facilidade em passar pelo momento atual. “Temos o maior número de caixas de ATMs recicladoras – com depósito de crédito na hora – do país: 2,1 mil máquinas. Já nossa estrutura de big data, informacional (analítica) e de construção de serviços já nos preparam até para o open banking. Toda a parte de core do banco foi ‘apificada’”, explica Marino Aguiar, diretor de TI do Santander, usando um jargão para se referir à implementação dos APIs, softwares de interface de dados do banco com agentes externos.

O Banco do Brasil levou uma semana para transformar uma estrutura que teoricamente suportava 4 mil pessoas em casa para uma dimensão de 40 mil. “Tivemos que viabilizar notebooks, instalar novas licenças de ferramentas de comunicação, o Teams, e muitos levaram o desktop para casa”, diz Márcio Motta, gerente executivo da diretoria de tecnologia do BB.

Tudo para suportar o aumento de usuários virtuais que já era previsto. Só no celular, o BB registrou 300% de aumento de novos usuários de março para cá, ou 2,8 milhões de pessoas. Já o total de transações de negócios realizadas por mês em todos os canais digitais subiu de 512,5 milhões em março para 1,17 bilhão em maio.

Carmen Nery (Valor, 15/06/2020) informa: os bancos investem cerca de R$ 20 bilhões ao ano em tecnologia. Isso representa mais de 4% de todo o mercado de tecnologia da informação e comunicação. Ele atingiu, em 2019, R$ 494,7 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), levando em conta também gastos dos consumidores. Considerando-se apenas 15 segmentos analisados pelo Gartner, o setor bancário é o que mais investe, ao lado dos governos, ambos com 14% do total.

Silvio Marote, sócio da Bain & Company, destaca que, em todo o mundo, há uma crescente redução de investimentos em hardware e alta em software. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os gastos com hardware caíram de R$ 8,6 bilhões em 2014 para R$ 6,5 bilhões em 2018, os de telecomunicações foram reduzidos de R$ 4,4 bilhões para R$ 3 bilhões, mas os investimentos em software passaram de R$ 8,4 bilhões para R$ 10,1 bilhões.

“Isso reforça o foco das instituições bancárias no desenvolvimento de novas funcionalidades em serviços e produtos dos bancos. Big data e analytics estão no topo das tecnologias em que os bancos mais investem (80%), o que mostra a importância do uso estratégico dos dados”, diz Gustavo Fosse, diretor setorial de tecnologia e automação bancária da Febraban.

Somente os três maiores bancos – Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Bradesco – somam mais de R$ 13 bilhões em gastos com tecnologia. O maior orçamento é do Bradesco, R$ 6,2 bilhões em 2020, sendo dois terços destinados ao custeio e um terço para investimentos em digitalização e inovação, cujos aportes crescem 2,5% ao ano.

Walkiria Schirrmeister Marchetti, diretora-executiva do Bradesco, informa que o investimento é dividido em 45% na operação do negócio (disponibilidade, segurança), 25% na melhoria da experiência do usuário, 15% na melhoria da experiência do funcionário (agências) e 15% em novos modelos de negócio, como o Banco Next , e novas plataformas para o open banking. As novas aplicações de plataformas já nascem na nuvem e a próxima meta é levar o Next para a nuvem pública.

O Itaú Unibanco não abre valores de investimentos em TI, mas, segundo o CIO, Ricardo Guerra, o investimento cresceu 54% entre 2016 e 2019. Na demonstração de resultados de 2019, há despesas com “processamento de dados e telecomunicações” de R$ 3,69 bilhões em 2018 e R$ 3,8 bilhões em 2019, embora esses valores não representem o total gasto com TI.

“Os investimentos envolvem também contratação e capacitação de recursos humanos. Em 2020, mesmo com a pandemia, continuamos contratando”, diz.

O BB tem orçamento de R$ 3 bilhões, dos quais R$ 800 milhões para investimentos. Rogério Sartori, gerente executivo na diretoria de tecnologia do BB, diz que, a partir de 2021, haverá um crescimento de R$ 500 milhões ao ano. “Estamos modernizando o legado com microsserviços, ampliando a adoção de nuvem e construindo uma plataforma integrada.”

