Flávia Furlan e Talita Moreira (Valor, 31/01/2020) informam: bancos e fintechs consideram apertado o cronograma estabelecido pelo Banco Central (BC) para implantar todas as fases do “open banking” até o fim do ano de 2021! Há quem defenda uma ampliação dos prazos!
O maior desafio, afirmam fontes próximas às instituições financeiras tradicionais e às novatas, não é cumprir a primeira etapa, prevista para o segundo semestre deste ano, quando começa a valer o compartilhamento de dados sobre canais, produtos e serviços. A questão, segundo esses interlocutores, é entregar a tempo as fases seguintes. Elas preveem troca de informações sobre cadastro de clientes, produtos e serviços e, por último, transações.
O ‘open-data’ de produtos é algo mais simples de ser feito, mas o processo vai ficando mais complexo com o passar do tempo, como por exemplo a inclusão de informações transacionais. Elas requerem mais segurança.
O cronograma proposto pelo BC consta da minuta da regulamentação em consulta pública quase encerrada, mas sem os grandes bancos e as principais fintechs ainda não terem se manifestado com suas contribuições. Algumas instituições devem questionar os prazos intermediários.
A maioria das manifestações recebidas pelo BC até agora é de pessoas físicas e em geral trazem comentários positivos sobre a proposta. “Sou a favor do open banking, mais uma melhoria para os correntistas”, escreveu o metalúrgico Everton Evangelista no site do regulador.
O desafio para o cumprimento dos prazos está relacionado principalmente a questões técnicas – e nem tanto a um embate entre bancos e fintechs, como se poderia imaginar. As discussões recaem sobre a governança do modelo, o custo das operações e a padronização das APIs (tecnologia pela qual se faz a troca de informações).
Uma das grandes questões é a padronização da linguagem, tanto a técnica quanto a de produtos, que terá de ser feita entre os participantes do open banking. Quando uma fintech ou um banco pedir informações a um concorrente sobre o extrato de um cliente, é preciso que nesse concorrente esse conjunto de informações também seja chamado de “extrato”. Como há centenas de produtos que podem ser objeto de compartilhamento, esse processo não é simples.
Outro fator para aumentar a complexidade da adoção é, no Brasil, caber aos participantes desenhar suas próprias APIs e disponibilizá-las aos demais. O intuito é que, dessa forma, o mercado tenha mais flexibilidade para desenvolver produtos no longo prazo.
O presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD), Rafael Pereira, reconhece que o cronograma é desafiador, mas avalia que os prazos estreitos forçam o mercado a se mexer. “O open banking tem que ser um processo contínuo. Começa com menos informações e vai construindo ao longo do tempo”, diz.
As discussões estão muito relacionadas ao modelo de open banking que o BC quer adotar no Brasil depois de observar a experiência com a tecnologia na Europa e, principalmente, no Reino Unido.
No mercado britânico, o governo centralizou o processo e decidiu ele mesmo desenvolver uma “prateleira de APIs” como forma de acelerar e dar mais segurança para o processo de adoção do open banking. Esse processo envolveu cerca de 300 pessoas e demandou recursos entre 400 milhões e 500 milhões de libras, segundo estimativas de mercado. Não há dados oficiais públicos.
Lançado em 2018, o sistema é coordenado pela Open Banking Implementation Entity, órgão criado pela Competition & Markets Authority (CMA), o “Cade” britânico. Após quase dois anos, o modelo aumentou a competição, mas alterou pouco a cara do mercado britânico e não teve efeito relevante nas taxas de juros. Até agora, cerca de 400 mil clientes aderiram ao open banking. A discussão por lá tem sido sobre como ampliar a participação da população.
O caminho a ser percorrido no Brasil é o oposto. O BC adotou uma abordagem “de baixo para cima”, cedendo ao mercado a responsabilidade de definir os detalhes do open banking. Antes de a plataforma ser implantada, as associações de instituições participantes vão desenhar uma convenção, sob a supervisão do regulador.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) foi escolhida para coordenar o processo, o que gerou uma desconfiança inicial em fintechs e bancos digitais. O temor era que os bancos que mais serão desafiados pelo open banking poderiam atuar para defender o “status quo” – a lógica da raposa cuidando do galinheiro.
Esse desconforto foi superado. A própria Febraban vem organizando encontros com associações de fintechs e bancos de pequeno e médio portes e, segundo relatos de participantes, as conversas são técnicas. “É natural que a Febraban puxe a liderança. Sem dúvida, ela tem um papel relevante. Mas o árbitro é o BC. Se as regras forem bem definidas, não tem problema”, diz fonte de uma fintech.
O maior incômodo agora diz respeito ao peso que os grandes bancos e os demais participantes do mercado – como ABFintechs, ABCD e ABBC (bancos médios) – terão na convenção.
Para o executivo de um banco digital, as regras de governança das transações serão um ponto crucial e podem atrasar a implementação do sistema. Ele aponta como questões mais complexas no debate as certificações a serem concedidas às entidades que vão poder acessar as informações do sistema e o ressarcimento de custos de quem ceder as informações.
O regulador brasileiro indicou quatro transações e um acesso ao cadastro por CPF a cada dia sem custos no open banking, para permitir maior adesão de fintechs e bancos digitais – no Reino Unido, são 15 acessos gratuitos por cliente ao dia. A partir disso, será possível fazer cobrança para compartilhamento das informações. No Brasil, novos competidores pedem que o número seja elevado. Há até os que defendem não haver cobranças.
“O open banking é maravilhoso, mas as empresas terão de pagar pela ineficiência da Caixa”, afirmou o presidente do banco estatal, Pedro Guimarães, em evento com investidores nesta semana. “Não vou admitir que se pague um custo marginal se eu tenho um custo de 5 mil agências. Eu, como estatal, estou subsidiando todo mundo? Vai dar briga.”
O sujeito passageiro fala como fosse dono do banco público!
Open Banking X Bancos e Fintechs publicado primeiro em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com
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