O Santander também não divulga valores do orçamento de TIC, que é dividido igualmente entre custeio e investimentos. Marino Aguiar, diretor de tecnologia da informação do Santander Brasil, informa que 35% dos investimentos são para canais digitais, 30% para regulatórios, 25% para produtos e serviços e 10% para outros fins.

Danylo Martins (Valor, 15/06/2020) informa: responsáveis por mais de um terço de todo o capital aportado em startups brasileiras no ano passado, as fintechs captaram cerca de US$ 910 milhões, volume quase três vezes maior em relação a 2018 e puxado por rodadas levantadas por Nubank (US$ 400 milhões), Creditas (US$ 231 milhões) e Neon (US$ 100 milhões). Desde 2015, as startups que inovam no setor financeiro receberam US$ 2,4 bilhões em aportes, conforme levantamento recente do hub de inovação Distrito.

A expectativa era de mais um ano recheado de captações, mas a pandemia deixou os investidores mais seletivos e criteriosos. Nem por isso a busca por bons negócios foi interrompida porque oportunidades não faltam no setor, segundo gestores de fundos de venture capital ouvidos pelo Valor. “É um mercado altamente concentrado, com os cinco maiores bancos que detêm 85% dos ativos. E as pessoas querem uma experiência melhor com produtos, serviços e atendimento”, diz Gustavo Gierun, sócio do Distrito.

O Distrito Ventures – braço de venture capital da empresa – soma R$ 23 milhões aportados em 21 negócios, a maioria deles fintechs, como Monetus (investimentos), BLU365 (renegociação de dívidas) e SuperSim (crédito). Segundo Gierun, apesar da crise, o segmento de fintechs continuará crescendo em 2020, principalmente por causa de pautas regulatórias como open banking e pagamentos instantâneos. Mas o volume de recursos investidos não deve ter o mesmo ritmo que em anos anteriores.

Em estágios iniciais, como capital semente (seed) e série A, as rodadas devem retornar mais rapidamente porque os fundos mais ativos no Brasil estão capitalizados. “O investidor vai ser mais cuidadoso em todos os estágios. Isso é natural desse momento”, explica Gierun. Romero Rodrigues, sócio-diretor da Redpoint eventures, compartilha de visão semelhante. “Desde 2012, fizemos bons investimentos em fintechs e continuamos fazendo, mas obviamente a barra ficou mais alta.”

Com 48 startups no portfólio, incluindo fintechs como Creditas, Magnetis e Antecipa, a Redpoint eventures divulgou rodadas nos últimos meses, como o aporte em conjunto com a HDI Seguros na Accountfy, especializada em digitalização da área financeira de empresas. “Não cancelamos nenhum investimento e estamos começando a olhar novos investimentos, mas sem dúvida que a distância o processo fica mais lento”, diz Rodrigues.

Para Flávio Dias, sócio da 500 Startups no Brasil, existe um espaço grande para criação de negócios nas áreas de pagamentos e digitalização bancária. Recém- chegado à operação brasileira da aceleradora americana, uma das maiores do Vale do Silício, Dias conta que a 500 Startups está reforçando a posição no Brasil e vai voltar a olhar negócios no país no segundo semestre. “Fintech é um dos principais segmentos em que vamos buscar investir, além de saúde, educação, agronegócio e SaaS [software como serviço, em inglês] aplicado a varejo e marketplace”, diz.

Segundo Daniel Chalfon, sócio da Astella Investimentos, existe um número crescente de empreendedores oriundos do mercado financeiro. São pessoas que conhecem o funcionamento do setor e resolveram abrir novos negócios nos últimos anos. “Não acho que vamos ter daqui para frente o mesmo volume de empreendedores em fintechs. Provavelmente teremos mais qualidade”, avalia.

Para Arthur Garutti, sócio da empresa de inovação ACE, fintechs com soluções para PMEs tendem a atrair cada vez mais investidores. Com três aportes feitos neste ano, a ACE, com 70 startups em carteira, planeja fazer de sete a dez novos investimentos até dezembro, sendo um quarto para negócios no setor financeiro. “Nosso pipeline continua rodando, com aportes de R$ 200 mil a R$ 1 milhão.”

Bancos Digitais e Fintechs publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com



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